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Antes de analisarmos as Frentes Negras e os Congressos realizados, convêm demonstrar como entendemos a representação dos espaços físicos onde foram feitas essas atividades, já que os consideramos referenciais para a sociedade brasileira no momento de seus acontecimentos, independente do grupo étnico e social que propôs os Congressos, pois acreditamos que o que deve ser pensado, em última instância, é a contribuição que cada um deles acrescentou para a existência pacífica, mas logicamente sem perfeições, e mais interpretável, para a formação de nosso país ao longo de nossa história contemporânea. Tratamos, neste caso específico, dos Congressos que tiveram como temática a identidade do grupo negro culturalmente, socialmente e politicamente constituído.

Metaforicamente, intitulamos os espaços físicos de realização dessas atividades de “oásis”, pois neles ocorreram momentos de “cultivo”, “descanso” e reflexão das idéias em torno da temática afro-brasileira e negra, em períodos tumultuados de nosso país.

Em contrapartida, reconhecemos que existem os “desertos” nas relações humanas, principalmente na sociedade brasileira, cujo principal desafio consiste em tratar igualmente e respeitando as diferenças culturais, políticas e sociais na teoria e principalmente na prática, de negros e brancos, pobres e ricos, homens e mulheres, o que acreditamos ser um desafio em uma estrutura concebida por séculos na escravidão, má distribuição de renda e intolerâncias diversas. Ou seja: esse “oásis” que estamos fazendo referência, somente passou a existir em decorrência dos esforços e perseveranças dos homens que lutaram por um mundo melhor. Nesse sentido identificamos nessa dissertação, como “desertos” o racismo, preconceito e as discriminações sofridas por qualquer ser humano, neste caso, conforme citado anteriormente, mazelas que atingem diretamente a população negra.

Mas o que seriam dos “oásis” sem os “desertos” em se tratando dos assuntos humanos? Como teríamos parâmetros comparativos se passarmos despercebidos pelas dificuldades do “deserto” como sentir calor excessivo, sede, fome e no terreno social, político e cultural convivermos com agressões, racismos, violências e intolerâncias sem nos importarmos uns com os outros? Certamente acreditamos que são corajosos os que agem nessas condições, pois é a

partir dessas dificuldades que se formaram estes “oásis”, e conforme Arendt (2006, p.183) se faz política.51

Nesse sentido, pretendemos também demonstrar como esses encontros/oásis se tornaram marcos referenciais para nosso estudo sobre temas referentes às questões negras, no momento de suas respectivas realizações para a sociedade brasileira.

Na intenção de apontar algumas “balizas” norteadoras da narrativa nesse momento, serão levantados questionamentos para respondermos e, conseqüentemente, localizarmos informações de como foram se desenvolvendo os grandes encontros sobre as questões negras, de caráter nacional em nosso país, entre 1931 e 1958.

Portanto, perguntamos em um primeiro momento: qual a influência da Frente Negra para o entendimento das atividades de caráter nacional sobre o negro em nosso país no período proposto? Quais os principais congressos que ocorreram no Brasil entre 1934 e 1958?

A fusão de questionamentos entre a importância da Frente Negra e os Congressos são “frutos” ocorridos perante uma situação historicamente constituída; já que seria impossível, em nosso entendimento, pensar e analisar a temática afro-brasileira e negra, em nível nacional, em seus aspectos históricos, sem mencionar uma organização que existiu nas principais regiões do Brasil e que teve participação direta nos Congressos realizados.

No intuito de responder tais questionamentos, serão utilizados para fundamentar a nossa analise os conceitos de lugar social52, política53 e democracia racial54, o que propiciará um

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A metáfora de oásis e deserto foi pensada a partir da leitura de Hanna ARENDT, pois a autora utiliza esses termos para refletir a condição humana que é mantida através desses desafios, segundo a autora: “...o deserto é o mundo sob cujas condições nós nos movemos...dependendo da situação, talvez sejam necessárias a capacidade de sofrer, a virtude do suportar ou a coragem para agir. Em termos genéticos, que a esperança repouse sobre aqueles que vivem apaixonadamente sob as condições do deserto e que podem agir com coragem: pois o que eles fazem, é político”. ARENDT, H, 2006, p.183.

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CERTEAU, Michel De. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2006. O que denominaremos por lugar social nessa dissertação são as organizações negras de caráter nacional e os congressos, encontros e convenções nacionais, ocorridas no Brasil entre 1931 e 1958. Os lugares Sociais específicos são: As Frentes Negras paulista, baiana, pelotense e pernambucana, o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, Segundo Afro- Brasileiro, Teatro Experimental do Negro, União dos Homens de Cor, Primeira e Segunda Convenções do Negro, Primeiro Congresso do Negro, Teatro Popular Brasileiro e Primeiro Congresso Nacional do Negro e Sociedade Beneficente Floresta Aurora.

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ARENDT, H. O que é política? Fragmentos das obras Póstumas Compilados por Ursula Ludz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

melhor entendimento teórico de nosso objeto, restrito às iniciativas e propostas efetuadas durante essas reuniões, além de uma bibliografia pertinente que nos permita elucidar e compreender a organização e desenvolvimento destes encontros.

Outros dois conceitos importantes para o desenvolvimento de nossa narrativa serão os de

intelectuais tradicionais e intelectuais orgânicos.55 A necessidade de suas utilizações incide em um motivo pontual, que é a abordagem teórica da organização desses congressos, pois, para entendermos as motivações que engendraram as suas realizações, devemos conhecer quem foram os proponentes dessas atividades, como os dirigentes e idealizadores, buscando uma aproximação interpretativa e compreensiva de como os mesmos pensavam.

Nesse momento, é importante mencionar os Congressos que ocorreram em nosso país e contribuíram, através da produção de teses, debates culturais, políticos e sociais, para a história da comunidade negra. Os espaços físicos, utilizados para tais atividades, serão denominados por nós de lugar social. Conforme Certeau:

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar social de produção sócio-econômica, político e cultural. Implica um meio de elaboração que circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. (...) é em função deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões que lhes serão propostas, se organizam. (CERTEAU, 2006, p.66-67).

Através da utilização do conceito de lugar social complementamos o subtítulo desse item, pois é a partir desse lugar - os Congressos sobre a temática afro-brasileira e negra -, que passaram a existir os métodos e que também foram elaborados os registros escritos, por seus participantes, influenciando diretamente nas formas de pensar de pesquisadores sobre esta temática, sejam eles acadêmicos ou militantes do movimento negro.

Interpretações culturais, sociais e políticas do que entendemos e conhecemos sobre a

identidade negra brasileira foram constantes nestes lugares, seja esta pensada por outros grupos

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Mito relacionado com a idéia de que no Brasil existi uma harmonia sobre as relações raciais e que brancos, índios e negros tenham as mesmas oportunidades de ascensão social. Para saber mais ver Nilma Lino Gomes, no artigo: Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre as relações raciais no Brasil: uma breve discussão. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03.p 56-59.

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sociais, através de sua contribuição para a cultura nacional, ou seja, esta identidade pensada, pelo próprio grupo negro de maneira positiva para superar as dificuldades enfrentadas cotidianamente após a abolição da escravidão.

Foram justamente as interpretações culturais, sociais e políticas sobre como entendemos a identidade negra em nosso país, o tema que incidiu diretamente nos interesses de pessoas letradas que produziram propostas através de documentos nesses congressos, sejam eles: anais de pesquisas, jornais, livros, pautas de reuniões, cartas, etc. Evidências que nos esforçaremos para demonstrar em nossa dissertação, já que foram estes materiais produzidos os responsáveis por preservar diretamente esta história, da mesma forma legitimando os respectivos encontros. Nesse sentido, podemos perceber como cada congresso contribuiu de maneira dinâmica, em se tratando do contexto de sua realização, para o (re) conhecimento da identidade negra na formação do Brasil.

É importante salientar que nessas reuniões inexistia o caráter separatista ou isolacionista entre grupos étnicos, instâncias políticas, etos religiosos ou coisas do gênero, pelo contrário, eram altamente “integracionistas”, pois pleiteavam, através da ordem legal estabelecida, a inserção político social e cultural do negro no país, como preconizavam as Constituições vigentes.

A Constituição de 1891 dispunha apenas: “Todos são iguais perante a lei”. A Constituição de 1934 dizia: “Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivos de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas” (art.113, alínea I). Já a Constituição de 1946, artigo 141, ofereceu as bases dos direitos individuais à “vida, liberdade, segurança e propriedade pessoal”, enquanto estabelecia novamente: “todos são iguais perante a lei”. (Davis, 2000, p.39).

Devemos entender que embora estes encontros primassem por ser uma iniciativa conjunta entre diversos pensamentos, salientamos que através de seus organizadores existiram sim interesses específicos, sejam estes ligados aos aspectos culturais, partindo da contribuição e influência negra em nossas tradições, sociais, para o negro atingir a plena cidadania, e até assuntos políticos partidários, para arregimentar votos. Ou seja: o principal objetivo desses encontros, realizados no seio específico de uma organização negra ou organizado em um lugar

social como os Congressos e Convenções, foi a integração prática do negro, através dos aspectos

iniciativas foram políticas, independente de terem reforçado o futuro “mito da democracia racial” brasileira, como desenvolvermos mais adiante e que propomos “descortinar” através destes “oásis”.

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