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2.5 O ónus da prova

2.5.3.2 O ónus da prova da culpa em sede de reversão da execução fiscal

Centremo-nos, agora, no caso da responsabilidade por dívidas de outrem e consequentemente, nos artigos 20º, 22º e 23º da L.G.T..

Se no âmbito de uma execução fiscal existir “fundada insuficiência de bens penhoráveis”, opera contra o responsável subsidiário a reversão. Isto é, nos termos do artigo 23º, nº 2 da L.G.T., perante a insuficiência de bens do devedor originário, o processo executivo reverte a favor de outro devedor, o devedor subsidiário.

Pelo exposto, conclui-se desde já, o carácter subsidiário, deste tipo de responsabilidade, a qual tem como pressuposto essencial a insuficiência de bens do devedor originário.

O responsável solidário goza do benefício da excussão prévia, sendo que, a reversão no processo de execução fiscal só pode operar depois de esgotados os bens do devedor originário.68

Atente-se ainda à previsão do já referido artigo 23º, nº 3 da L.G.T. que estabelece que, perante a impossibilidade de determinar a suficiência dos bens penhoráveis – por não estar definido o montante a pagar pelo responsável subsidiário – o processo de execução fique suspenso, até à completa excussão dos bens do executado.

A reversão, não opera sem mais. Uma vez verificados tais requisitos, a reversão depende de despacho proferido pelo órgão da Administração Tributária que dirige a fase administrativa do processo de execução fiscal e que a ordena. Trata-se de um verdadeiro acto administrativo, do qual deve ser citado o responsável subsidiário, com indicação dos meios e respectivos prazos de defesa.

O artigo 24º da L.G.T. prevê a responsabilidade “dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos‖ incluindo nos mesmos os “administradores directores e gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas”.

68 Ver ainda, Vânia Patrícia Filipe Magalhães, “ O (Des)privilégio do Beneficum Excussionis do Responsável Tributário Subsidiário.”,

O regime anterior, constante do artigo 13º do C. P. T., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei 154/91 de 23 de Abril dispunha que, “Os administradores, Gerentes e outras pessoas, que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de gerência a seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.”. A prova da culpa não cabia à Administração Fiscal, mas sim ao revertido, o qual teria que demonstrar a inexistência de culpa, na insuficiência patrimonial que impediu o pagamento por parte da pessoa colectiva dos tributos a que estava obrigada e não a culpa na falta de pagamento.69

Sobre os gerentes/administradores recaía uma presunção de culpa na diminuição do património da sociedade – artigo 13º do C.P.T. – pelo que, a estes cabia ilidir tal presunção. Esta presunção de culpa constante do artigo citado foi alvo de várias críticas no que respeita à sua conformidade com a C.R.P., mais concretamente com os princípios da proporcionalidade e proibição do excesso, basilares do sistema fiscal. Com efeito, tais vozes críticas entendem que: “a inversão do ónus da prova da culpa do gestor seria uma regra injusta porque feriria gravemente os valores subjacentes à ordem jurídica sem que houvesse suficientes interesses dignos de tutela que o justificassem, violando os artigos 2º e 266º, nº 2 da CRP”.70 Esta é a opinião de Diogo Leite Campos que alarga ainda a crítica a esta norma ao entender que a mesma viola ainda o princípio constitucional da capacidade contributiva, pois a inversão do ónus da prova, quanto à inexistência de culpa na diminuição do património da sociedade, representa um “encargo excessivo (…) transmutando o responsável subsidiário num verdadeiro sujeito passivo subsidiário, violando também o princípio da capacidade contributiva uma vez que os gestores já pagaram o imposto correspondente aos rendimentos auferidos nessa qualidade, pela liquidação de IRS.”.71, 72

69

Também no direito fiscal francês, existem casos de presunção de culpa: “ Lorseque ce mode de preuve est utilisé, il constitue une

présomption légale qui, conforment à l’article 1352, alínea 2, du Code Civil ― dispense de toute preuve celui au profit duquel elle existe.‖ L’adminitration disposent de cette présomption légale, est donc dispensée de prouver que la déclaration est effectivement inexacte.‖ Marc

Baltus et Françoise Baltus, “ Quelques anomalies et curiosités das de regime de la preuve en matière fiscale” , Ed. Liber Amicorum, Bruylant, Bruxelas 2002, pág. 16.

70

Sofia de Vasconcelos Casimiro, “ Responsabilidade dos gerentes, administradores e directores pelas dívidas tributárias das sociedades comerciais”, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 91.

71 Sofia de Vasconcelos Casimiro, “ Responsabilidade dos gerentes, administradores e directores pelas dívidas tributárias das sociedades

comerciais, Op. cit. pág. 95

72 ― (…) no tocante a administradores ou gerentes de sociedades em situação deficitária, o ónus de alegação e prova da culpa para a satisfação dos créditos do Estado ou da Segurança Social, passou a caber à Fazenda Nacional e não ao revertido.‖ J.A. Seabra de

Actualmente, o artigo 24º da L.G.T., com a redacção do Decreto – Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro e Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro determina que: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estes e solidariamente entre si. a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação. b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável falta de pagamento (…).”. Do exposto resulta que, no caso previsto na alínea a) da norma transcrita é a Administração Fiscal que tem o ónus de provar que o revertido teve culpa na insuficiência do seu património, por outro lado, no caso previsto na alínea b), da referida norma é ao revertido que compete provar que a falta de pagamento não lhe foi imputável.

O já citado Ac. do T.C.A. Sul, de 29/9/2009, nº 03071/09, esclarece que, é à Administração Tributária que cabe fazer prova da culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade, sendo que, quando não o faça a causa será improcedente. Não se conformando com a decisão que julgou improcedente a oposição à execução fiscal, proferida pelo T.A.F. de Loulé, a recorrente veio alegar que: “Para que a reversão pudesse ocorrer contra o oponente, necessário se tornava que o despacho que a determinou se mostrasse, devidamente, fundamentado, isto é, plasmado a matéria de facto que o determinou quanto a todos os seus pressupostos legais, revelando quais os elementos em que a Administração Fiscal se baseara para concluir, não só pela inexistência de bens penhoráveis à primitiva executada, mas, também, uma vez que a si lhe cabia tal ónus, demonstrativos de que o oponente, para além de gerente de direito, também o fora de facto e que fora por culpa sua que se verificara a inexistência desses bens, para que este, confrontado com tais elementos, os pudesse contraditar.”. A decisão em análise vem explicar que, face ao exposto, o oponente sempre poderia alegar e provar a existência de bens da executada originária, suficientes para solver a dívida exequenda, “cujo ónus da prova assim lhe pertencia nos termos do disposto no nº1 do artigo 74º da LGT, tendo em vista infirmar factualidade contrária à apurada em sede do mesmo despacho de reversão, e se o conseguisse, então seria a oposição de julgar procedente, por erro nos pressupostos de facto de tal despacho.”. O recurso do oponente foi julgado improcedente. Quanto ao recurso da Fazenda Pública, veio este recair sobre a decisão

do tribunal a quo, que deu como provado o exercício da gerência de facto até à data de destituição do gerente e não posteriormente. A Fazenda Pública pretende que o oponente seja responsabilizado pelo IRC exequendo durante todo o período de tempo em que o mesmo foi gerente, desde 1/1/2003 a 3/7/2003. A decisão deste tribunal superior vem afirmar que “a recorrente nenhuma prova veio trazer quanto a esta matéria, antes imputou tal ónus probatório ao próprio oponente, não cumpriu com o ónus probatório que sobre si impendia (…) quanto à dívida cujo facto tributário ocorreu no período da gerência do oponente, pelo que, a causa não pode ser julgada contra si, com o improvimento do recurso e a manutenção da sentença recorrida (…) hoje para as dívidas abrangidas pela alínea a) do artigo 24 (CIRS) se a AT não cumpre com o ónus probatório que sobre si recai de demonstrar que foi por culpa do revertido que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação, não responde por tal pagamento e a oposição não pode deixar de proceder por o mesmo não ser responsável pelo pagamento de tal dívida.” Pelo que, improcede também este recurso.

2.5.4 Conclusões intermédias

A definição do princípio do ónus da prova difere, no que respeita ao direito processual civil e ao direito processual penal, mas é semelhante no que respeita ao direito processual civil e ao direito tributário.

Esta diferença na definição do princípio advém da diferença da natureza dos processos.

O princípio do ónus da prova impõe-se aos processos “de partes” (nos quais vigora o princípio do dispositivo), ou seja, aos processos em que as partes estejam em pé de igualdade, em que as partes tenham acesso aos mesmos meios probatórios e estabelece a regra basilar do direito probatório, a qual impõe àquele que alegue um direito, a necessidade de provar os factos por si alegados.

Esta obrigação de “fazer prova” dos factos alegados desaparece, caso exista uma presunção legal a favor daquele que invoca o direito. Esta definição do princípio do ónus da prova, não se coaduna com o direito processual penal, no qual este não aparece definido de forma expressa nem é imposto a nenhum sujeito processual.

Sobre o Arguido recai o princípio da presunção da inocência; o ónus probatório, a existir no âmbito do direito processual penal poderá ser entendido como a necessidade da

prova dos factos constantes da acusação (pelo Ministério Público) para que exista condenação.

No direito processual tributário (de natureza e tramitação) semelhante ao processo civil, contribuinte e Administração tributária encontram-se em pé de igualdade. O princípio do ónus da prova recai sobre aquele que invoca o direito, mas há excepções nos casos em que sobre o sujeito processual recai uma presunção legal, como por exemplo da Administração a quem cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável, por contraposição à presunção de veracidade de que gozam as declarações do contribuinte. E também o caso do ónus da prova da culpa em sede de reversão, o qual cabe à Administração no que respeita à prova da insuficiência de bens e ao contribuinte, no que respeita à inexistência de culpa pela falta de pagamento dos tributos.

2.6 O princípio do contraditório