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Novos palcos para o Nordeste

No documento Os Nordestes e o teatro brasileiro (páginas 125-139)

Um Nordeste para o Brasil

3.2. Novos palcos para o Nordeste

Apresentado por Décio de Almeida Prado (2003a, p. 86) como um “carioca, nascido em Salvador”, Alfredo de Freitas Dias Gomes, um caso ímpar no teatro brasileiro, ainda segundo o autor, por ser um escritor da velha guarda, comediógrafo oficial de Procópio Ferreira na década de 1940, que acabou por se tornar um dos nomes mais ativos no processo de renovação da dramaturgia nacional, tem o Nordeste como protagonista de sua criação. À parte a Bahia, cenário de vários textos de autoria de Dias Gomes, dentre os quais O pagador de promessas é o mais destacado, apenas o Ceará, por exemplo, lhe serve de inspiração para O santo inquérito e A revolução dos beatos. Dedicado ao teatro desde os 15 anos, Dias Gomes beira os 40, quando experimenta a consagração. Com direção de Flávio Rangel, O pagador de promessas estreia em São Paulo com o elenco do Teatro Brasileiro de Comédia em 1960. Um ano depois, o texto é montado em Recife, pelo Teatro de Amadores de Pernambuco, com encenação de Graça Mello131 (1914-1979).

129 Ator, diretor e dramaturgo, Vital Florentino da Silva nasceu em Toritama, Pernambuco, e cresceu em Caruaru,

onde, ainda na adolescência, começou a escrever peças teatrais. Em 1966, foi um dos fundadores do Grupo Evolução. Após a peça Feira de Caruaru, baseada no livro Terra de Caruaru, do escritor pernambucano José Condé (1917-1971), ainda com o elenco do Teatro Experimental de Arte, participa da criação do Grupo Feira de Teatro Popular. Com a peça O auto das 7 luas de barro, escrita em 1979, ganha os prêmios Molière e da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

130 Dramaturgo e diretor, Benjamim Santos é natural de Parnaíba. Aos 18 anos, muda-se para o Recife, onde

estudou dois anos na Faculdade de Direito. Em 1961, deixou o curso para trás e, no seminário de Olinda, estudou Filosofia. Então, iniciou sua carreira no teatro como diretor e autor ao dirigir seus primeiros espetáculos. Integrou o Teatro Popular do Nordeste. Em 1969, passa a viver no Rio de Janeiro, notabilizando-se como destaca autor de teatro infantil. No ano 2000, voltou a radicar-se em sua cidade natal.

131 Ator, diretor e empresário, Octávio Alves da Graça Mello nasceu no Rio de Janeiro. Em 1941, participa da

diretoria de Os Comediantes, e até 1947 atua em diversos espetáculos. Em 1948, realiza a primeira de uma série de direções, todas voltadas para o teatro infantil. Realiza conferências sobre técnica e literatura teatral. Leciona interpretação e direção em diversas capitais e acaba por fundar o Curso de Teatro da Universidade do Recife. Também trabalhou no cinema e na televisão.

Figura 21 O ator Leonardo Vilar protagonizou a estreia de O pagador de promessas no teatro e também no cinema

Em 1962, a dramaturgia ganha uma versão no Rio de Janeiro, assinada por José Renato para o Teatro Nacional de Comédia. Colorindo ainda mais a popularidade da peça, O pagador de promessas recebe uma adaptação cinematográfica naquele mesmo ano, também protagonizada pelo ator Leonardo Vilar132, do elenco do Teatro Brasileiro de Comédia. O longa-

metragem, com direção de Anselmo Duarte133 (1920-2009), é indicado para representar o Brasil

no Festival de Cinema de Cannes134, na França, em 1962, levando o prêmio de melhor filme. Feito nunca mais repetido por uma produção brasileira.

132 Paulista de Piracicaba, ator, Leonildo Motta de nascimento, forma-se na primeira turma da Escola de Arte

Dramática (EAD) em 1948. Estreia profissionalmente em A raposa e as uvas, com direção de Bibi Ferreira, pela Companhia Dramática Nacional. Em 1954, passa a integrar o elenco do Teatro Brasileiro de Comédia.

133 Anselmo Duarte Bento, natural da cidade de Salto, interior de São Paulo, é diretor, ator e roteirista de cinema.

No início da década de 1940, após se formar em Economia, vai para o Rio de Janeiro, onde participa como figurante em It's all true, do cineasta norte-americano Orson Welles (1915-1985) e Inconfidência Mineira, de Carmem Santos (1904-1952), atriz e diretora portuguesa radicada no Brasil desde a infância. Em 1947, estreia como ator principal no filme Querida Suzana, dirigido pelo italiano Alberto Pieralisi (1911-2001). Em 1954, passa a produzir filmes populares. Em 1957, volta a São Paulo, onde inicia sua carreira como diretor, com a realização do documentário Fazendo cinema e do longa-metragem de ficção Absolutamente certo.

134 Festival internacional de cinema, criado em 1946, anualmente realizado na cidade francesa de Cannes,

Com uma trajetória de sucesso sem precedentes, O pagador de promessas, naquilo que se associa a um possível teatro do Nordeste, por ser este o berço de seu autor e de sua trama, é antecedida por contribuições mais discretas, embora tão importantes tanto para a formação de uma imagem quanto para uma dramaturgia regional. O piauiense Francisco Pereira da Silva135 (1918-1985), por exemplo, também constrói sua obra e seu Nordeste fora dos limites da região. É ele quem rouba a cena na primeira edição do Festival do Autor Novo, no Teatro Duse, em 1952. Na mesma temporada em que os pernambucanos Hermilo Borba Filho e Aristóteles Soares estreiam com severas críticas no Rio de Janeiro com as montagens de João sem terra e Terra queimada, ele é muito elogiado pelo texto de Lázaro.

Pela peça, Francisco Pereira da Silva recebeu o prêmio de autor revelação da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Chama atenção o fato de a casa de espetáculos de Paschoal Carlos Magno ser inaugurada com o que Diego Molina (2015, p. 116) classifica por “trilogia nordestina”, programa reunindo a encenação de textos escritos por nordestinos e cujas ações se desenvolvem no Nordeste. O recorte acaba provocando comparações entre os autores. A ponto de, passadas as apresentações de João sem terra e Terra queimada, conforme registra Molina (2015, p. 120), Martim Gonçalves136 (1919-1973), pernambucano então radicado no Rio de Janeiro, em artigo publicado na edição de 9 de novembro de 1952 do carioca O Jornal, reclamar: “Os autores nordestinos andam a procura de uma fórmula, de um estilo”.

A “trilogia nordestina” com a qual o Teatro Duse iniciou suas atividades torna-se ainda mais emblemática se consideradas: 1. A participação direta de Paschoal Carlos Magno na temporada, justamente ele, quem primeiro atesta a existência de um “teatro do Nordeste”, sendo, inclusive, apontado como o autor da expressão; 2. A presença de outros dois autores

135 Dramaturgo, nascido na cidade de Campo Maior, muda-se para o Rio de Janeiro em 1942, depois de temporadas

em Teresina e São Luís do Maranhão. Sua primeira peça montada é Lázaro, lançada pelo Teatro Duse, com direção de Pernambuco de Oliveira (1922-1983), pernambucano radicado no Rio de Janeiro. Em 1956, tem sua primeira montagem em esquema de produção profissional, adaptando o romance Memórias de um sargento de milícias, para o Teatro Nacional de Comédia. Em 1960, o Teatro dos Sete, no auge da sua fase inicial, monta Cristo

Proclamado, de sua autoria, pungente texto sobre a miséria nordestina, com direção de Gianni Ratto. O público

rejeita a peça, que sai de cartaz após 15 dias a estreia. É, então, que inicia parceria com Teatro Jovem, escrevendo para o grupo Chapéu de sebo, em 1962, O vaso suspirado e A nova Helena, em 1963, e O chão dos penitentes, em 1965. O ciclo do Teatro Jovem contribui para tornar a sua dramaturgia mais conhecida. Embora tendo passado toda a sua vida adulta no Rio de Janeiro, permaneceu fiel, na sua temática, às suas raízes nordestinas. Grande parte da sua obra aborda personagens, cenários, mitos e tradições do Nordeste.

136 Natural de Recife, Eros Martim Gonçalves, pintor, desenhista, cenógrafo, diretor e professor de teatro, abandona

a medicina pelas artes em 1942, quando passa a viver no Rio de Janeiro. Aos 25 anos, Martim faz sua estreia como cenógrafo e figurinista com Bodas de Sangue, de Federico García Lorca, da Companhia Dulcina-Odilon, em 1944, mesmo ano em que embarca para a Inglaterra, onde se especializa. Em 1949, cumpre nova temporada de estudos na Europa. Depois de colaborar com diferentes grupos, assinando a cenografia, funda, com Maria Clara Machado, O Tablado, em 1951. Em 1955, aceita o convite do então reitor Edgard Santos (1894-1962) e funda a Escola de Teatro da Universidade da Bahia, tendo sido seu primeiro diretor. Quando volta ao Rio de Janeiro, em 1962, passa a se dedicar inteira e exclusivamente à direção teatral. Funda o Teatro Novo com o objetivo de montar autores de vanguarda, polêmicos e inovadores.

nordestinos, entre os oito selecionados para a etapa inaugural do Festival do Autor Novo. Panorama que autoriza que se conclua que Paschoal Carlos Magno, a quem coube a direção de Terra queimada, compreendia o teatro do Nordeste mais como uma poética e menos como uma prática localizada. Enquanto Hermilo Borba Filho e Aristóteles Soares tinham, então, uma atuação regular em Recife, Francisco Pereira da Silva, por exemplo, estava já radicado no Rio de Janeiro e não carregava na sua biografia um passado teatral no Piauí ou no Maranhão, onde havia vivido anteriormente. Juntos, no entanto, abarcavam a ideia de um teatro nordestino.

O que já não é possível de ser associado ao teatro do cearense Geraldo Markan137 (1929-

2001) e do maranhense Aldo Calvet138 (1911-1993), que apresentaram, respectivamente, Deborah e o capataz e Casa de ninguém, na estreia do Duse. Muito embora, os dois, morando àquela altura no Rio de Janeiro, diferente de Francisco Pereira da Silva, tivessem produzido ali e em suas cidades de origem. De onde se apreende que não basta viver ou ser do Nordeste para, no campo da dramaturgia, compor o “teatro do Nordeste”. Sim, era importante o vínculo natal do autor. Mais decisivo, porém, era a presença do Nordeste no plano das estruturas narrativas, quer em temas, quer em tipos.

Em 1954, a terceira temporada do Festival do Autor Novo, põe o Nordeste em evidência mais uma vez. Então, o Duse encena Lampião, primeiro texto teatral da cearense Rachel de Queiroz. Já escritora premiada, tendo publicado os romances O Quinze, de 1930, João Miguel, de 1932, Caminho de pedras, de 1937, As três Marias, de 1939, quando passa a viver definitivamente no Rio de Janeiro, onde já havia morado com a família quando criança, Rachel de Queiroz experimenta a dramaturgia.

Em sua primeira peça, ela explora exatamente o mesmo ambiente duro e hostil que havia sido cenário de seu primeiro romance. Lampião, no entanto, avalia Sábato Magaldi (2001, p. 262), se configura menos como uma narrativa sobre o cangaço e mais como um drama de amor: todo o desenvolvimento da peça nasce da premissa da paixão entre Lampião e Maria Bonita.

137 Escritor, ator e dramaturgo, Geraldo Markan Ferreira Gomes nasce em Fortaleza. Estreia no teatro em 1947, no

Rio de Janeiro, onde passou a viver ainda criança com a família. Dirigido pelo sul mato-grossense Jacy Campos (1909-1987), participou das peças infantis O casaco encantado, da escritora paulista Lúcia Benedetti (1914-1998), e O coelhinho da sorte, de autoria de Campos. O menino cresceu na antiga Capital Federal. Voltou a Fortaleza, concluiu o ensino médio e entrou para a faculdade de Direito, em 1950. Em 1952, mesmo ano em que é selecionado para o Festival do Autor Novo com seu primeiro texto teatral, transferiu-se novamente para o Rio de Janeiro, onde finaliza o ensino superior. Em Fortaleza, como ator, participa do grupo Teatro Universitário do Ceará, integrando o elenco de montagens que introduziram a encenação moderna no panorama cearense.

138 Natural de São Luis, Aldo Calvet inicia-se no teatro em grupos amadores na capital maranhense ainda na década

de 1920 e logo passa a colaborar com companhias itinerantes, que circulavam pelo Norte e Nordeste do país. Estreia como dramaturgo em 1934, com a comédia Silêncio, apresentada no Theatro Artur Azevedo. A partir de 1938, passa a atuar também como crítico de espetáculos. No ano seguinte, transfere-se para o Rio de Janeiro, onde mantém atividade teatral regular. Em 1951, é nomeado pelo presidente Getúlio Vargas diretor do Serviço Nacional de Teatro, permanecendo no cargo até 1954.

Diante disso, a contribuição da escritora ao teatro, para ele, marcou-se, sobretudo, no plano da linguagem, no apuro estilístico, ficando aquém de suas qualidades literárias. Em muito, porque, acredita Magaldi, a lenda, o mito, o perfil heroico dos personagens reais, tenham se rebelado contra o trabalho de ficção.

Lampião não chega a ser propriamente um sucesso no Rio de Janeiro, embora ganhe duas encenações quase que simultaneamente, no Duse e no Theatro Municipal, pelo elenco da Companhia Dramática Nacional, sendo melhor recebida em Fortaleza, no Ceará, onde, de fato, estreia, em janeiro de 1954, em montagem do Teatro Experimental de Arte. Também em São Paulo, naquele mesmo ano, o texto tem boa repercussão, em encenação da Companhia Nydia Lícia-Sérgio Cardoso, tendo garantido à cearense o Prêmio Saci, de O Estado de São Paulo.

A beata Maria do Egito, segunda e última experiência de Rachel de Queiroz em dramaturgia, não fez boa carreira, apesar de ter sido levada aos palcos, em 1959, mais uma vez pela Companhia Dramática Nacional, no Rio de Janeiro, com a atriz Glauce Rocha, então em ótima fase, no papel título. A beata Maria do Egito recorre à mesma moldura de Lampião para tratar o conflito. Agora, Rachel fala de fé no universo nordestino. A escritora tem como ponto de partida a história da Santa Maria Egipcíaca, que viveu no século V d.C., mas apresenta sua Maria do Egito como uma nordestina, devota de Padre Cícero Romão Batista139 (1844-1934). Dois anos depois, A beata Maria do Egito teve ainda uma encenação em São Paulo pelo elenco do Teatro Popular do SESI, que também não chega a empolgar o público e a crítica.

Cláudia Braga (2007, p. 136) recupera texto assinado em 1959 por Bárbara Heliodora para o Jornal do Brasil no qual a crítica aponta um aspecto curioso acerca da encenação de A beata Maria do Egito. Bárbara Heliodora questiona o porquê de Rachel de Queiroz ter determinado que o sotaque nordestino não fosse usado pelo elenco então dirigido no Rio de

139 Cearense nascido no Crato, filho de um pequeno comerciante, Cícero Romão Batista, órfão ainda adolescente,

ingressa no tradicional Seminário da Prainha, em Fortaleza, em 1865. Ordenado padre cinco anos mais tarde, retorna ao seu município de origem, enquanto aguarda a paróquia que iria assumir. Em 1871, visitou pela primeira vez o povoado, ainda pertencente ao Crato, onde fundaria Juazeiro do Norte. Tocado pelo ardente desejo de conquistar o povo que lhe fora confiado por Deus, desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregação, visitas domiciliares, como nunca se tinha visto na região. Rapidamente, ganhou a simpatia dos habitantes, passando a exercer grande liderança na comunidade. Juazeiro cresce, torna-se local de peregrinação. No ano de 1889, durante uma missa celebrada por Padre Cícero, acontece o suposto milagre, em que uma hóstia se converte em sangue na boca da beata Maria de Araújo (1862-1914), artesã nascida em Juazeiro, que, por ser órfã, vivia sob responsabilidade do religioso. A pedido de Padre Cícero a diocese formou uma comissão de padres e profissionais da área da saúde para investigar o suposto milagre. Em 1891, a comissão encerrou as pesquisas e chegou à conclusão de que não havia explicação natural para os fatos ocorridos, sendo, portanto, um milagre. Insatisfeito com o parecer da comissão, o bispo Dom Joaquim José Vieira nomeou uma nova comissão para investigar o caso. A segunda comissão concluiu que não houve milagre. Dom Joaquim se posicionou favorável ao segundo parecer e, com base nele, suspendeu as ordens sacerdotais de Padre Cícero. Afastado da Igreja, faz carreira política. É o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o povoado passa à cidade.

Janeiro por José Maria Monteiro. Para ela, a recomendação da cearense denunciava o fato de, até aquele momento, ainda não ter sido encontrada uma “interpretação brasileira”, de tal modo que os atores do “teatro nacional”, diante da necessidade da inflexão regional, via de regra, demonstravam não ter habilidade suficiente para fugir do simplório, do risível.

Embora a dramaturgia situe a trama numa pequena cidade do Nordeste brasileiro, faça referências diretas a Padre Cícero e chegue ao ponto detalhar a caracterização de alguns personagens aos modos do cotidiano do Ceará por volta do ano de 1913, Bárbara Heliodora atesta a pertinência da preocupação da autora em ver seus personagens nordestinos falando em cena um nordestino de forma caricatural. “Sua peça nunca seria levada a sério”, afirma. Como contraponto, ela retoma a passagem de o Auto da Compadecida, do Teatro Adolescente do Recife, pelos palcos cariocas.

O espetáculo, de Clênio Wanderley a partir do texto de Ariano Suassuna, em sua avaliação, expunha um Nordeste com uma autenticidade nunca mais atingida por outras produções. Talvez, fosse esse um dos motivos para que Altimar Pimentel (1969, p. 68), ao observar a relação entre o teatro e o Nordeste, situasse a dramaturgia de Rachel de Queiroz mais como um “teatro sobre o Nordeste” e menos como um “teatro nordestino”. Hermilo Borba Filho (1968, p. 133) também dizia que o “teatro do Nordeste”, descrito por ele como uma revolução, pregava uma representação que permitisse ao público o encontro com os seus pensamentos e desejos, e, não, a impressão de que estava diante de uma cópia ou de uma caricatura da vida.

De todo modo, não é possível assegurar o Nordeste como exclusividade dos nordestinos. No correr da década de 1960, vários movimentos, dentro e fora da região, vão se revelar decisivos para fortalecer, garantindo visibilidade, o conjunto de seus valores culturais. Em São Paulo, Gianfrancesco Guarnieri, italiano naturalizado brasileiro, por exemplo, vai ambientar no Nordeste a trama de O filho do cão. A peça, encenada pelo Teatro de Arena com direção do gaúcho Paulo José140, explorava os mitos regionais como alternativa para uma exposição realista da miséria em que vivia a população brasileira. Na sequência, o grupo monta o show Arena canta Bahia, musical que reunia expoentes da nova geração da música baiana. No elenco, destaque para a cantora Maria Bethânia, então já bastante elogiada devido sua participação, substituindo Nara Leão, no show Opinião, também assinado por Augusto Boal.

140 Ator e diretor, Paulo José Gómez de Souza nasce em Lavras do Sul, Rio Grande do Sul, em 1937. Inicia-se no

teatro em grupos amadores de Porto Alegre. Em 1958, estreia como diretor, assinando Rondó 58, espetáculo de poemas dramatizados. Em 1961, muda-se para São Paulo e passa a integrar o Teatro de Arena, grupo no qual participa de diferentes montagens. Com o fim do Teatro de Arena, passa a trabalhar mais intensamente no cinema e na televisão.

Não que a Bahia, naquele momento, fosse Nordeste. A incorporação efetiva do Estado à nova região só se dá oficialmente na década seguinte. Entretanto, é curioso que, quase ao mesmo tempo, a italiana Lina Bo Bardi141 (1914-1992), então radicada em Salvador, estivesse inaugurando o Museu de Arte Popular do Solar do Unhão, na capital baiana, com uma exposição batizada por Nordeste. Na sua análise da produção nordestina, Lina já considera como tal as contribuições que mapeou a partir da Bahia, como, por exemplo, as carrancas do Rio São Francisco. Do apurado de objetos cotidianos, ela observou:

O reexame da história recente do país se impõe. O balanço da civilização brasileira “popular” é necessário, mesmo se pobre à luz da alta cultura. Este balanço não é o balanço do folklore (sic), sempre paternalisticamente amparado pela cultura elevada, é o balanço “visto do outro lado”, o balanço participante. É o Aleijadinho e a cultura brasileira antes da Missão Francesa. É o Nordestino (sic) do couro e das latas vazias, é o habitante das vilas, é o negro e o índio. Uma massa que inventa, que traz uma contribuição indigesta, seca, dura de digerir. Esta urgência, este não poder esperar mais, é a base real do trabalho do artista brasileiro, uma realidade que não precisa de estímulos artificiais, uma fartura cultural ao alcance das mãos, uma riqueza antropológica única, com acontecimentos históricos trágicos e fundamentais. (BO BARDI apud LEONELLI, 2011, p. 67-8)

Raimundo Matos de Leão (2006, p. 132) compreende a mostra de 1963 como um desdobramento de um trabalho anterior de Lina Bo Bardi em Salvador. Ao lado do pernambucano Martim Gonçalves, idealizador e primeiro diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, fundada em 1956, ela estruturou a organização do material selecionado para compor o Pavilhão da Bahia, na V Bienal de São Paulo, em 1959. Para esta primeira mostra, Gonçalves angariou um conjunto capaz de expressar a visualidade plástica da cultura baiana, incluindo aí desde fotografias do francês Pierre Verger142 (1902-1996) a objetos e

vestimentas das mães de santo e dos rituais de culto aos orixás. Na sua criação teatral, destaca

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