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Novos rumos para a educação brasileira: o que há de novo na Educação

Na manhã de 15 de novembro de 1930, o jornal O Correio da Manhã anunciava a criação de um novo ministério no governo provisório de Getúlio Vargas, intitulado Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (MESP). A nova secretaria seria comandada por Francisco Luiz da Silva Campos137, que permaneceria nesse ministério até 1932. Nesse ínterim, Francisco Campos organizou o estatuto das Universidades brasileiras, decretou a reforma do ensino secundário e apoiou o retorno, ainda que facultativo, do ensino religioso nas escolas.

A criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, possuía uma importância central na disposição das diretrizes educacionais brasileiras, uma vez que buscava organizar de maneira mais sistemática as políticas voltadas para a educação e saúde públicas. O novo ministério, segundo O Correio da Manhã, tinha como finalidade geral “o estudo e o despacho de todos os assumptos relativos ao ensino, saúde pública e assistência hospitalar”138.

Mais à frente, à 3 de dezembro de 1930, o mesmo jornal noticiou também como ficaria organizado o novo ministério. Em decreto assinado por Getúlio Vargas, formalizou-se que a Secretaria estaria dividida em um Gabinete, uma Diretoria e três Departamentos, “todos independentes entre si” e subordinados diretos ao ministro, classificados das seguintes formas: Gabinete do Ministro, Diretoria de Contabilidade, Departamento de Ensino, Departamento de Saúde Pública, Departamento de Medicina Experimental.139

137 Francisco Luís da Silva Campos nasceu em 1891 no município de Dores do Indaiá, Minas Gerais. Foi

deputado estadual entre 1921 e 1925, professor catedrático de Filosofia do Direito enquanto lecionava na Faculdade nacional de Direito entre 1933 e 1937. Francisco Campos foi ainda Ministro da Justiça período em que ajudou a arquitetar a constituição brasileira de 1937. Mais tarde, em 1964, foi um dos redatores do Ato institucional número 1, o AI1. Francisco Campos faleceu em novembro de 1968, deixando um legado de várias obras publicadas, dentre elas: O Estado Nacional, A doutrina da População e Ciclo de Helena (poesias).

138 Correio da manhã. 15/11/1930, p.? 139 Correio da manhã. 03/12/1930, p. ?

A junção dos campos da educação e da saúde não causa estranhamento, pois se levarmos em conta o entendimento que se tinha acerca da educação, observada durante toda a década de 1920, tanto como suporte de uma política higienizadora quanto como política higienizadora em si. As diretrizes para a formação desse sistema educacional presentes no MESP, não se deu sem conflitos intelectuais e políticos. No início dos anos 1930 intensificou-se um processo sobre o qual já iniciamos nossos estudos nos capítulos anteriores, trata-se da confluência entre a elaboração de projetos políticos e sociais para o Brasil que buscavam incutir um ideal de progresso e desenvolvimento.

No Ceará essas discussões sobre as diretrizes da educação influenciaram a atuação de intelectuais que buscavam debater a escola ideal para o Nordeste e especialmente para o Ceará. Esse debate que teve em terras cearenses sua expressão de destaque através da Reforma do Ensino de 1922, deu lugar a uma proposta educacional mais incisiva na década de 1930. Tal proposta incluía, dentre outros pontos, a criação de uma escola normal rural, que pudesse preparar docentes especializados para lecionar em escolas no campo e que pudessem criar estratégias de desenvolvimento para ele. A partir daí a influência do pensamento escolanovista passou a agregar um maior número de admiradores entre intelectuais que se dedicavam à causa educacional, especialmente após a circulação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.

Dirigido ao povo e ao governo, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova defendia uma reconstrução nacional por intermédio da educação, discutindo temas chave como a finalidade da educação e sua função social, os princípios básicos da Escola Nova, o papel da escola na construção da democracia e a formação de professores. No entanto, a temática central do documento girava em torno da definição e da defesa da chamada escola única, isto é, uma escola para todos, que beneficiasse não apenas os grupos economicamente favorecidos, mas à todas as crianças entre 7 e 15 anos de idade. Por sua vez, para se alcançar o ideal da escola única, alguns elementos se faziam essenciais na organização da educação brasileira: a gratuidade, a obrigatoriedade, a coeducação, bem como a laicização do ensino.

O documento foi estruturado principalmente por Fernando de Azevedo e assinado por 26 intelectuais, dentre eles Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Sampaio Dória e Cecília Meireles, após a IV Conferência Nacional da Educação, realizada em 1931 no Rio de Janeiro. Na época, o então ministro da educação e saúde Francisco

Campos marcou presença no evento acompanhando o chefe do governo provisório, Getúlio Vargas. Durante a conferência o presidente solicitou ao conjunto de educadores ali presentes a elaboração de diretrizes sobre as quais seria pautada a educação pública nacional. A proposta era “muito mais próxima da demagogia do que da realidade” (FREITAS, 2009, p.72), uma vez que o Ministério da Educação já dava indícios de que um outro plano de ações para a educação estava sendo executado. O ministro Francisco Campos já havia, por exemplo, encaminhado o pedido de obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas, ainda que o Manifesto propusesse uma educação laica.140

De todo modo, o Manifesto dos Pioneiros proporcionou indiscutivelmente uma injeção de ânimo dos debates educacionais, ainda que muitos conflitos tenham permanecido existindo no interior da proposta do documento. O Manifesto serviu ainda para lembrar que a educação permanecia uma pauta importante e que a escola no Brasil continuava longe de ser considerada ideal pelos padrões da pedagogia moderna. Seguiriam, assim, na década de 1930, as reformas educacionais iniciadas no decênio anterior, cultivando novas questões e discutindo velhas respostas que ainda não haviam efetivamente encontrado espaço mais amplo nos debates. Crescia a o imaginároi de que na educação encontrava-se a tábua de salvação do país e que, para não vermos perecer esse bem tão importante da nação, era preciso discuti-la incansavelmente para, desse modo, encontrar um caminho de desenvolvimento para o Brasil.

4.1.1 As ideias em circulação: as revistas de ensino e educação nas primeiras décadas do século XX no Brasil

Ao passo que os discursos sobre a educação no país ganhavam corpo, crescia também a necessidade de veículos especializados que pudessem ampliar tal debate. Assim, a publicação de revistas que discutiam questões referentes ao ensino e a educação existentes desde o século XIX, foi ficando cada vez mais comum. Publicadas

140 Sobre essa questão, Marcos Cesar de Freitas comenta ainda a respeito da costumeira dicotomia entre

interesses de “pioneiros da educação nova” e os católicos como sendo os dois únicos grupos que disputavam a condução dos caminhos da educação pública no Brasil. Segundo o mesmo historiador, nem pioneiros e nem católicos formavam grupos coesos entre si, com adeptos renovadores e tradicionais, respectivamente. De todo o modo, em um momento que se discutia a igualdade jurídica entre a população chamou atenção a garantia da educação pública como direito, o que tornou inegavelmente o Manifesto da Educação “parte de uma versão da história da educação brasileira que silenciou muitas outras versões e, no momento em que apareceu, gerou resultados expressivos”. (FREITAS, BICCAS. 2009.p. 75).

tanto nas capitais como no interior do Brasil, as revistas geralmente estavam associadas as Diretorias da Instrução Pública de cada estado, como a Revista Escolar (São Paulo, 1925-1927), ou a alguma entidade ou associação particular de professores e intelectuais, como a Revista da Sociedade de Educação (SP,1923-1924).

A publicação dessas revistas especializadas em assuntos educacionais já ocorria desde o século XIX, tendo ganhado mais força a partir dos primeiros anos da República, como a Revista do Ensino Primário da Bahia publicada entre 1º de novembro de 1892 e outubro de 1893, somando o total de 12 volumes. Nas décadas de 1920 e 1930 temos ainda a Revista do Ensino de Alagoas, que era publicada quinzenalmente como um “orgam official da Directoria da Instrucção Publica” de Alagoas, sob a direção de Craveiro Costa.141 Já nos anos 1930 e 1940 temos a Revista do Ensino da Paraíba, periódico que circulou naquele estado durante dez anos (1932- 1942), totalizando 18 exemplares, e a Revista do Ensino do Rio Grande do Sul, editada entre 1939 e 1942 que direcionava seus conteúdos para a formação contínua dos professores primários. Segundo Maria Helena Câmara Bastos, o periódico gaúcho foi criado por iniciativa de um grupo de professores da Universidade de Porto Alegre, ligados à Secretaria de Educação e Saúde Pública/RS –Divisão Geral de Instrução Pública.

Em outros estados, alguns impressos desse mesmo gênero tiveram seus primeiros exemplares publicados na década de 1920 com a explosão das reformas educacionais no Brasil, tendo nas décadas posteriores (anos 30, 40 e 50) sido editados periódicos com a mesma intencionalidade. Como exemplos dessa última situação temos as já citadas revistas paulistas e gaúchas e ainda a Revista do Ensino do Amazonas que teve alguns poucos exemplares veiculados em 1920 e posteriormente nos anos 30, sendo editada nova revista sob os auspícios da Sociedade Amazonense de Professores com o título de Revista de Educação. Nesses casos, não se tratavam exatamente das mesmas revistas, mas de periódicos com a mesma finalidade publicados em momentos distintos da história dessas localidades. Todavia, algumas publicações sofreram diversas

141 João Craveiro Costa nasceu em 1871 em Maceió, Alagoas. Foi jornalista, escritor, estatístico,

economista, geógrafo e historiador, tendo se dedicado profundamente às discussões sobre os problemas educacionais alagoanos. Nesse campo, devemos destacar a obra produzida por Craveiro Costa intitulada Instrução Pública e Instituições Culturais de Alagoas, estudo sobre a educação alagoana do período colonial até 1930, realizado em 1931 a pedido do então ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos. Craveiro Costa faleceu em 31 de agosto de 1934 em Maceió.

interrupções ao longo de sua história, tendo, entretanto, continuado a cada retorno sob o mesmo título. É o caso da Revista do Ensino de Minas Gerais.

Criada em 1892, durante a primeira reforma do ensino do período republicano, a Revista do Ensino de Minas Gerais teve sua publicação interrompida pouco tempo depois, tendo retornado somente em 1925, em outro momento de reforma na instrução pública do estado sob o comando de Sandoval Soares de Azevedo142. A revista sofreria ainda mais um período de estanque em 1940 tendo retornado seis anos depois, em 1946, com publicações menos periódicas, mantendo-se em circulação até 1971 quando definitivamente a Revista do Ensino de Minas Gerais tem sua publicação encerrada no número 239.

Dentro desse breve conjunto de revistas apresentadas vale a pena destacarmos a Revista do Ensino do Estado do Amazonas, que trazia além de seu conteúdo pedagógico, poemas e versos que tratavam de especificidades daquele estado, como no primeiro volume onde encontramos o poema intitulado A Seringueira143 e no segundo volume que traz um extenso texto sobre o regime das águas do rio amazonas, fruto de uma conferência pedagógica realizada em um grupo escolar de Manaus.

Apesar das particularidades de cada revista apresentada, o que se justifica especialmente pelas diferentes localidades das quais são oriundas (São Paulo, Alagoas, Minas Gerais, Amazonas, Paraíba, etc.), todas têm também pontos em comum. São em sua grande maioria destinadas aos professores e abordam questões relativas às técnicas pedagógicas e à carreira do professorado no Brasil. Em muitos casos, os artigos são tão parecidos que é possível confundir os periódicos, sobretudo, nos textos referentes a temas como higiene e profilaxia, disciplina escolar, Círculos de Pais e Professores e a missão do professor. Em certo sentido, essa coincidência de temas e abordagens explicita uma atmosfera, um espírito dos dias, capaz de exibir, ainda que forma

142 Intelectual e educador mineiro, foi presidente da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais tendo,

inclusive, recebido como homenagem uma Escola Normal Rural com seu nome em 1949 pelo grande apoio que dava a promoção do ensino rural e a formação de professores para esse ramo da educação em Minas Gerais.

143 A Seringueira: Vêde-a esbelta e graciosa, emergindo/ de entre as selvas do nosso Amazonas: /N’outros

climas não vinga, outras zonas/ Não a teem deste aspecto almo e lindo./ Filha amada de nossa floresta,/ Todo o latez que as veias lhe agita/- qual uma onda impoluta e bemdita,/ Ella o dá, a fluir, como em festa./ Esse leite que lhe cae do flanco/ Que transborda e lhe rompe do seio,/ Num constante e suavismo veio,/ E’ a nossa borracha- o ouro branco!.../ Adoremos, pois, a arvore do ouro,/ Que, na matta, se vê sobranceira;/ E, de joelhos, saudemos, em côro,/ Nossa altiva e vivaz seringueira. In: Revista do Ensino

embaçada, a face do tempo. Em outras palavras, aquele conjunto de dizeres nos permite vislumbrar o que era considerado importante tratar quando nos referíamos à educação.