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Novo conceito de serviço público na Suécia: escolas independentes

4. Reformas de sucesso: os casos da Suécia e da Nova Zelândia

4.1. Novo conceito de serviço público na Suécia: escolas independentes

Na década de 1990, o serviço público de educação na Suécia passou a incluir escolas municipais (estatais) e escolas independentes (privadas), que podem pertencer a um indivíduo, a uma empresa, a uma congregação religiosa ou a uma cooperativa, tendo-se descentralizado grande parte das competências para os municípios e introduzido escolha e concorrência. Actualmente, o Estado atribui aos pais um voucher por cada filho, de igual montante, que pode ser gasto numa escola independente ou numa municipal. As escolas independentes, apesar da liberdade, devem estar em conformidade com os valores e currículo base nacional, seguindo as mesmas regras, nomeadamente de abertura a todos, e não podem cobrar propinas adicionais (Wong, 2008). Porém, até ao final dos anos oitenta do século passado, entendia-se que o financiamento estatal da educação obrigava a que a oferta fosse igualmente estatal, pelo que o conceito de escolha estava reduzido à escolha dentro da escola. Nos últimos vinte anos tudo mudou, com a diluição das diferentes

perspectivas sobre escolha entre social-democratas e moderados46. Tornou-se assim possível a criação de um quase-mercado educativo, assente numa abordagem voltada para a descentralização e autonomia, e nas vantagens da liberdade de escolha e da concorrência entre escolas. O objectivo era que o aparecimento de escolas independentes viesse revitalizar o panorama da oferta escolar, diversificando, inovando, concorrendo, provocando ganhos de qualidade e eficiência de recursos, ao mesmo tempo que se cumpria o direito à liberdade de aprender e de ensinar (Skolverket, 2006:6).

Um estudo de 2003 sobre os efeitos da reforma revela que são os pais com mais formação que mais escolhem a escola para os filhos, referindo ter informação suficiente para escolher. Ficou-se igualmente a saber que a grande maioria dos pais é favorável à escolha da escola (mais de 90%), concorda que é bom para a escolas concorrerem entre si (mais de 50%), acha que algumas escolas atrairão alunos pela oferta de um ensino inovador (mais de 70%) e que o aumento da escolha levará a uma maior diferença de qualidade entre escolas. A maioria dos pais que efectuou escolha diz-se satisfeita com a escola, enquanto a pequena proporção dos que se dizem descontentes equivale àqueles que não exerceram escolha. A oportunidade de escolher existe sobretudo nas zonas urbanas ou densamente populosas (Skolverket, 2003:10-13).

Sendo a maioria dos pais favorável à escolha da escola, são cada vez mais os que estão a usufruir dessa oportunidade. Como vimos, há, porém, uma diferença substancial entre diferentes grupos de pais no que concerne à informação que detêm e à profundidade das escolhas que fazem. Os que têm educação superior e vivem em áreas urbanas têm exercido mais a escolha, recaindo a preferência nas escolas independentes. Num estudo da Agência Nacional para a Educação fica claro que os pais consideram que as medidas tomadas puseram mais pressão nas escolas e nas autoridades, resultando numa maior disponibilidade para os ouvir. Permanecem dúvidas quanto à equidade, uma vez que a percepção indicia um aumento da segregação, em virtude de a escolha ter provocado maior diferença de qualidade entre as escolas, com algumas a atrair apenas certas categorias de alunos, deixando outros em escolas piores. Desse modo, para preservar a liberdade de escolha, o estudo conclui pela necessidade de aplicação de medidas que evitem a segregação (Skolverket, 2003:31).

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Sobre a evolução do conceito de escolha para os diferentes partidos políticos, ver Skolverket (2003:7-9) 99

A Directora-Geral da Educação, Karin Nilsson, sublinha o aumento da procura de escolas independentes, assim como dos pedidos de autorização para a sua criação: «Actualmente, nove por cento dos alunos da escolaridade obrigatória (do 1.º ao 9.º ano) e 17,4 por cento do secundário frequentam escolas independentes. Estes números vão continuar a subir. Só este ano, a Direcção-Geral de Educação recebeu 560 novos pedidos. É na direcção que verificamos se o pedido obedece a todos os requisitos. Por exemplo, se tem viabilidade financeira, se tem um local para construir, qual é a pedagogia que segue...». Apesar de considerar as escolas municipais boas, refere que existe uma maior preferência pelas independentes, que se ficará a dever a um perfil específico que atrai muito os pais (e.g. as escolas que ensinam apenas em inglês são muito populares), decorrente de uma grande autonomia, que permite uma oferta diversificada para lá do currículo nacional que todas têm de seguir. Por outro lado, embora sem estudos que clarifiquem as razões, reconhece que as escolas independentes têm tido melhores resultados, talvez resultantes, entre outros factores, do efeito da concorrência nas zonas urbanas, onde há mais oferta. Outro dado muito importante reside na baixa taxa de abandono (Wong, 2008).

Parece evidente que a melhoria de qualidade é superior nas zonas urbanas, onde existe maior concorrência, especialização e algum nível de segregação, enquanto nas zonas rurais os alunos estão mais dispersos e as poucas escolas independentes resultam sobretudo da mobilização da comunidade contra o fecho de escolas decidido pela autarquia. A maior segregação resultante da introdução da escolha da escola pelos pais terá tendência para reduzir à medida que aumente o número de vagas em escolas independentes e o número de municípios com este tipo de escola (Vieira e Sousa, 2009:128-129).

É importante notar que os social-democratas, no regresso ao poder em 1994, decidiram manter as políticas que ditaram a integração das escolas independentes no serviço público de educação, considerando que elas tinham dado um contributo positivo para a diversidade e melhoria do sistema educativo. Nesse quadro, foi acentuada a necessidade de maior cooperação, para além da concorrência, e a necessidade de evitar a segregação. Ambos os partidos no poder têm defendido o “igual direito de todos a uma educação de qualidade”. Não deixa de ser interessante, a este propósito, que se tenha dado o aparecimento de escolas independentes vocacionadas para crianças com necessidades especiais (e.g. com dificuldades de aprendizagem, com problemas psicológicos ou deficiências físicas), assim como para os contextos sociais mais problemáticos (Skolverket, 2006).

O modelo sueco, tendo introduzido, por via do voucher, a liberdade de escolha e a concorrência entre escolas, vai ao encontro, em certa medida, das ideias defendidas quer por West quer por Julian Le Grand para a revitalização do sistema educativo, e de modo especial no que se refere a uma oferta mais diversificada, mais eficiente, com melhor qualidade, mais próximo das necessidades das famílias e estudantes. Isto ao mesmo tempo que se tenta impedir a selectividade de alunos e a segregação. No mesmo sentido vai a conclusão de Vieira e Sousa (2009:128) ao salientar que a «introdução de um novo conceito de serviço público de educação, em que todas as escolas são reconhecidas como iguais, sem se atender ao estatuto jurídico de cada qual, e os pais podem exercer o direito de escolha da escola, veio a comprovar-se um importante factor de diversidade, inovação e participação no sistema de ensino»; esclarecedor é o facto de as escolas independentes serem cada vez mais e a origem dos seus promotores ser cada vez mais diversa (sociedades limitadas, empresários em nome individual, cooperativas, fundações, associações sem fins lucrativos ou comunidades religiosas).

Uma boa referência, que sugere um excelente desempenho do sistema educativo sueco, reside no lugar cimeiro que a Suécia ocupa nos testes do PISA.