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Capítulo 1: Organizando a ternura

1.3. Uma nova página no PCB

Neste período, tentou-se ampliar e fortalecer as organizações de bases femininas no interior do Partido, cujas tarefas fundamentais eram “mobilizar e organizar as mulheres partindo das suas reivindicações específicas, das lutas contra a carestia, pelo congelamento de preços em defesa da infância e elevando-as até às lutas democráticas e emancipadoras”. A tentativa de transformar essas organizações de bases em aparelhos apenas voltados para o trabalho de apoio, como colar cartazes e angariar fundos, recebia críticas mesmo de membros da direção. Ainda assim, o trabalho de mulheres florescia no partido, e foi significativo o número delas integradas aos cursos Stalin e Lênin, ministrados em grande escala nos primeiros anos da década de 1950. Muitas militantes, como Edíria Carneiro, tornaram-se professoras das escolas partidárias.142 Algumas mulheres seriam incluídas ainda nas três turmas que fizeram o curso de aprofundamento do marxismo-leninismo na URSS, com a duração de dois anos.143 Essas medidas sinalizavam uma preocupação maior em formar quadros femininos para o trabalho de direção política, superando um problema estrutural na construção do partido desde a sua origem.

Em 1952 e 1953, a FMB realiza a 1ª e a 2ª Assembleia Nacional de Mulheres144. No Programa do PCB de 1954, a questão da mulher é tratada em um ponto separado e sensivelmente mais detalhado que no Manifesto de Agosto de 1950, o que nos leva a inferir o progressivo fortalecimento desta pauta no interior do partido. A leitura dos registros partidários nos permite observar um balanço crítico realizado durante o 4º Congresso do PCB (1954), com a apresentação de informes temáticos especiais, nos quais, ao passo que se enaltecia a capacidade política e de luta das mulheres brasileiras, se problematizavam os métodos de trabalho partidário entre este segmento e a subestimação desse pelo coletivo comunista.

142 CARNEIRO, Edíria. Entrevista ao CDM/FMG. 143 Ibidem.

Houve uma grande mobilização brasileira para a participação na Conferência Latino-Americana de Mulheres, realizada em agosto de 1954. Neste período, conforme afirmou Olga Maranhão em seu informe ao 4º Congresso do PCB, ocorrido em fins de 1954, surgiram mais de 30 organizações de massa femininas e vários sindicatos realizaram assembleias para eleger suas delegadas para aquela conferência.145 Ainda neste ano ocorreu um Ativo nacional do PCB sobre o trabalho feminino.146

O 4º Congresso Nacional do PCB (1954)

Este crescimento do movimento de mulheres e a inserção das comunistas nele levariam a uma pequena – mas significativa – mudança na composição das direções partidárias. Isso se refletiria no 4º Congresso do PCB, realizado no final de 1954. Nele, pela primeira vez, as mulheres teriam participação algo expressiva (9,3% dos delegados)147 e seriam eleitas para

o Comitê Central em congresso partidário. Outra novidade é que duas mulheres apresentariam informes especiais naquele conclave. A professora Iracema Ribeiro, do Rio de Janeiro, expôs o informe intitulado “O trabalho feminino – dever de todo partido” e a empregada doméstica Olga Maranhão, também do Rio de Janeiro, o informe “Ganhar milhões de mulheres para o Programa do Partido”.148

Em seu informe, de conteúdo bastante duro, Iracema Ribeiro criticava a baixa presença de mulheres na agremiação e a lentidão com que essas eram promovidas aos cargos dirigentes nas instâncias partidárias. Defendia que o partido assumisse coletivamente a luta das mulheres e que o Comitê Central elaborasse uma resolução específica sobre o tema (o que ocorreria no ano seguinte):

é muito pequeno ainda o número de mulheres membros do Partido [...] o que demonstra que não extirpamos ainda das nossas fileiras os preconceitos burgueses com relação à Mulher [...] O Partido deveria encarar mais seriamente a necessidade de promoção de quadros femininos [...] As nossas direções ainda procuram ater-se as alegações de timidez das camaradas, ou a problemas de outra ordem, sem promovê- las com audácia [...] 1º O trabalho feminino deve deixar de ser tarefa apenas das Organizações de Base e das Seções do Trabalho Feminino para se transformar em tarefa de todo o Partido. 2º Todos os Comitês de Zonas e Comitês Distritais devem ter encarregados do trabalho feminino. O trabalho feminino deve ser incluído entre as tarefas permanentes dos Comitês de Zona, dos Comitês Distritais e das Organizações

145 MARANHÃO, Olga. Ganhar Milhões de Mulheres Para o Programa do Partido. Intervenção ao 4º Congresso

do PCB. Em: Revista Problemas nº64.

146 Ibidem.

147 A composição do 4º Congresso do PCB. Voz Operária nº290, 04/12/1954. p. 15. 148 Ambos publicados no jornal Voz Operária em Revista Problemas nº64.

de Base. 3º Elaborar com urgência uma resolução do Comitê Central sobre o trabalho feminino.149

Por sua vez, o informe apresentado por Olga Maranhão150 levantava o heroísmo das mulheres brasileiras nas diversas batalhas travadas pela libertação nacional ao longo da história, como Clara Camarão, Joana Angélica, Maria Quitéria, Bárbara Alencar e Anita Garibaldi. O informe aborda também a situação penosa das mulheres camponesas e operárias, bem como a combatividade que as mulheres vinham demonstrando nas greves que eclodiam no país, seja como trabalhadoras grevistas, ou mesmo com a “combatividade extraordinária das mulheres da Rede Mineira de Viação, mães, esposas e irmãs dos ferroviários, que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento vitorioso das suas lutas reivindicativas.”151

Olga Maranhão também sintetiza criticamente o trabalho de mulheres do PCB desde 1944, quando teriam surgido as “primeiras organizações femininas de massas”, cujo trabalho consistia em desenvolver campanhas pelas reivindicações “imediatas e específicas das mulheres”. Segundo o informe, chegaram a existir centenas delas em todos os estados, e se concentravam, em geral, em campanhas contra a carestia, realizando até mesmo a aquisição de “gêneros e tecidos populares, para revenda às associadas” ou “desmascarando os sonegadores dos produtos de primeira necessidade”. Todavia, prossegue, este trabalho não lograva ganhar as mulheres para as lutas “mais altas e consequentes, para as lutas decisivas pela paz, pelas liberdades democráticas e pela independência nacional”, ou seja, para as lutas políticas. O trecho é revelador da cunha entre as lutas sociais (ou econômicas) das mulheres — sintetizadas sob a expressão “reivindicações imediatas e sentidas” — e as lutas políticas, “mais altas”, que avultavam alternadamente em decorrência da linha política geral do PCB, como fica claro no trecho a seguir, onde Olga critica o trabalho calcado exclusivamente nas pautas sociais e econômicas:

Posteriormente, rompemos com essa orientação no trabalho feminino, orientação fortemente influenciada por tendências reformistas. Mas, ao corrigirmos um erro

149 RIBEIRO, Iracema. O Trabalho Feminino Dever de Todo o Partido. Intervenção no 4º Congresso do PCB.

Em: Revista Problemas nº64.

150 MARANHÃO, Olga. Ganhar Milhões de Mulheres Para o Programa do Partido. Intervenção ao 4º Congresso

do PCB. Em: Revista Problemas nº64.

151 Este episódio deu origem ao romance histórico da escritora comunista sergipana Alina Paim, A Hora Próxima,

publicado em 1955 pela Coleção Romances do Povo da Editorial Vitória, sob direção de Jorge Amado, que tinha como pano de fundo a greve dos ferroviários, mas cujo enfoque principal estava no papel heroico das mulheres. Logo na cena de abertura, Alina descreve em um imenso piquete centenas de esposas, filhas, mães e irmãs dos grevistas parando uma locomotiva: “invadiram a cabine e dirigindo-se ao maquinista e ao foguista [...]

— O trem não parte. A máquina é nossa.

— Agora, é a gente quem manda — declarou Jandira, entrando na cabine. — É a greve, meu velho.” (PAIM: 1955; p. 09).

caímos no outro extremo, passamos a realizar um trabalho sectário, exclusivamente político e desligado das reivindicações mais sentidas das massas. Isto acarretou o isolamento das uniões femininas das grandes massas de mulheres e determinou uma queda no trabalho feminino de massas.152

Este pêndulo na orientação do trabalho de mulheres ocorreu seguindo as guinadas na própria orientação política geral do PCB, que, devido a fatores como o surgimento da Guerra Fria e seu decorrente anticomunismo, a instabilidade política do país e as divergências internas da agremiação, entre os anos 1945 a 1954, oscilou entre ora a realização do socialismo como tarefa imediata, ora a construção do socialismo mediado por uma etapa democrática de libertação nacional. Cada um deles ensejava um determinado tipo de trabalho de mulheres, que, em que pese, a rigor, possam ser dialeticamente complementares, na prática, foram tratados como contraditórios.

O PCB apresentava uma proposta de programa do partido para ser debatido desde as bases e também com “patriotas e democratas”153. Nos textos das duas seções, o clima geral era de loas à proposta apresentada pelo CC, e, vez ou outro, crítica à política adotada no Manifesto de Agosto de 1950, considerada “sectária”, como fez o próprio Prestes na sua apresentação à proposta.154 Além das questões programáticas gerais, que corriam em uma conjuntura efervescente como a de 1954 — naquele ano a instabilidade política era crescente e a tentativa golpista da direita brasileira só arrefeceria com o suicídio do presidente Vargas em 24 de agosto. O PCB fazia-lhe ferrenha oposição, o que incitou a ira das massas contra o partido e isolou-o ainda mais politicamente. A comissão de redação do programa fora instituída pelo Comitê Central em fevereiro 1952155 e o anteprojeto, divulgado em 02 de janeiro de 1954, mas não há dúvida que o suicídio de Vargas e suas consequências reforçaram a necessidade de maior amplitude e abertura do partido.

Um dos elementos mobilizados nesta guinada política foi, precisamente, a questão da emancipação das mulheres. O tema, que no Manifesto de Agosto de 1950 aparecia ligeiramente como “Abolição de todas as desigualdades econômicas e jurídicas que ainda

152 MARANHÃO, Olga. Ganhar Milhões de Mulheres Para o Programa do Partido. Intervenção ao 4º Congresso

do PCB. Em: Revista Problemas nº64.

153 A orientação é que se realizassem palestras, reuniões, atividades diversas com o intuito de espraiar a proposta

de programa com o maio número possível de pessoas. Na imprensa partidária, “O povo debate o programa do PCB” foi uma seção publicada no jornal Voz Operária de janeiro a setembro de 1954, período em que ocorreram os debates congressuais, e abria as páginas do jornal para que não integrantes do partido pudessem também opinar a respeito do programa proposto pelos comunistas. Diferente da “Tribuna de Debates”, seção (às vezes, suplemento) em que militantes e dirigentes poderiam emitir opinião sobre o tema, no Voz Operária, durante o mesmo período. Cf. “Amplo debate sobre o projeto de Programa do PCB”, Jornal Voz Operária, nº242, 02/01/1954, p.03.

154 PRESTES, Luís Carlos. Sobre o Programa do PCB. Voz Operária, nº242, 02/01/1954, p. 06-07.

155 PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCB). Sobre o Projeto de Programa do Partido Comunista do Brasil.

pesam sobre a mulher”, na proposta de programa de 1954, tornar-se-ia um item próprio mais robusto, além de aparecer contemplado colateralmente em outros subtemas:

16 - Abolição de todas as desigualdades econômicas, sociais e jurídicas que ainda pesam sobre as mulheres. As mulheres terão direitos iguais aos homens em caso de herança, casamento, divórcio, profissão, cargos públicos, etc. O Estado dará proteção especial e gratuita à maternidade e à infância.156

É possível perceber a evolução das “desigualdades econômicas e jurídicas” do Manifesto de Agosto para as “desigualdades econômicas, sociais e jurídicas” do projeto de programa lançado em janeiro de 1954. Essas ganharam mais sentido e profundidade conforme se desenvolveu o debate sobre mulheres entre os comunistas nestes quase quatro anos. As “desigualdades econômicas e jurídicas” passaram a se desdobrar em fenômenos concretos experimentados pelas mulheres, que receberiam trato especial no programa do partido comunista. A desigualdade no direito à herança, a tutela do marido no casamento e sua insolubilidade (especialmente prejudicial para as mulheres devido à dupla moral sexual), a masculinização das profissões de maior prestígio social e confinamento das mulheres a nichos profissionais específicos, geralmente ligados à ideia de cuidado e concernentes ao trabalho reprodutivo, além da desproteção da maternidade e da infância, foram temas que os comunistas alvejaram diretamente no programa no ponto que tratava sobre as mulheres.

Além disso, ainda sob o item “Regime político democrático e popular”, havia outros itens programáticos em que as mulheres não estavam pautadas diretamente, mas que, colateralmente, insidiam também sobre elas:

8 - Todos os cidadãos que tenham completado 18 anos de idade, independentemente de sexo, bens, nacionalidade, residência e instrução, terão direito a eleger e ser eleitos. Gozarão destes mesmo direitos os analfabetos [...]

11 - Abolição de todas as discriminações de raça, de religião, nacionalidade, etc. e punição aos transgressores [...] Separação do Estado de todas as instituições religiosas. O Estado será leigo.157

A extensão dos direitos de voto e elegibilidade também aos analfabetos era especialmente benéfica para as mulheres, que representavam grande parte da população iletrada brasileira. Da mesma forma, o reconhecimento e proibição — com punição dos transgressores — de outras formas de discriminação, como racismo e xenofobia (que também atingiam as mulheres dessas populações e que, somada à condição sua de sexo, eram especialmente

156 PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCB). “Projeto de Programa do Partido Comunista do Brasil”. Voz

Operária, nº242, 02/01/1954, p. 04.

157 PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCB). “Projeto de Programa do Partido Comunista do Brasil”. Voz

perniciosas para elas), representariam mais um elemento de avanço nos direitos das mulheres, ainda que indiretamente. Por fim, a garantia de laicidade do Estado, cuja inexistência, no caso brasileiro, acarretava impactos diversos nos direitos da população, sobretudo das mulheres: desde a proibição do divórcio baseada no preceito religioso da insolubilidade do matrimônio, à total submissão da mulher no casamento e no ambiente familiar como um todo e a proibição de controle da própria fecundidade (incluindo a negação do direito ao aborto)158, toda uma gama de políticas de Estado e de governo eram lastreadas e justificadas pela moral judaico-cristã reforçada pela ostensiva presença da Igreja Católica nos assuntos do Estado.

Todos esses temas animaram os debates ao longo dos meses, tanto na seção “O Povo debate o Programa do PCB” quanto na “Tribuna de Debates”. Foram diversas as cartas envidas à redação do Voz Operária159 saudando a proposta de Programa do PCB e, em especial, como essa valorizava a emancipação da mulher, como destaca esta carta de Benedita G. de Oliveira, de Bauru-SP:

Como mulher, defendo o Programa porque é o único que reconhece os direitos da mulher, o único que assegura a emancipação da mulher brasileira. Tenho grandes dificuldades em explicar as cousas porque tenho pouca instrução, quase nenhuma. Mesmo assim, com minhas poucas palavras, acho de minha obrigação divulgar o Programa.160

“Nem monges, nem D. Juans”

Os debates congressuais não se restringiam ao programa. O CC também incluiu uma proposta de novo estatuto para o partido na ordem do dia. Segundo o informe apresentado pelo secretário do CC161 João Amazonas,162 as modificações propostas ao antigo estatuto foram

158 O Código Penal de 1940 havia aberto um permissivo legal que descriminalizava o aborto: quando a gestação

era decorrente de estupro, em todos os demais casos, era considerado crime passível de prisão tanto para a gestante, quanto para quem realizasse o procedimento.

159 Cf. “O Programa do PCB - Novas Perspectivas Para A Mulher Brasileira”. Voz Operária nº249, Rio de Janeiro,

20/02/54, p.10; SILVA, Valério. “Façamos do Programa nossa bandeira de luta”. Voz Operária nº254, Rio de Janeiro, 27/03/54, p.04; REGINALDO, Maria. “O Programa do Partido e a Mulher Brasileira”. Voz Operária nº255, Rio de Janeiro, 03/04/54, p.04; AMARAL, Ofélia. “Organizar Novas Bases Femininas e Fortalecer as atuais para ganhar as grandes massas femininas para o Programa do Partido”. Voz Operária nº257, Rio de Janeiro, 17/04/54, Suplemento, p.01; SOUZA, Sebastiana. “O Programa ensina e conclama à luta”. Voz Operária nº261, Rio de Janeiro, 15/05/54, p.04; PICINGHER, Yolanda. “A participação das mulheres nas lutas do povo brasileiro” Voz Operária nº271, Rio de Janeiro, 24/07/54, Suplemento, p. 03.

160 OLIVEIRA, Benedita G. “A obrigação de divulgar o Programa”. Voz Operária nº267, Rio de Janeiro, 26/06/54,

p. 04.

161 Na hierarquia do PCB — bem como de grande parte dos PCs leninistas —, “secretário do Comitê Central” é

um alto cargo que geralmente compõe o Presidium ou Secretariado, estando abaixo apenas do secretário- geral. Ele se difere dos demais membros do Comitê Central por possuir papel executivo no cotidiano partidário e, por conseguinte, concentrar mais poder.

162 “Uma histórica reunião do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil”. Voz Operária nº244, Rio de

feitas “principalmente à luz dos Estatutos do Partido da URSS aprovados no XIX Congresso do PCUS”163 e em consonância com “as novas experiências adquiridas pelo Partido na luta pela

paz, a independência nacional, a democracia e o socialismo.”164 Este versava, naturalmente, sobre as normatizações internas da agremiação: seus fóruns, dos direitos e deveres do militante comunista, do papel das instâncias dirigentes, das organizações de base, da disciplina partidária etc.

Na proposta de novo estatuto, desdobrando o item 3, que tratava dos deveres do membro do partido, liam-se os seguintes subitens:

d) Trabalhar constantemente para elevar o próprio nível político e ideológico, assimilar os princípios do marxismo-leninismo;

e) Observar a disciplina do Partido, igualmente obrigatória para todos os membros do Partido, independentemente de seus méritos e cargos que ocupam;

f) Desenvolver a auto-crítica e a crítica, apontar os defeitos do trabalho do Partido, lutar e conseguir a eliminação dos erros e debilidades

g) Ser sincero e honesto para com o Partido, não permitir que se oculte ou desvirtue a verdade;

h) Dar prova de vigilância política e de firmeza diante do inimigo de classe [...]165

Estes pontos trazem implícita uma determinada conduta para além da atuação política, implicam, antes, uma conduta moral esperada do membro do partido, ou uma moral comunista. Este tema, da moral comunista, vinha ganhando algum espaço nas páginas da imprensa partidária, em grande medida inspirado pelo debate soviético. A publicação d’A Formação da Moral Comunista de N. Boldyriev pela Editorial Vitória, em 1952, ilustra esse movimento. Folheto editado originalmente pela Sociedade de Divulgação dos Conhecimentos Políticos e Científicos da URSS, ele “fundamenta a essência da moral comunista e suas características fundamentais e traça as diretrizes básicas e métodos de educação da moral comunista.”166

Na Tribuna de Debates, este tema é debatido com centralidade por dois destacados dirigentes do CC: Mário Alves e Maurício Grabois. Em seu texto, o primeiro afirma que no novo estatuto proposto

163 AMAZONAS, João. “As modificações no Estatutos do PCB”. Voz Operária nº244, Rio de Janeiro, 16/01/1954,

Suplemento p. 03.

164 Ibidem.

165 “Projeto de Estatutos do Partido Comunista do Brasil”. Voz Operária nº244, Rio de Janeiro, 16/01/1954,

Suplemento p. 01.

as exigências relativas à moral do Partido, a moral comunista, estão expostas também com maior justeza. Nos estatutos anteriores estas questões eram colocadas apenas do ponto de vista disciplinar e não como deveres dos membros do Partido.167

Grabois comungava da mesma posição, ao defender ser “nossa obrigação nos formarmos dentro dessa moral. Trata-se de um problema eminentemente ideológico [...] a formação nos princípios da moral comunista é parte decisiva da luta pela assimilação da ideologia socialista.”168

Todavia, restava a “moral comunista” algo ainda pouco claro para o conjunto da militância. Coube à redação do Voz Operária destrinchar, ao longo de uma página inteira do suplemento da Tribuna de Debates do 4º Congresso, o que seria a “moral comunista” e sua relação com o estatuto partidário:

A moral comunista, proletária, é um conjunto de regras e normas que determinam a conduta dos militantes do Partido em sua luta pela vitória da Revolução. O comunista parte do princípio de que é moral tudo aquilo que contribui para a destruição da atual sociedade e a construção da nova sociedade. Seguir, portanto, os preceitos da moral comunista é, em primeiro lugar, enquadrar a nossa vida de acordo com os interesses do povo brasileiro, do Partido e da Revolução.

A moral é uma forma de consciência social. É parte integrante da ideologia. É o cerne, a medula da ideologia. A moral, em última análise, orienta a ação do indivíduo e, sem nosso caso, o comportamento do militante. [...]

[...] Os comunistas que atuam nos países sob o jugo do imperialismo e da opressão feudal, como o nosso, não estão imunes à influência da ideologia da sociedade em que vivem. Precisamos, por isso, combater a influência das ideologias estranhas nas fileiras do Partido, combater em nós mesmos os princípios e conceitos da moral burguesa, típicos da sociedade em que se baseia a propriedade privada: o

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