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O sucesso das produções Disney, com seu estilo artístico único e bem definido, acirrava a competição entre animadores, alavancando o surgimento de novos estúdios e ameaçando a hegemonia técnica e estética de Disney. Comprometendo-se com a fidelidade da história do cinema de animação, não se pode deixar de mencionar as influências artísticas trazidas pela televisão - introduzida no mercado entre as décadas de 1930 e 1940 - e pela maneira como os novos estúdios e animadores vieram a desenvolver suas animações. A eclosão desta nova tecnologia e dos nascentes estúdios exigiu a apresentação de novas possibilidades estéticas que desacomodaram o antigo formato das animações, explorando seus novos potenciais, demarcados pela dinamicidade e ação.

Concorrendo com Pato Donald e Mickey Mouse, personagens como Betty Boop, Popeye e Olivia Palito, produzidos pelos irmãos Fleischer, satirizavam o romantismo da época (MIRANDA, 1971). A concepção gráfica, o enredo das histórias e a dinâmica do gênero, agora evidenciados, compunham

o novo quadro da animação. Betty Boop, definida por suas curvas acentuadas, por uma sensualidade repleta de caras e bocas, por seu vestido curto, contrastou com a pureza virginal da princesa Branca de Neve. A personagem de Max Fleischer sofreu a censura americana, acusada de apelo sexual. Em contrapartida, Popeye, Olívia e Brutus, marcados pela caricatura, pelo descomprometimento com a sofisticação e minuciosidade das narrativas Disney, estimularam novas práticas na animação (LUCENA JR, 2001). Os Estúdios Disney ainda desacomodavam os outros estúdios de animação. Na expectativa de superar o sucesso de suas produções, a Paramount, distribuidora das produções dos irmãos Fleischer, encomendou-lhes um longa- metragem envolto por personagens expressivos e dramáticos, capazes de envolver emocionalmente os espectadores e concorrer com aqueles produzidos por Disney.

Atendendo a esta proposta, em 1939, efetivou-se o lançamento do primeiro longa-metragem dos irmãos Fleischer, As viagens de Gulliver. Através deste, animadores e distribuidora intentavam que o público fosse tomado pelo mesmo envolvimento emocional ofertado por Disney, mas a simplificação técnica não conseguiu igualá-lo a nenhum daqueles sucessos (SOLOMON, 1994). Tendo nascido em resposta a Branca de Neve e os sete anões, As viagens de Gulliver baseou-se nas histórias de Jonathan Swift, de mesmo título, que retratavam uma sátira aos vícios morais da Inglaterra do período de 1726.

Partindo do tempo despendido para ser concluído, Solomon (1994) lança um olhar diferente a Gulliver. Se Branca de Neve e os sete anões foi desenvolvido em quatro anos, As viagens de Gulliver envolveu um ano e meio de dedicação dos animadores, refletindo-se realisticamente nos resultados da produção, afastando-a da qualidade e da meticulosidade dos pressupostos de Disney. O resultado desta animação determinou a direção técnica que os irmãos Fleischer fixaram como suas bases de trabalho, firmando um estilo próprio de animação, através da rotoscopia.

Foi com Superman – personagem já afamado pelas histórias em quadrinhos, capaz de fantasticamente reassegurar ao povo novas esperanças

em um mundo atribulado pelos reflexos da guerra - que os irmãos Fleischer alcançaram a popularidade, a expressividade e a solidez técnica. Como define Rahde (2002), Superman foi um herói necessário naqueles anos marcados pela Segunda Guerra Mundial. Belo, bondoso, invulnerável e eternamente jovem, atendia ao imaginário de uma época, suscitando identificações e resgatando esperanças frente ao futuro vindouro.

O advento da televisão influenciou o campo do desenho animado, determinando, também, o retorno dos cartoons primitivos (MIRANDA, 1971). Paralelamente, estúdios como a Warner Brothers - fundado em 1923, pelos irmãos Albert, Sam, Harry e Jack L. Warner – e MGM lançaram-se no mercado da animação, através de uma proposta diferente da apresentada por Disney. Apresentaram uma animação marcada por distorções e exageros, cujos efeitos ilógicos e descompromissados produziam resultados cômicos e surrealísticos, ao mesmo tempo em que burlavam as leis da física. A Warner Brothers e a MGM, contrariamente aos irmãos Fleischer, propunham a comédia alucinada, marcada pelo cômico e pelo ilógico, cujo desapego por normas desafiava, através de seqüências animadas às leis da física. Os personagens Pernalonga, Patolino, Frajola, Piu-Piu, Papa-Léguas, Coiote, Pepe Lepew, Diabo da Tasmânia e Tom & Jerry deram visibilidade a esta possibilidade, valendo-se dos princípios Disney, no entanto, direcionados ao extremismo cômico (LUCENA JR., 2001).

A piada reflexiva, o narrador off-screen, o design atípico e personagens artisticamente desconstruídos, naquilo que se referia à arte, à estética e à personalidade, referenciaram o perfil anti-herói que começava a ganhar destaque. Elaborados a partir deste outro enfoque, com um design não tão refinado quanto aquele proposto por Disney, novos personagens iam ganhando a simpatia do público, ávido por novidades (ADAMSON, 1985).

O interesse do público voltava-se a estes novos heróis, que contrastavam com aqueles personagens já consagrados por Disney. Através destes inusitados ícones, a técnica empregada nas criações de Mickey, Pato Donald e seus demais companheiros era revista e recoberta por novos significados. Narratividade, piadas visuais e tempo deviam estar em harmonia,

a fim de que não se perdesse a essência e o conteúdo das animações, configurando os traços da comédia alucinada. O humor, marca de Bill Hanna e Joe Barbera (MGM), foi aplicado aos princípios de Disney, redesenhando, assim, diferentes personalidades, como se verifica em Tom e Jerry. As figuras criadas por Disney, ainda muito ligadas ao período histórico americano, identificado pela Depressão, denotavam resistência do público que despertava à nascente e alucinada animação (LUCENA JR, 2001). Hanna e Barbera (MGM), mais tarde, investiram também nos longa-metragens de animação, produzindo Uma estrela no circo (1964) e Um homem chamado Flintstone (1966) mas, estando o mercado voltado às séries televisivas, não insistiram no ramo (GUILLÉN, 1997).

A televisão exigia uma maior velocidade entre a produção de uma animação e outra, impingindo àqueles envolvidos com esta nova tecnologia retomarem estilos estéticos arcaicos. O escasso uso de tons, linhas e a simplificação dos movimentos foi o resultado deste novo momento. A United Productions of America (UPA), criada na década de 1940, demarcada por uma expressividade distante daquela sugerida por Disney, revolucionou a arte da animação. A proposta da UPA caracterizava-se pela economia do traço, pela concisão e por um conteúdo satírico, diferenciando-se das primeiras propostas de Disney – era a animação limitada, plena em expressividade (GUILLÉN, 1997). O intuito de seus criadores era impor-se ao estilo Disney, bem como ao da Warner e MGM, desenvolvendo o estilo UPA de animação. Esta nova tendência inspirava-se na estética cubista, com referências em Picasso, Matisse, Modigliani e Klee. Os animadores que fundaram a UPA já haviam integrado o grupo Disney, fato que lhes dava uma sólida base artística (LUCENA JR, 2001). Assim, sedentos de novas possibilidades estéticas e gráficas, permitiam-se a experimentação de formas, cores, texturas, som e enredo.

Os estúdios UPA produziram o filme Gerald McBoing-Boing, vencedor do Oscar em 1951. Tal produção revelou-se inovadora, tendo combinado o estilo gráfico geométrico com uma acelerada dinâmica narrativa. Sempre atento às oportunidades mercadológicas, o sucesso do estilo UPA fez com que

Disney aderisse imediatamente a algumas de suas propostas. Thomas e Johnston (1995) afirmam que Disney experimentou estas possibilidades em filmes dos anos de 1940, como Fantasia (1940), Dumbo (1941) e The three caballeros (1945). Em Fantasia, Lucena Jr. (2001) observa que Walt Disney antecipou as perspectivas da UPA, pincelando a produção com uma estética psicodélica; em Dumbo, combinou vários estilos, exibindo desde uma alucinação surrealista até o humor absurdo, inspirado nos irmãos Fleischer e, em The three caballeros, ofertou ao espectador a magia harmoniosa proporcionada pela composição do desenho animado com personagens reais (GUILLÉN, 1997). Esta última produção teve, ainda, segundo Lucena Jr. (2001), uma seqüência desenvolvida por Walt Disney e Salvador Dali. No entanto, desgostosos com os resultados, não a incluíram na animação. Disney valeu-se integralmente da qualidade artística do estilo UPA na criação de Toot, Whistle, Plunk and Boom (1953), marcada por traços angulares, pela sofisticação gráfica e pela intenção da tridimensionalidade. Esta produção foi vencedora do Oscar daquele ano.

A grande popularidade da televisão (1940-1950) continuou desafiando a animação. A proposta e os interesses alavancados por esta tecnologia estimularam diferentes formatos, motivados pela necessidade em atender a uma demanda crescente. O estilo UPA serviu às necessidades da televisão, permitindo produções de baixo custo. No entanto, derivações deste traçado, marcado pela simplificação, interferiam na qualidade das animações, refletindo- se negativamente no conceito UPA. O maior receptor destas produções foi o público infantil, fato que contribuiu para o reconhecimento da televisão pela nomenclatura babá eletrônica, visto o grande período de tempo que as crianças ficavam entregues a seus encantos. Lucena Jr. (2001) salienta que as novas produções, caracterizadas pela animação limitada, ganhavam popularidade frente às reprises dos antigos curta-metragens – Disney, MGM e Warner - caracterizados pela animação total e direcionados para o cinema. Assim, personagens, antes consagrados pelos estúdios Disney, perdiam espaço para este novo formato de animação.

Reagindo ao rumo que a animação seguia, os estúdios continuavam buscando alternativas para baratear seus custos, preservando alguns critérios de qualidade estética. Ciente da demanda televisiva, a técnica Hanna-Barbera era a mais popular e possibilitava o desenvolvimento de novas séries de animação. Tal técnica caracterizava-se pela simplificação, valendo-se de poses-chave demarcadas pelo movimento das extremidades de seus personagens. Assim, tais quadros podiam ser aproveitados em animações subseqüentes, simplificando o trabalho dos animadores, baixando os custos e favorecendo o lançamento contínuo de novas animações para a televisão, no período que se estendeu de 1950 e 1960. Zé Colméia e sua turma, Manda- Chuva, Os Flintstones e Os Jetsons de Hanna-Barbera; Scooby-Doo (1969) e A Pantera Cor-de-Rosa (1969), de Fritz Freleng (Warner) e, Charlie Brown (1965) ainda respeitavam o ideal estilístico UPA. Contudo, se estas animações caracterizavam-se pela intenção de qualidade e sofisticação, não foi este o caráter que ficou impresso para o público, mas, contrariamente, a marca deste período ficou sinalizada por uma animação em que a baixa qualidade dos movimentos predominou (LUCENA JR, 2001).

Mesmo que em menor proporção, Disney continuou investindo no cinema de animação, inovando e aprimorando os efeitos expressivos, buscando atender, sempre, sua proposta de dar efeito de vida a seus personagens (THOMAS, 1997). Na década de 1960, Disney começava a perder a inabalável soberania para outros estúdios direcionados para a televisão. Persistente, continuou investindo no desenvolvimento de pesquisas na área, produzindo outros longa-metragens, ainda que em menor escala.

Guillén (1997) apresenta, em sua obra, a cronologia das animações dos Estúdios Disney, destacando o ano de 1989 como aquele que marcou a retomada do gênero de animação pelos estúdios. Tal êxito foi conquistado com o longa-metragem A pequena sereia, através do qual apresentou-se ao público Ariel, personagem comparada analogamente a Aladim – a versão feminina deste personagem. No entanto, o ápice do renascimento Disney, também conhecida como a Era de Ouro, firmou-se com o lançamento de A bela e a fera (1991), filmografia que deu um importante passo na direção da

animação 3D, além de ser primeiro filme a ser indicado ao Oscar na categoria de Melhor Filme. A bela e a fera conquistou o Globo de Ouro de melhor comédia musical e de melhor canção. Baseada no clássico de Madame Leprince de Beaumont, esta película combinou a técnica clássica das animações Disney com as mais modernas conquistas da tecnologia digital existentes na época. A bela e a fera reuniu, no mesmo clássico, romantismo e comicidade, o que dava um novo tom à animação.

Na seqüência, grandes sucessos foram lançados, mas O Rei Leão (1994), envolto por um conteúdo denso, elevou a beleza estética e a emoção. Esta animação ganhou visualidade, após quatro anos de trabalho intenso. Seus personagens, cuidadosamente caracterizados, conseguiram expressar aquilo que Disney sempre ambicionou em suas produções, a ilusão de vida. Novamente, as técnicas tradicionais combinavam-se com aquelas advindas da tecnologia digital. A repercussão positiva desta produção fomentou um importante campo de investimentos, suscitando o surgimento de novas produções, marcadas pela precisão técnica e inserção massiva da técnologia digital. Sua bilheteria evidenciou uma nova tendência na animação, agora, reconhecida pelo público adulto. Atentos a esta nova fatia do mercado, estúdios como a Fox e Warner Brothers abriram seus departamentos de animação. Rapidamente, diversos filmes animados vieram a lotar salas de cinema, mas poucos alcançaram sucesso de crítica.

Envolvidos por temas clássicos e por propostas de vanguarda, os Estúdios Disney continuaram se preocupando com inovações e originalidade técnicas, sem que, com isso, descuidassem de seus conceitos artísticos. Toy Story (1995), uniu a precisão técnica aos paradigmas estéticos Disney, valendo-se para tanto, da tecnologia de animação desenvolvida pela Pixar. Esta produção representou um marco na animação mundial, sendo a primeira produção do gênero totalmente digitalizada (GUILLÉN, 1997). Na seqüência desta animação, novas e sucessivas produções foram sendo desenvolvidas e lançadas, recheadas pelas crescentes possibilidades digitais.

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