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VULNERABILIDADE E RISCOS NA ZONA LITORAL DE AVEIRO

3. Resultados e discussão

Do conjunto de geoindicadores atrás referidos, apresen- tam-se os resultados relativos a algumas subcategorias, consideradas mais relevantes nas transformações morfoló- gicas do domínio externo da barreira de Aveiro.

A análise comparativa de fotografias aéreas e de dados obtidos em campo demonstram que toda a zona tem vindo a sofrer, desde 1958, um recuo da linha de costa (Figura 1). A norte, entre Maceda e Furadouro, a perda de área flores- tada é constante desde há várias décadas, resultado de um significativo recuo da linha de costa (Figura 1.A). Apesar de não haver frentes urbanas, a proximidade do aterro sanitá- rio de Cortegaça põe em causa a integridade física do

mesmo, num futuro próximo. As taxas observadas são cerca de -5,3 m/ano até ao início do núcleo urbano do Furadouro.

Figura 2. Taxas médias de recuo da linha de costa entre a Costa Nova e a Praia de Mira em diferentes períodos

A proteção das frentes urbanas do Furadouro e da Torreira, por esporões e enrocamentos, induziu uma expansão urba- na crescente na última década. No período entre 2006 e 2010, o recuo da linha de costa é relativamente moderado com valores médios inferiores a -1 m/ano, enquanto entre 1958 e 2010, são de -2 m/ano o que se traduz numa perda total de 107 m. O setor Torreira – S. Jacinto tem tido um comportamento estável, beneficiando da acumulação de sedimentos, provenientes da erosão dos setores a N, e in- duzida pelo molhe norte que protege a entrada à laguna. Em termos médios a linha de costa experimentou uma acreção de cerca de +4,2 m/ano.

O trecho Barra – Vagueira é fortemente influenciado pelos molhes que protegem a entrada da laguna e as atividades relacionadas com a área portuária (Figura 1.B). As sucessi- vas intervenções (esporões e enrocamentos), determina-

das pela localização das frentes urbanas, foram completa- das, na última década, com obras ligeiras das quais são exemplo os diques arenosos que substituíram o antigo cor- dão dunar frontal. No setor Barra - Costa Nova, entre 2006- 2010, a taxa média de erosão foi pouco significativa, -0,25 m/ano, embora pontualmente se tenham observado recu- os assinaláveis, tendência que se tem vindo a agudizar des- de o temporal de outubro de 2011. Quando analisada a tendência a longo prazo, de 1958 a 2010, observa-se um recuo médio de -3,6 m/ano (Figura 1.B).

No troço entre a Costa Nova e a Vagueira a taxa média, en- tre 1958 e 2010, foi de -5,2 m/ano, embora tenha vindo a mostrar um decréscimo deste valor quando se consideram períodos menores (Figuras 1 e 2). Os processos erosivos que se fazem sentir entre a Vagueira e a Praia de Mira tem vindo a assumir contornos preocupantes, tendo o cordão dunar frontal, apenas preservado a barlamar dos esporões sido substituído por diques arenosos. As taxas de recuo mé- dio entre a Vagueira e o Areão mostram tendências contrá- rias nos períodos estudados; no mais dilatado, 1958-2010, as taxas mostram erosão, com um valor médio de -3 m/ano mas, quando analisado o período de 2010 a 2013 observa- -se uma redução deste valor, devido a processos de acreção (+1,5 m/ano), em particular na zona central (Figuras 1 e 2). Entre as praias do Areão e do Poço da Cruz, o maior recuo regista-se, após a conclusão do esporão do Areão (2004), para lá da zona de sombra até à parte central do troço (Figura 1).

Entre o Poço da Cruz e a Praia de Mira, o recuo médio apre- senta um valor residual de -0,3 m/ano, embora se tenha acentuado a partir de 2006. Para o trecho mais extenso, Areão-Praia de Mira, tem-se registado um aumento cres- cente das taxas de erosão desde 2010, passando de uma situação de acreção, entre 1958-1970, para valores de recuo próximo aos 4 m/ano a partir de 2010 (Figura 2).

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Figura 3. Evolução da barreira entre a Barra e a Praia de Mira, de 1958 a 2010; a fotografia aérea da zona Vagueira - Labrego refere-se à comparação da largura da praia, em baixa-mar,

entre os anos de 2002, 2010 e 2013

Figura 4. Variação da área total e largura média da barreira entre 1958 e 2010; variação da super- fície dos núcleos urbanos para o mesmo período

(Bernardes e Baptista, 2011)

O recuo da linha de costa induz uma diminuição da área e da largura médias da barreira arenosa. Contudo, os valo- res observados não são uniformes e, em particular, ao lon- go dos cerca de 21 Km do setor exemplificado nas figuras 3 e 4.

As diferenças mais significativas verificam-se entre a Costa Nova e o Poço da Cruz, ponto a partir do qual essa diferença diminui, de forma gradual, até à Praia de Mira. As zonas com maior ocupação urbana apresentam, desde 1970, larguras médias quase constantes, devido à fixação do limite externo da barreira, em particular junto à Barra,

Costa Nova e Vagueira, após o forte recuo observado entre 1958 e 1970.

A zona da Barra é a que mostra, até 2012, um comporta- mento mais robusto devido às medidas compostas de rea- bilitação (obras de defesa, realimentação artificial da praia e recuperação dunar) levadas a cabo nas últimas décadas. A comparação dos dados evidenciou o restabelecimento de características morfológicas do sistema praia – duna, que se traduziu no aumento da largura da barreira. No entanto, convém frisar que estes dados não incorporam as profun- das alterações verificadas no inverno de 2014, em que toda

a zona foi seriamente afetada por processos erosivos que alteraram profundamente as características do troço Barra- Costa Nova.

As áreas localizadas a sul da Costa Nova e da Vagueira têm sofrido uma diminuição contínua da área, traduzida numa redução na largura média da barreira e da praia emersa ad- jacente, exceto nas zonas imediatamente a barlamar dos esporões, como é expectável (Figuras 1 e 3). Apesar da ten- dência na redução da superfície útil da barreira, verificou- -se não só um aumento das áreas urbanas da Barra, Costa Nova, Vagueira e Praia de Mira, como, também, um incre- mento na densidade de ocupação/construção.

Situações extremas de estreitamento da barreira são obser- vadas a sul da Costa Nova e da Vagueira onde as zonas for- temente afetadas pela erosão mostram uma diminuição na largura da ordem dos 240 m. É nestes locais que se têm re- gistado episódios históricos e recentes de rutura completa da barreira, associados a galgamentos oceânicos, e que le- varam à abertura de canais ainda que apenas ativos duran- te os períodos de preia-mar, como o observado em finais de outubro de 2011 (Figura 5). A abertura de alguns destes canais foi facilitada pela presença de valas de escoamento, caminhos e antigos campos agrícolas, situados muitas ve- zes a cotas inferiores às registadas na praia emersa adjacente.

Os processos erosivos e os galgamentos oceânicos sobre o dique arenoso ou duna frontal, ainda quando existente, traduzem-se não só no recuo da linha de costa mas, tam- bém, no rebaixamento da cota média e no avanço do es- praio das ondas em direção à zona interna da barreira. Entre a Barra e a Praia de Mira, as dunas frontais exibiam cotas médias da ordem dos 10 m a 12 m, as quais passavam a zonas internas mais aplanadas com cotas variáveis entre os 2 m (zonas interdunares) e os 6 m (dunas com morfolo-

Figura 5. Localização de canais de maré, históricos e recentes, na sequência de galgamentos oceânicos induzidos

por eventos de temporal

gias pouco definidas). Desde 2005, os diques arenosos têm vindo a substituir o cordão dunar, os quais não atingem a cota dos antigos edifícios dunares.

No que se refere à vulnerabilidade e risco, entre a Barra e a Praia de Mira, foram identificados três níveis de perigo/ risco que abrangem várias situações (Figura 6). Embora te- nham sido previamente apresentados os resultados de al- guns geoindicadores, o presente gráfico resulta da integração de todas as categorias e subcategorias referidas no ponto 2.

150 e desprovidas de cordão dunar frontal (Vagueira e zona Norte da Costa Nova); b) locais onde a duna frontal foi completamente substituída por diques arenosos afetados pela erosão, devido à reduzida largura das praias, aumen- tando a probabilidade de galgamentos (zona a sul da Vagueira); c) zonas onde a formação de novos eixos de co- municação entre o mar e a laguna é mais provável devido à ocorrência histórica e à presença de estruturas perpen- diculares (caminhos, valas ou pequenos canais de maré) (zonas a sul da Costa Nova e da Vagueira). Risco elevado: a) áreas urbanas protegidas pelo cordão dunar estabiliza- do por obras aderentes (esporões) (Barra e zona a sul da Costa Nova); b) zonas localizadas a sotamar de esporões onde a duna se encontra muito danificada ou parcialmen- te substituída por diques arenosos e a probabilidade de formação de canais de maré é moderada (trecho entre o Areão e a zona a norte da Praia de Mira). Risco moderado: a) áreas urbanas protegidas por obras aderentes e não

afetadas pela ação direta do mar (Praia de Mira); b) troços onde a erosão de longo prazo é baixa a moderada (zona entre molhes da entrada da Barra e a sul da Praia de Mira).

4. Conclusões

O recuo da linha de costa tem desempenhado um papel decisivo no estreitamento da barreira de Aveiro, entre a Barra e a Praia de Mira, a que corresponde uma redução de área útil de cerca de 22%, no período de 1958 a 2010. Por outro lado, o rebaixamento topográfico, induzido pelos processos erosivos e atividades antrópicas, confere- -lhe maior vulnerabilidade aos galgamentos oceânicos. Este fenómeno é ainda favorecido pela reduzida largura das praias e ausência de obstáculos eficazes aos seus efeitos.

Apesar da tendência há muito observada nas taxas de re- cuo da linha de costa, e seus efeitos, a ocupação de áreas vulneráveis e o aumento da densidade dos núcleos urbanos da Barra, Costa Nova, Vagueira e Praia de Mira não pararam de crescer nas últimas décadas. Esta situação tem obrigado a intervenções frequentes, algumas delas com impactos muito negativos na evolução do sistema, como o caso do aumento de envergadura das obras aderentes. As interven- ções mais “ligeiras” como a realimentação das praias e os diques arenosos têm efeitos menos artificiais, proporcio- nando uma sobre-elevação local na cota da barreira, mini- mizando o impacto dos galgamentos e a potencial forma- ção de novos canais de maré; estes, como o observado em 2011 a sul da Vagueira, tendem a fechar naturalmente, mas se forem atingidos valores críticos de rebaixamento topo- gráfico e/ou largura poderá haver necessidade de recorrer a outros meios se se quiser manter as características atuais do Canal de Mira.

As matrizes de vulnerabilidade, estabelecidas a partir da identificação e hierarquização de geoindicadores, permiti- ram definir níveis de risco para a zona compreendida entre a Barra e a Praia de Mira em que: 1) 18% da área apresenta risco extremo; 2) 80% da área é considerada de risco eleva- do e identificado praticamente em todo o trecho costeiro mas com variações no grau de risco (a sul da Vagueira a tender para moderado); 3) 2% da área mostra risco mode- rado. Face aos resultados, afigura-se crítica a continuação de perda de património natural e respetivos “habitats”. O posicionamento da linha de costa, a partir da base da duna ou dique arenoso, continuará a depender de um con- junto de parâmetros cujo desenvolvimento é de grande in- certeza: i) volume de sedimentos disponível na deriva lito- ral; ii) agitação marítima, à qual se associa a dúvida quanto à evolução da intensidade e frequência dos temporais, provocadas pelas alterações no clima; iii) galgamentos oce-

ânicos, relacionados com a agitação marítima, a morfologia e robustez das praias que, por sua vez, condicionam o nível máximo de espraio das ondas; iv) elevação do nível médio do mar. Todos estes aspetos, aliados aos custos subjacentes às intervenções para a salvaguarda de bens, poderão con- duzir ao estabelecimento de opções de adaptação para as zonas de risco; isto poderá implicar a reconfiguração parcial dos perímetros urbanos - na perspetiva de proteger, aco- modar ou relocalizar - incluída numa proposta de plano de adaptação integrado e em coerência com os meios finan- ceiros disponíveis. Neste sentido, parece ser prioritário o acesso a uma carta de risco do litoral atualizada o que im- plica, também, uma base de dados homogénea e de quali- dade e uma harmonia dos critérios usados na delimitação das zonas de risco.

Referências

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RISCOS ASSOCIADOS À POLUIÇÃO