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O protagonismo da Compadecida

No documento Os Nordestes e o teatro brasileiro (páginas 80-89)

Um Nordeste para o Brasil

2.1. O protagonismo da Compadecida

Com a passagem de o Auto da Compadecida pelo primeiro Festival de Amadores Nacionais, promovido por Paschoal Carlos Magno, é estabelecido um novo paradigma ao chamado teatro nordestino. É, pelo episódio de 1957, por exemplo, que Nélson de Araújo (1991, p. 374) começa a narrar sua história do teatro no Nordeste. “Uma elaboração de autêntica matéria regional”,

como define Araújo, a peça de Ariano Suassuna, segundo ele, demarca a contribuição do Nordeste ao teatro brasileiro contemporâneo. Com a ida do espetáculo do Teatro Adolescente do Recife ao Rio de Janeiro, havia claramente sido vencido um limite territorial. Aquele teatro deixava de ser uma prática exclusiva do Recife, ao mesmo tempo em que projetava definitivamente o movimento teatral pernambucano. Como recorda a atriz Socorro Rapôso64,

em entrevista a Leidson Ferraz (2007, p. 27), o Auto da Compadecida era uma experiência do tipo “daqui (do Recife) para o mundo inteiro”. No que diz respeito à visibilidade e à legitimidade da produção teatral nordestina, a peça não tardou a se configurar como um marco. O Auto da Compadecida coroa boa parte das ideias instauradas pelo Teatro do Estudante de Pernambuco na década de 1940. Prova disso é que, apesar de todos os elogios conferidos à encenação propriamente dita, o que sobressai é o texto em si e, consequentemente, a dramaturgia de Ariano Suassuna. Mais que a cena, o propósito de valorização do autor e dos temas nordestinos acaba se impondo. Muito embora Clênio Wanderley saia consagrado do Rio de Janeiro – além do primeiro lugar por o Auto da Compadecida, ele também ficou com o prêmio de segundo colocado, pela direção de A grande estiagem, do pernambucano Isaac Gondim Filho (1925-2003), para a Federação Baiana dos Teatros de Amadores – é Ariano Suassuna e sua obra que ocupa o lugar de destaque. O Auto da Compadecida dá a Ariano Suassuna a dimensão nacional que, até então, ele e sua obra não envergavam.

Ariano faz um estrondoso sucesso como autor de teatro a partir de 1957, escrevendo num ritmo acelerado e sendo encenado por grupos importantes em São Paulo e no Rio de Janeiro. Já no ano seguinte, a Companhia Nydia Lícia-Sérgio Cardoso leva aos palcos paulistas O casamento suspeitoso. Italiana radicada no Brasil, intérprete de destaque na primeira fase do Teatro Brasileiro de Comédia65 (TBC), Nydia Lícia (1926-2015) e o paraense Sérgio Cardoso (1925-1972), figura de grande projeção nos movimentos teatrais encabeçados por Paschoal Carlos Magno ao longo da década de 1940, abrem sua própria sala de espetáculos em 1956, apostando no desenvolvimento de projetos mais ousados. Nesse contexto, estreiam O casamento suspeitoso, no esteio do impacto dos espetáculos Chá e simpatia, bastante premiado

64 Atriz e produtora, Socorro Rapôso nasceu na cidade de Sousa, na Paraíba, em 1931. Ainda criança, já vivendo

no município de Pesqueira, interior de Pernambuco, inicia-se no teatro. Em Olinda, faz carreira como atriz no rádio. Formada em Odontologia pela Universidade Federal de Pernambuco, aproxima-se ali do colega Clênio Wanderley, que a convida de última hora para compor o elenco da primeira montagem de o Auto da Compadecida. Estreia profissionalmente no teatro no papel título do texto de Ariano Suassuna encenado pelo Teatro Adolescente de Pernambuco em 1956. Depois de um período radicada em Belo Horizonte, Minas Gerais, volta ao Recife e funda, em 1985, a Dramart Produções. Em 1993, inaugura o Espaço Cultural Inácia Rapôso Meia.

65 Companhia fundada em 1948 em São Paulo, pelo empresário italiano Franco Zampari (1898-1966), que importa

diretores e técnicos da Itália para formar um conjunto de alto nível e repertório sofisticado, cujas atividades se estendem por 16 anos, solidificando a experiência moderna no teatro brasileiro.

em 1957, da obra do poeta escocês Robert Anderson (1750-1830), e Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, cuja montagem, de 1958, ganha imensos elogios na comparação com a versão original de 1943, encenada no Rio de Janeiro pelo elenco de Os Comediantes.

Enquanto Nydia Lícia e Sérgio Cardoso levavam O casamento suspeitoso aos palcos de São Paulo, no Rio de Janeiro, O santo e a porca foi escolhido para inaugurar os trabalhos do Teatro Cacilda Becker. Os textos de O casamento suspeitoso e O santo e a porca, registre-se, datam de 1957. Escrito por encomenda, no entanto, O santo e a porca, teria, segundo Bárbara Heliodora (2000, p. 115), sido finalizado em surpreendentes 11 dias. Também egressa do TBC, a paulista Cacilda Becker (1921-1969), grande protagonista do grupo, aposta num conjunto próprio reunindo nomes de peso na cena nacional de então, como o ator e diretor polonês Ziembinski, seu grande mestre, e o ator e também fotógrafo alemão Fredi Kleemann (1927- 1974), um de seus parceiros de cena mais antigos, além do ator e diretor gaúcho Walmor Chagas (1930-2013), seu marido à época, e sua irmã mais nova, a atriz Cleyde Yáconis (1923-2013).

O Teatro Cacilda Becker, fundado em dezembro de 1957, apresenta O santo e a porca, de Ariano Suassuna, em março de 1958, e Jornada de um longo dia para dentro da noite, de Eugene O'Neill, em maio seguinte. Os dois espetáculos, é importante observar, são ensaiados simultaneamente. Por questões políticas, como explica Renata Pallottini (1997, p. 94), o norte- americano foi preterido frente ao brasileiro. A opção pelo texto de Ariano Suassuna visava, dentre outras coisas, segundo Pallottini, ir ao encontro das preferências de Ziembinski, que dirigia a companhia, desde sempre um amante da dramaturgia nacional; tirar argumentos dos que diziam que Cacilda Becker não se interessava por textos locais; dar continuidade à carreira de um autor que prometia ser um grande êxito artístico e de público; e propiciar um trabalho mais brilhante para Cleyde Yáconis como que a querer negar a recorrente acusação de estrelismo que se fazia Cacilda, estrela maior do grupo.

Silviano Santiago (2007, p. 22) destaca a presença de Ariano Suassuna no panorama teatral brasileiro como sendo ele o “único dramaturgo que tem levado às últimas consequências o compromisso do artista brasileiro com as fontes populares da nossa cultura”. Para Bárbara Heliodora (2000, p. 114), “Ariano Suassuna apareceu no horizonte nordestino como a primeira grande esperança de um teatro verdadeiramente brasileiro”. Sábato Magaldi (2001, p. 302), por sua vez, põe Ariano entre os mais destacados dramaturgos brasileiros de todos os tempos. Sem fazer menção alguma à estreia de o Auto da Compadecida no Recife, nem recuperar nada que dê conta do percurso que faz do paraibano um autor de teatro, ele fala do texto a partir e tão somente de sua recepção no Rio de Janeiro, em 1957, durante o primeiro Festival de Amadores Nacionais. Para Magaldi, Suassuna cumpre papel na história do moderno teatro brasileiro semelhante ao do paulista Jorge Andrade66 (1922-1984), de quem ele aponta A Moratória como sendo a primeira estreia marcante, depois de Vestido de noiva.

Décio de Almeida Prado (2003a, p. 61) também aproxima A Moratória e o Auto da Compadecida, peças que, segundo ele, completam a maturidade do teatro brasileiro. Entretanto, ele não desterritorializa a criação de Ariano Suassuna. Décio de Almeida Prado localiza o texto, primeiro, no Recife, para, em seguida, tratar da “descida triunfal ao Rio de Janeiro”. Para ele, nomes como Jorge Andrade e Ariano Suassuna – criadores interessados não somente no

66 Autor, natural de Barretos, interior de São Paulo, Aluísio Jorge Andrade Franco conclui sua formação como

dramaturgo na Escola de Arte Dramática de São Paulo em 1954. Seu primeiro texto, entretanto, O Faqueiro de

Prata, data de 1951. Filho de fazendeiros e tendo vivido a cultura do meio rural, ele transfere para a cena profundas

observações desse universo, especialmente sua derrocada e posterior adaptação ao meio urbano, fonte dos conflitos que atravessam a maior parte de suas criações, como A Moratória, encenada em 1955 pela Companhia Maria Della Costa. Em sua vasta produção, destacam-se ainda os textos Pedreira das Almas, que o Teatro Brasileiro de Comédia leva aos palcos em 1958, a comédia Os ossos do Barão, de 1962, e Senhora da Boca do Lixo, de 1963, cuja estreia se dá em Portugal, e Vereda da Salvação, de 1964. Durante a ditatura militar, tem muitos de seus textos censurados. Além do teatro, dedicou-se também à televisão.

aproveitamento da tradição artística oficial, mas, sobretudo, na utilização de temas fortemente marcados pela ideia de brasilidade, como atenta Silviano Santiago (2007, p. 22) – foram cruciais no que diz respeito à regularização da recorrência do autor brasileiro nos nossos palcos. Fenômeno este que determina a necessidade de estabelecer novas bases estéticas e sociais para a dramaturgia brasileira, chamando a atenção do teatro para a realidade nacional. Via de regra, concentrando o conceito de nação na contemplação das vidas simples das camadas populares. “Bem-aventurados os necessitados de bens materiais porque deles será o reino do palco”, satiriza Décio de Almeida Prado (2003a, p. 65).

Também Alberto Gusik (2013, p. 117) considera Jorge de Andrade e Ariano Suassuna nomes superlativos do período de incorporação das conquistas do modernismo aos palcos brasileiros. De acordo com Gusik (2013, p. 137), Ariano consolida uma dramaturgia regional, tecida sempre a partir de uma ótica cultural nordestina, em que as peças são alimentadas pelo diálogo entre a formação erudita e a tradição dos espetáculos populares. Tendo escrito outras 17 peças teatrais, Flávio Weinstein Teixeira (2007, p. 181) afirma que Ariano Suassuna é, na verdade, um autor de obra única, na medida em que desenvolveu uma escrita aparentemente simples, se considerados os recursos dramatúrgicos e temáticos, aproximando códigos eruditos e populares.

Foi essa a estratégia criativa adotada para escrever seu primeiro texto, Uma mulher vestida de sol, grande vencedor do Concurso de Peças do Teatro do Estudante, e que se perpetua em todos os demais. Entre as suas influências eruditas, destacam-se: o teatro medieval, tanto o religioso quanto o profano, os autos barrocos, a farsa e a comédia clássicas. Estão entre as fontes populares de que se apropria o romanceiro popular e o mamulengo, por exemplo. Na gênese da escrita de Ariano Suassuna, Sábato Magaldi (2001, p. 301) identifica referências a Plauto67 (230

a.C. - 180 a.C.) e Molière68 (1622-1673). Além disso, ele define como obras-primas muitas de

suas peças. Do ponto de vista técnico, no entanto, argumenta Flávio Weinstein Teixeira, o processo de criação teatral de Ariano Suassuna não apresenta grandes variações, resumindo-se a reverberar, numa acentuada intertextualidade, histórias populares já consagradas nos folhetos ou romances cantados nas feiras e festas.

67 Tito Mácio Plauto, dramaturgo romano do período republicano, autor de cerca de 20 peças, muitas delas entre

as mais preservadas integralmente em latim. Foi o mais popular dos autores de comédias e dominou absolutamente a cena romana com textos muitos acessíveis, oferecendo ao povo uma alternativa diante de um contexto marcado por fortes conflitos bélicos. Sua obra influiu decisivamente nas comédias medievais. Em português, destacam-se de sua obra O soldado fanfarão e Aululária ou A comédia da marmita, dentre outras.

68 O dramaturgo Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière, nascido em Paris, capital da França, é

considerado um dos mestres da comédia. É de sua lavra peças como Escola de mulheres, Tartufo, O misantropo,

Burguês ridículo, As artimanhas de Escapino e O doente imaginário. Também ator e encenador, inicia-se no teatro

já adulto. É atribuído ao sucesso de sua obra, o surgimento do tradicional Comédie-Française, teatro estatal francês inaugurado em 1680, um dos poucos com elenco permanente.

Aliás, segundo pontua Silviano Santiago (2007, p. 22), essa seria uma das diferenças básicas entre a obra de Ariano Suassuna e a dos chamados romancistas do Nordeste, pois, considera, não existir no autor paraibano uma intenção de fazer um levantamento artístico-sociológico da região, mas, antes, uma recriação poética por meio dos textos do romanceiro popular. Embora tal recurso tenha lhe trazido alguns dissabores, com denúncias de plágio, inclusive, Ariano nunca se furtou a rebater tais questionamentos. Ele mesmo deu a O santo e a porca, por exemplo, o subtítulo de “imitação nordestina de Plauto”, tendo em vista a referência que faz à comédia Aululária, escrita entre 194 e 191 a.C.

O fato é que o Auto da Compadecida, diferente das outras peças que Ariano Suassuna escrevera antes, logo se espraia pelo Brasil e pelo mundo, despertando muito interesse pelos textos que a seguem. Publicado em livro originalmente em 1957, pela Editora Agir, de São Paulo, o texto de o Auto da Compadecida consagra Ariano Suassuna como autor e converte-se num dos expoentes mais expressivos do recente mercado editorial brasileiro. A última impressão, de 2015, comemorativa aos 60 anos da peça, registre-se, agora pela editora carioca Nova Fronteira, marca a 37ª edição do título, traduzido em, pelo menos, cinco idiomas.

A dramaturgia ganha encenações em diferentes cidades, todas encabeçadas por diretores de destaque: em 1957, Hermilo Borba Filho dirige uma versão em São Paulo; em 1959, Cacilda Becker encena o texto no Rio de Janeiro. Além de dirigir o espetáculo, Cacilda, que ainda estava no elenco no papel da Compadecida, foi responsável pela primeira turnê internacional da obra de Ariano Suassuna. Naquele mesmo 1959, o Auto da Compadecida é levado por ela para Lisboa, Portugal. Em 1962, no Schaubühne am Halleschen Ufer, de Berlim, na Alemanha, o diretor polonês Konrad Swinarski (1929-1975) assina a primeira versão estrangeira da peça.

Também no panorama do cinema nacional, o Auto da Compadecida é sinônimo de sucesso. Caso raro, a peça possui três diferentes adaptações cinematográficas. Em 1969, o diretor George Jonas (1919-2012), húngaro radicado no Brasil, leva a história às telas pela primeira vez. No elenco, o ator paulista Armando Bógus (1930-1993), que havia integrado a montagem assinada por Hermilo Borba Filho em São Paulo. Vivendo a Compadecida, a atriz paulista Regina Duarte, “a maior estrela da televisão brasileira”, como destacava o material publicitário do longa- metragem. Em 1987, pelas mãos do fluminense Roberto Farias, o grupo cômico Os Trapalhões69 conduz, novamente, o Auto da Compadecida aos cinemas.

69 Em sua versão final composto pelos humoristas Renato Aragão (Didi), Dedé Santana, Zacarias (1934-1990) e

Mussum (1941-1994), o programa Os Trabalhões foi um dos maiores recordistas de audiência da televisão brasileira. Tendo estreado originalmente na TV Excelsior, o humorístico foi transferido para TV Globo em 1977, sendo exibido em horário nobre aos domingos, até 1997. O primeiro filme produzido pelo grupo para o cinema foi lançado ainda em 1966. Com a formação clássica, o quarteto, foram realizados 23 filmes, entre 1978 e 1990.

Um recorde de bilheteria, Os Trapalhões no Auto da Compadecida contabilizou um público total de 2.610.371 espectadores. É o décimo quinto filme brasileiro mais visto de toda a década de 1980. Já no ano 2000, é a vez do diretor pernambucano Guel Arraes70 estrear nova

adaptação audiovisual da peça de Ariano Suassuna. Versão compactada da série de quatro capítulos produzida e exibida inicialmente pela TV Globo, em janeiro de 1999, o filme reuniu um público de 2.157.166 espectadores. Número que fez daquele terceiro Auto da Compadecida cinematográfico a décima nona maior audiência nacional daquela década. Como a Compadecida, a veterana atriz carioca Fernanda Montenegro71 – naquele momento, no ápice de

sua carreira no cinema, ainda em plena repercussão de sua indicação ao Oscar, principal premiação do cinema norte-americano, no ano de 1999, na categoria de melhor atriz, pelo trabalho no longa-metragem Central do Brasil, lançado um ano antes, pelo diretor carioca Walter Salles Júnior.

A exemplo do que havia considerado para Hermilo Borba Filho, Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2001, p. 170) inclui Ariano Suassuna entre os chamados “construtores do Nordeste”. Seu teatro, segundo ele, abre uma nova perspectiva de composição regional frente ao programa tradicionalista do romance de 1930, defendendo a emergência de um Nordeste ficcional, e, não, documental. “Ariano não decifra os mitos do sertão, mas o constrói como tal. Ele mitifica a sociedade sertaneja e seus homens”, considera Albuquerque Júnior. Ariano quer ser o profeta, o poeta, desse Nordeste onde o sol transforma o real em miragem. O teatro e o Nordeste do paraibano partem do pressuposto de que o espaço da arte não se restringe apenas ao campo da representação, mas, também, à possibilidade de apresentação de uma nova realidade criada pelo artista. O teatro e o Nordeste de Ariano Suassuna misturam imagens e temas já cristalizados em torno da região, como a seca, o cangaço, o messianismo e o coronelismo, mas transmuta essas imagens associando-as a um repertório que traz do medievo.

70 Diretor e roteirista, Miguel Arraes de Alencar Filho nasce em Recife no ano de 1953. Filho do político Miguel

Arraes, cassado durante a ditadura militar, passa a viver com a família em exílio na Argélia. Aos 18 anos, muda- se para a França, onde estuda na Universidade de Paris e ingressa no Comitê do Filme Etnográfico. Produz, então, seus primeiros filmes. Voltou ao Brasil em 1980, fixando-se no Rio de Janeiro. Já no ano seguinte, começa a trabalhar na TV Globo, emissora na qual se firma como diretor de telenovelas. A partir de 1985, começa a se dedicar a produções especiais, tendo sido responsável pelos programas Armação Ilimitada e TV Pirata. Em 1996, estreia no teatro com uma adaptação de O Burguês Ridículo, obra do francês Molière.

71 Atriz, de batismo, Arlette Pinheiro Esteves da Silva, nascida no Rio de Janeiro em 1929, começa a carreira no

rádio aos 16 anos. Em 1952, ingressa na companhia de Henriette Morineau. Dois anos mais tarde, estreia no Teatro Maria Della Costa, grupo no qual tem seu primeiro destaque na montagem de A Moratória. Já em 1956, é premiada em São Paulo pela atuação em Vestir os nus, de Luigi Pirandello. Funda em 1959 sua própria companhia, o Teatro dos Sete, no Rio de Janeiro, na qual atua até 1965. No cinema, participa, dentre outros, de: A Falecida, da obra de Nelson Rodrigues com direção do carioca Leon Hirszman (1937-1987), de 1964; Tudo bem, do também carioca Arnaldo Jabor, de 1978; Eles não usam black-tie, em mais uma parceria com Hirszman, em 1980. Foi a primeira atriz brasileira a ser indicada ao Oscar pela atuação Central do Brasil, filme de 1998. Tem também grande projeção em produções na televisão.

Caminho duro e cruel, mas ascendente em direção ao divino, como diria Sábato Magaldi (MAGALDI in ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p. 168), o Nordeste de Ariano é ambientado num espaço mais próximo ao que viveu quando menino. Sua Taperoá, não à toa, é citada em o Auto da Compadecida. Seu Nordeste estabelece diálogo mais profundo com a cultura do gado, com a civilização do couro, que com a cultura da cana-de-açúcar. Via de regra, o cenário do teatro de Ariano Suassuna é o do sertão das caatingas, das pequenas cidades empoeiradas, onde a única construção de destaque é a igreja e o poder, que, quando não ameaçado pelas hordas de cangaceiros, é dividido entre o coronel, o padre e o delegado. Em contraste com a miséria, sempre recorrente, no Nordeste de Ariano Suassuna, os homens, mesmo perseguidos pelas injustiças naturais e sociais, são ainda capazes de sonhar.

“Seu sertão é inferno, é purgatório, mas também é paraíso de riachos, açudes e pomares. Terra espinhenta, parda, pobre e pedregosa, mas também lugar de brisas, luares e pássaros”, sintetiza Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2001, p. 169). Entres tantos extremos, seu teatro e seu Nordeste expressam uma região vista como tradicional, capaz de anunciar todo um passado ibérico, tomada por tipos ingênuos, de linguagem rude e pitoresca, que satirizam a sociedade moderna e os valores mundanos, recorrendo ao riso, ao bufo, ao carnavalesco, ao ridículo, como forma de contrariar a ordem estabelecida.

Na perspectiva em que coloca Pierre Bourdieu (2003, p. 129), ao tratar da lógica simbólica da distinção, “em que existir não é somente ser diferente, mas também ser reconhecido legitimamente diferente”, Ariano Suassuna, sobretudo após a consagração de o Auto da Compadecida, tem papel central na definição do Nordeste e de um teatro para o Nordeste. “O mundo social é também representação e vontade e existir socialmente é também ser percebido como distinto”, considera Bourdieu (2003, p. 118). A criação de Ariano pode ser entendida como o que ele tem por reivindicação regionalista: a reapropriação sobre os princípios de construção e avaliação da própria identidade para se fazer reconhecer.

Assim, o teatro de Ariano Suassuna funciona como um argumento, um enunciado, que constitui o Nordeste – ou um Nordeste – na medida em que favorece, quanto mais se faz referencial, uma forma de acesso da região ao reconhecimento e, em decorrência, à existência. O discurso regionalista, afirma Bourdieu (2003, p. 116), é um discurso performativo que tem em vista legitimar, dar a conhecer e fazer reconhecer, uma fronteira desconhecida ou ignorada. Com a projeção de o Auto da Compadecida, Ariano, o Nordeste e o teatro nordestino se tornam visíveis, manifestos, dentro e fora do Nordeste e do panorama teatral nordestino, atestando, com

No documento Os Nordestes e o teatro brasileiro (páginas 80-89)