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O Novo Padrão Exportador Latinoamericano

3.3 A Transferência da Crise para as Economias Dependentes

3.3.2 O Novo Padrão Exportador Latinoamericano

As reformas neoliberais iniciadas a partir da década de 70 e que atingiram seu ápice na década de 90, foram pouco a pouco impactando na estrutura produtiva latino-americana e trazendo mudanças substanciais na forma que a dependência se expressa na região. A desindustrialização, a ruptura com uma estratégia nacional de desenvolvimento e a presença da dívida externa enquanto balizadora da política econômica levou a um novo posicionamento da América Latina na Divisão Internacional do Trabalho. Jaime Osório (2012) identifica essas

transformações na região como a consolidação de um novo padrão exportador de especialização produtiva.

O enfoque na obtenção de superávits comerciais visando o pagamento de juros da dívida e o aniquilamento de parte considerável do mercado interno diante das políticas de combate a inflação, aprofundaram o caráter exportador das economias dependentes. As exportações latino-americanas que representavam 14,5% do PIB, em 1990, passaram a representar 23,6%, em 200810. A região passou cada vez mais a exportar produtos menos diversificados, especializando-se na exportação de matérias primas e bens industriais de pequena elaboração derivados da agricultura e dos minérios. A exportação de bens industrializados de maior tecnologia, como os produzidos pelo setor automobilístico e o setor eletrônico, centraram-se principalmente na montagem de produtos e contaram com a participação ampla do capital estrangeiro (OSÓRIO, 2012). No período de 2000 a 2009, a composição das exportações variou significativamente: a participação das matérias primas nas exportações aumentaram 9% enquanto os bens manufaturados de alta, baixa e média tecnologia regrediram mais de 10% durante o mesmo período, conforme pode ser analisado na Tabela 2. Período Matérias primas Manufaturas baseadas em recursos natutais Manufaturas com tecnologia baixa, média e alta Serviços 2000-2002 25,0 16,2 51,9 6,8 2007-2009 34,1 18,4 41,1 6,4

Tabela 2: Distribuição setorial das exportações latino-americanas e do caribe por setor, em %

Fonte: CEPAL, Panorama de la insercíon internacional de La America Latina y del Caribe 2009-2010. Elaboração da autora. A ampliação das exportações e a sua especialização em produtos que conferiam supostas vantagens comparativas11 para a América Latina foi vista por grande parte dos economistas como um indicador de desenvolvimento e de força econômica. A defesa de que essas transformações foram benéficas para os países dependentes é fruto da incapacidade de

10 Fonte: CEPALSTAT.

11 A Teoria das Vantagens Comparativas sugere que os países devem se especializar em produzir aquilo que o

fazem com maior facilidade. Ela surgiu a partir dos escritos de David Ricardo, que defendia a especialização de Portugal na produção de vinhos e da Inglaterra na produção de tecidos. Como cada país estaria produzindo apenas aquilo que faz com menos trabalho, a quantidade total produzida pelos países seria menor do que se não houvesse a especialização. A explicação de David Ricardo a cerca do comércio exterior pode ser encontrada no capítulo VII do seu livro Princípios de Economia Política e Tributação. Já no capítulo XXXI da mesma obra intitulado “Sobre a Manufatura”, o autor demonstra uma opinião contrária a estabelecida no capítulo sobre o comércio exterior e admite que os países que trocam produtos não manufaturados por produtos manufaturados estariam em desvantagem nas trocas internacionais. Além disso, a Teoria das Vantagens comparativas deturpou a base fundamental sob a qual ela foi conduzida nos escritos de David Ricardo, que é a teoria do valor-trabalho.

compreender a diferença entre a aparência e a essência do fenômeno da desindustrialização e expressam carência de um método propriamente científico de análise. Todavia, tal deficiência não se consiste em mero equívoco, mas sim em uma necessidade de sustentar teoricamente essas transformações altamente lucrativas para a classe dominante latino-americana.

O que permitiu a sustentação da defesa de que essas transformações estavam sendo benéficas para a América Latina foi o fato de que as suas reais consequências foram encobertas por uma conjuntura favorável, onde o intenso ritmo de acumulação nos países centrais aliou-se a uma alta acentuada no preço das mercadorias exportadas pelos países dependentes. Tal conjuntura tornou possível que a obtenção de recursos provenientes das exportações e da alta na liquidez internacional fosse suficiente para garantir o pagamento dos juros e amortizações da dívida e ainda fazer pequenas concessões à classe trabalhadora. Mostrou-se possível realizar um abrandamento temporário da superexploração da força de trabalho ao mesmo tempo em que se aprofundava a dependência. A possibilidade que tais condições trouxeram de ganhos à classe trabalhadora tornou-se efetiva por conta das inúmeras mobilizações populares que passaram a ocorrer principalmente a partir da década de 1990. Quanto a tais mobilizações e transformações políticas e sociais delas decorrentes, cabe salientar que houve processos de caráter muito distintos na América Latina: enquanto na Venezuela, Bolívia e Equador a Revolução Bolivariana, apesar de todas as suas contradições, buscou romper com o imperialismo através de reformas estruturais, colocando o povo no centro das decisões políticas, em países como a Argentina, Brasil e Uruguai os governos que se elegeram com base em um discurso crítico ao neoliberalismo abdicaram de uma estratégia de ruptura, dando continuidade a essa mesma política econômica. Quanto a esses últimos, cumpriram a função de apaziguar as mobilizações de massa na medida em que conciliavam um governo a serviço da classe dominante com pequenas concessões a classe trabalhadora.

A intensificação da produção voltada à exportação e a regressão industrial colocaram a economia latino-americana em um patamar mais próximo da economia exportadora a qual se referia Marini. O fato da produção estar mais orientada para o comércio exterior faz com que o nível de salários passe a impactar menos na realização da produção, contribuindo para o rebaixamento do mesmo. Todavia, as principais diferenças que esse novo padrão exportador de especialização apresenta com relação à economia exportadora clássica, é que o mesmo se apresenta sob predominância do capital fictício. A necessidade de realizar transferências de valor para os países centrais reafirmou a superexploração dos trabalhadores, via busca por

superávits primários para realizar o pagamento de juros da dívida pública. Assim, pouco a pouco foi se aprofundando e dando novos contornos a estrutura da dependência latino- americana.

Na contramão do que a nossa análise indica até o momento, a crise de 2008 atingiu a economia latino-americana em um momento de muito otimismo das classes dominantes locais, que chegaram a afirmar que a crise poderia vir a ser uma oportunidade para a América Latina. Tal otimismo é fruto de uma aparente melhora das economias latino-americanas durante a década de 2000, que foram impulsionadas principalmente pela elevação dos preços das mercadorias exportadas pela América Latina.

A causa responsável pela elevação dos preços das principais mercadorias exportadas pelos países latino-americanos teve origem nas transformações ocorridas na economia mundial. As mudanças ocorridas nas economias asiáticas - principalmente na China, que passou a apresentar um crescimento econômico muito superior à média mundial - levaram a uma elevação da demanda externa por matérias-primas, que pressionou para cima seus preços (FILGUEIRAS, 2010). Os países produtores das “commodities” se inserem no mercado mundial diante de posição desfavorável na divisão internacional do trabalho por conta das trocas desiguais. A conjuntura especifica de elevação no preço das matérias primas permitiu ocultar a troca desigual, inerente à inserção dos países dependentes na economia mundial, possibilitando ganhos momentâneos aos mesmos. Graças à conjuntura externa favorável e ao alto preço das mercadorias exportadas pelos países dependentes, a troca desigual foi mascarada e se expressou em uma melhora dos “termos de troca”. A elevação no preço dos principais produtos exportador pela região é ilustrada no gráfico 5. Da mesma forma, o intenso ritmo de acumulação capitalista que foi característico durante os anos 2003 – 2007 permitiu uma maior margem de manobra aos países periféricos. Durante esse período, foi possível mascarar a realidade e propagar um ilusório fortalecimento desses países na mesma medida em que a dependência se mantinha.

Fonte: CEPALSTAT. Elaboração da autora.

A conjuntura favorável encobriu o fato de que as transformações na estrutura produtiva latino-americana carregavam as condições para o aprofundamento da superexploração da classe trabalhadora diante das futuras necessidades do capital em reestabelecer taxas de lucro satisfatórias. A intensificação da produção voltada para o mercado externo ampliava as condições para que o rebaixamento dos salários não fosse um problema para a maior parte da realização das mercadorias; a intensificação do caráter exportador de matérias primas agravou a transferência de valor para o centro por meio das trocas desiguais; a dívida pública continuava a se elevar garantindo um fluxo continuo de valor para o centro em forma de pagamento dos juros e amortizações da dívida. Enquanto o nível de preços das mercadorias exportadas se elevava quase que exponencialmente e os elevados níveis de liquidez internacional permitiam refinanciar a dívida, era possível realizar o pagamento da mesma e ainda assim fornecer pequenas concessões à classe trabalhadora – irrisórias, diga-se de passagem, comparadas aos recursos destinados a alimentar o rentismo. Todavia, os mecanismos de elevação da produtividade e de maior desenvolvimento da divisão do trabalho os quais estão presentes na indústria, far-se-iam presentes diante da reversão do ciclo econômico. A queda do preço das mercadorias exportadas pela América Latina e a necessidade do centro do sistema em intensificar ainda mais a transferência de valor da periferia para o centro viriam a desmascarar todas as mudanças que ocorreram durante a primeira década do século XXI. A importância do método científico em compreender que a aparência e a essência dos fenômenos diferem é essencial para analisar as atuais mudanças que a América Latina passou recentemente. Enquanto na aparência se observa a melhora das contas nacionais, no nível de emprego e no crescimento econômico, encobre-se as condições para a intensificação da dependência e da superexploração. Vejamos,

Gráfico 5: Índice de Preços dos principais produtos básicos de exportação na América Latina

pois, como a inflexão do ciclo econômico viria a explicitar o aprofundamento da dependência apresentado até aqui.