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NOVOS FUTUROS PARA A RIA DE AVEIRO Júlio Pedrosa de Jesus

A Ria de Aveiro é um espaço excecional no território portu- guês em que, ao longo de séculos, ancoraram modos de vida muito diversos em comunidades humanas que aqui chega- ram de variadas origens. A Universidade de Aveiro terá sido o catalisador da formação de uma dessas comunidades mais recentes e esteve na origem desta meritória iniciativa, que teve o seu foco nessa cidade, que a Ria de Aveiro é. Propõem- me que contribua para ajudar a estruturar caminhos de futu- ro e vou ver se não gero excessiva desilusão.

As sessões das “Quintas da Ria” terão visitado dimensões vá- rias da vida da Ria, vida humana e outras vidas que povoam o ecossistema especial que aqui temos. Olhou-se, ainda, a cos- ta e outros elementos críticos, que têm que estar sempre pre- sentes quando se quer estimular “contributos para a valoriza- ção e proteção da Ria de Aveiro”. Os temas destas conversas e a página dedicada à iniciativa uariadeaveiro evidenciam que o foco dos encontros “Quintas da Ria” tem estado na ria como ecossistema, nas vidas que se alimentam da água e dos seres que nela vivem, no que nessa água existe sem se ver, o sal, em atividades económicas como a pesca, os transportes maríti- mos, o turismo ou a gastronomia, que se alimentam, em grande medida, dos mesmos recursos, nos riscos e ameaças ao ecossistema. A Ria foi, assim, uma temática de encontros que interessaram e envolveram representantes de institui- ções e de associações, investigadores e especialistas de com- petências reconhecidas, cidadãos interessados por cuidar da Ria e do seu espaço envolvente. Os promotores das Quintas da Ria devem ser louvados pela iniciativa e merecem o nosso reconhecimento pelo que conseguiram.

Entendi que o contributo que me foi solicitado devia trazer reflexões sobre estratégias para o desenvolvimento desta re-

gião com um envolvimento da Universidade de Aveiro. Neste contexto, vejo a Ria de Aveiro como uma mesa de trabalho cooperativo, onde se sentam parceiros interessados em cons- truir futuros para este território e para as pessoas que nele vivem. Uma Universidade é um ente autónomo, livre de inte- resses particulares, independente de credos religiosos e polí- ticos, que tem como missão central criar conhecimento cien- tífico, aprofundar a compreensão de saber existente, desenvolvê-los e proporcionar condições para o seu uso na educação e formação superior das pessoas, tendo sempre como fim último o desenvolvimento humano (económico, so- cial, cultural). Deve ser sempre, por isso, um parceiro empe- nhado e compreendido na sua singularidade. Quem são en- tão os outros parceiros a considerar numa reflexão sobre o futuro? Serão, certamente, os cidadãos interessados e os atores institucionais (políticos, culturais, económicos, sociais …).

A Ria de Aveiro, na minha interpretação, é um espaço espe- cial, que vem do mar e chega às faldas do Caramulo e do Buçaco. As gentes que habitam este espaço têm demonstra- do enorme capacidade de criar riqueza através de atividades económicas nos mais variados domínios: agricultura, pescas, indústrias, serviços. A história da relação da Universidade com a sua envolvente é muito interessante: à desconfiança inicial sobre a viabilidade de um tal projeto, sucedeu uma re- lação de cooperação regular, alimentada por uma crescente confiança, traduzida na expressão a nossa universidade, que passámos a ouvir dita por múltiplos interlocutores.

Foi-nos proposto que a conversa de hoje tenha o seu foco no futuro. Será, a meu ver, oportuno lembrar que o futuro tem os seus inimigos (Daniel Innerarity, O Futuro e os seus

Inimigos, Teorema, 2011, p. 8-9). Diz-nos Innenarity: As sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro … porque todo o sistema político, e a cultura em geral, se debruça sobre o presente imediato e porque o nosso rela-

182 cionamento com o nosso futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. O que pensa-

mos nós desta avaliação do que são as sociedades democrá- ticas? Terão estas considerações alguma coisa a ver com o que estamos a viver, aqui, em Portugal? O nosso relaciona-

mento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto … Deve ou não sê-lo? Será o nosso relacionamento

com o futuro coletivo, também, de precaução e improvisa-

ção? O que estamos habituados a fazer, aquilo que educa o

nosso ser é, a meu ver, o oposto disto. Por isso, também aqui, no nosso País, nos locais onde vivemos, convivemos, trabalhamos, todos os dias vemos que está instalada a “crise

da ideia de progresso”.

A mesa de trabalho que lhes proponho é, antes de tudo, uma escola de cidadania ativa. De edificação de relações e modos de trabalho em que se reconheça que, sendo aquele o nosso ponto de partida, queremos aprender a sair dele para um futuro alimentado por outras crenças e modos de agir. E quem são então os parceiros imprescindíveis a sentar nesta mesa, para desenhar cooperativamente um caminho de construção de futuros? A Universidade, as autarquias, as empresas, os atores sociais e culturais, com os cidadãos interessados, os especialistas que possam proporcionar co- nhecimento e experiência relevantes, partilhando e alimen- tando a sua ação com os valores que elegemos para estruturar a democracia em Portugal: a dignidade humana, a justiça, a liberdade e a solidariedade.

Se uma Universidade for uma sede de criação livre de saber, de interrogação autónoma, de busca de resposta a pergun- tas para que se não vislumbram saídas, então a Universidade de Aveiro tem que continuar a ser um parceiro empenhado em pensar e construir o nosso futuro, aqui, na Ria de Aveiro.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA RIA