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Capítulo 2: A camisa das mulheres

2.2 Novos tempos

196 A terminologia empregada à época era, a rigor, “Presidium”. Cumprem, todavia, a mesma função: núcleo de

papel executivo mais próximo ao presidente ou secretário-geral.

197 BUONICORE, Augusto. Meu verbo é lutar: a vida de João Amazonas. São Paulo: Fundação Maurício

Grabois; Editora Anita Garibaldi. 2012. p. 80.

198 Cf. Jornal Novos Rumos nº 151. 29/12/61-4/1/62. Apud BUONICORE, Augusto. Meu verbo é lutar: a vida

Quando da realização da 7ª Conferência, em 1978/1979, portanto já durante o processo de Anistia, as mulheres irrompiam de maneira inédita na cena pública nacional e internacional. A pílula anticoncepcional, massificada na década de 1960, possibilitou às mulheres dissociarem com maior segurança o exercício da sexualidade da reprodução. Com o controle da fecundidade, foi possível às mulheres se lançarem em escala ainda maior no espaço público, no mundo do trabalho, nas universidades, e, uma vez no espaço público, passam a questionar também seu status na vida privada. As mulheres passam a reivindicar direitos iguais aos dos homens seja em âmbito familiar, profissional ou sexual. Na França e na Itália, passeatas massivas exigiam a legalização do aborto, creche e outras demandas feministas. A década de 1960 é palco da mais profunda transformação do Ocidente em todo o século XX, a Revolução Sexual protagonizada pelas mulheres, que teve como consequência, entre outras, a instituição da Década da Mulher pela Organização das Nações Unidas em 1975.

Na década de 1970, o PCdoB ainda vivia sob clandestinidade — a anistia viria em 1978. O movimento de mulheres em todo o mundo passa a ser impactado pela primeira Conferência Mundial das Mulheres no México, em 1975, a partir dali é que se inicia um debate mais amplo sobre as organizações específicas de mulheres em todo o mundo.

No Brasil, as mulheres de estrato popular iam às ruas denunciar a crise econômica que a ditatura, inutilmente, negava. Eram o Movimento Contra o Custo de Vida e Movimento Contra a Carestia, que saíam às ruas fazendo grandes manifestações onde denunciavam as condições dramáticas em que vivia o povo após 15 anos de ditadura: arrocho salarial, desemprego e carestia. Este movimento era encabeçado, sobretudo, por mulheres de estratos populares, donas de casa, membros de organizações como clubes de mães ou ligadas à esquerda católica

.

O PCdoB participava desses dois movimentos. Ainda não havia, no partido, uma discussão direcionada sobre o feminismo. Isso só ocorreria mais adiante, com a conquista da anistia e o ambiente democrático que passou a existir no país. Para debater essa realidade que se abria, o partido realizou uma conferência, devido às condições de perseguição no Brasil, realizada na Albânia.

Na Conferência da Albânia há uma inflexão do PCdoB acerca do tipo de atividade que o partido desenvolveria no novo momento que se desenhava no Brasil. Os comunistas elegeram como objetivo ampliar sua presença no movimento de massas, impactado pelas lutas operárias de 1978. Trata-se de uma nova atitude tática, onde a ação política do partido não deveria mais priorizar a atuação clandestina, para sobreviver, mas buscar se aproximar e intensificar seus laços com os movimentos de massa que surgiam com a grande insatisfação da

população. Houve um grande debate interno acerca disso: o partido deveria permanecer nas sombras para se preservar ou deveria começar a atuar de forma mais aberta. Prevaleceu a orientação de buscar se aproximar de todos os movimentos sociais que existiam naquele período. Com este escopo, acordou-se a diretiva de que o PCdoB deveria desenvolver um trabalho que visasse à construção de uma entidade massiva de mulheres. A comunista paraibana oriunda dos quadros da AP, Jô Moraes, reporta que, neste debate, houve “um grande protagonismo do João Amazonas, evidente, com o apoio do secretário de organização, que era Dyneas Aguiar.” Segundo Jô, é durante essa ocasião que:

Eu passo a tratar do tema [da mulher] na 7ª Conferência, que é uma conferência clandestina, onde o João Amazonas me dá a tarefa de escrever um texto sobre a questão da mulher. Eu faço um texto que, se não me engano, foi publicado sob o pseudônimo Luísa Moraes. O mais importante desse processo é que a construção foi um exercício conjunto de João Amazonas me orientando. É claro que eu tinha uma vivência. Eu tinha uma reflexão, mas muito embrionária, e o debate com o João Amazonas me provocou o esforço de abordar a questão específica [da mulher]. E o centro que se destacava ali era colocar o problema específico da mulher, associado à necessidade que o partido tinha de atrair as mulheres para o processo político e transformar o debate da mulher em tarefa de todo o partido.199

Maria do Socorro Jô Moraes nasceu na cidade de Cabedelo em 1946. A paraibana iniciou sua militância na década de 1960 no movimento estudantil secundarista como militante da Juventude Estudantil Católica – JEC e, depois, da Juventude Universitária Católica – JUC, quando cursava Serviço Social na Faculdade de Serviço Social de João Pessoa, instituição particular de pequeno porte na capital paraibana. Presidente do diretório acadêmico e militando na Ação Popular, foi uma das delegadas presas durante a queda do Congresso da UNE em Ibiúna, em 1968, e ingressa no PCdoB em 1972 — já clandestina — com a incorporação dos quadros da AP ao partido. Segundo Jô, durante a militância estudantil, tanto secundarista quanto universitária, a questão da mulher não havia se colocado de forma explícita, pois avultava “a luta pela resistência democrática, a oposição ao projeto americano que estava sendo implementado pela ditadura no Ministério de Educação e Cultura, onde o centro era o combate aos Acordos MEC-Usaid.”200 Todavia, a opressão por ser mulher, já nesta fase, começa a ser mais sentida, Jô cita como exemplo as restrições que a família colocou para sua participação política. Sua ida ao congresso da UNE, em 1968, foi escondida dos pais, pois a tutela sobre as mulheres, marcadamente as jovens, era extremamente rígida e o deslocamento de uma jovem para uma atividade desta natureza era inconcebível.201

199 MORAES, Jô. Entrevista à autora. 200 Ibidem.

Por isso que nessa primeira fase da luta e da minha militância, que foi a fase da militância estudantil, essa questão da mulher era mais vivida do que formalizada em bandeiras da participação específica. A questão da mulher vai surgir na minha militância já bem depois, quando se começou a discutir as políticas afirmativas para o enfrentamento da discriminação da mulher, e ela surge muito mais como uma provocação do partido do que como uma incorporação minha, individual, em militância específica.202

A “provocação” do partido viria na forma de uma convocatória, em 1978, para Jô participar da Conferência da Albânia. Lá ela seria instada por Amazonas a se dedicar à questão da mulher e ser responsável, no Comitê Central — para o qual foi eleita na mesma conferência — por desenvolver essa temática, à qual Jô dedicaria as próximas décadas de sua militância, nas mais diversas tarefas que desempenhou, sejam elas internas de partido ou como parlamentar. No 6º Congresso do PCdoB, ocorrido em 1983, uma intervenção especial da própria Jô Moraes anuncia de maneira mais clara a importância do trabalho e da construção da ação junto ao movimento de mulheres que o partido pretendia emular. A ideia-força do informe era que “a luta da mulher é tarefa de todo o partido”, além de apresentar a importância política da mulher na construção do país, na População Economicamente Ativa e a presença das mulheres nos movimentos sociais naquele momento-chave por que passava o Brasil; ao mesmo tempo, o informe também resgatava a contribuição dos teóricos do marxismo a esse debate, sobretudo as contribuições de Lênin e Engels.203

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