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3 O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PROBATÓRIO E DA PROVA

3.2 A prova no Direito Processual brasileiro

3.2.1 O ônus probatório

Precipuamente, o processo é uma busca pela verdade, de forma que existe uma necessária conexão entre a função da prova e a função do processo89. Partindo desse

pressuposto, o juiz deverá alcançar o resultado, a decisão mais justa e fundamentada e não somente decidir, baseando-se na nos fatos da causa, que é o verdadeiro núcleo essencial da solução da controvérsia jurídica.90

Logo, se o processo é uma demanda pela veracidade, ele traz consigo uma atividade para as partes, especificamente no caso do Processo Civil no Brasil, para quem alega, sob pena de ter infrutífera sua demanda. Assim, a carga jurídica seria: “ (...) la conveniencia para el sujeto de obrar de determinada manera a fin de no exponerse a las consecuencias desfavorables que podría ocasionarle su omisión.” 91

Portanto, dentro do conceito do ônus probatório, o processo é uma sequência ordenada de atos no qual a parte terá que escolher fazer o que a lei determina para ter o resultado

88 “Reitere-se, por fim, que os fatos afirmados por uma das partes para fundamentar sua pretensão só se

tornam objeto de prova quando contrariados pela outra parte. Se não negados, permanecem como ponto (i.e., fundamento de uma alegação referente ao mérito da causa), que, de ordinário, não reclama demonstração probatória.”. Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v.1, 56 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1073. (ebook, s.n.t.)

89 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v.1 , 56 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2015. p. 1074. (ebook, s.n.t.)

90 “Esto es así no sólo desde el punto de vista práctico (los abogados expertos saben bien que muchos casos se

ganan o se pierden «en los hechos», tanto en materia civil como penal), sino también desde el punto de vista más general de la justicia de la decisión, para la que es condición necesaria que los hechos se determinen de forma verdadera (ninguna decisión justa puede basarse en hechos erróneos, decía Jerome Frank. Sobre la verdad de los hechos como condición de justicia de la decisión me remito a mi trabajo Idee per una teoria della decisione giusta, en Riv. trim. dir. proc. civ., 1997, pp. 315 ss.). Cf. TARUFFO, Michele. La prova de los hechos. Traduzido po Jordi Ferrer Beltrán. 2ª edição. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p.250-251

pretendido de sua demanda, sob pena do seu processo ser extinto, ou ter uma sentença desfavorável para si ao seu término92:

A lei processual diz, em suma, à parte: se queres obter o resultado x, deves cumprir o ato a com a modalidade m; se, ao contrário, queres obter o resultado y, deves cumprir o ato b com a modalidade n; se queres obter o resultado z, deves cumprir o ato c com a modalidade o. Obviamente, se o ato a não é cumprido com a modalidade m, o resultado x não é alcançado, e assim também o resultado y não é obtido se o ato b não é cumprido com a modalidade n, e o resultado z não é alcançado se o ato c não é cumprido com a modalidade o.

A partir dessa definição tem-se a controvérsia se o ônus probatório é um dever, um direito ou uma ação positiva e necessária para a continuação do processo. As opiniões são divergentes, pois para Roland Arazi, a carga é uma instituição autônoma que integra a teoria geral do direito93; para Eduardo Couture a carga de la prueba é um impulso do interesse da

parte94:

No hay propiamente averiguación, porque la carga de la prueba es, por definición, "un imperativo del propio interés", El legislador compele al litigante a probar sus proposiciones, bajo la amenaza de no ser creído. Y siendo así, siendo la carga un impulso del interés, la actividad probatoria puede cesar cuando el interés decae

O autor critica a visão de James Goldschmidt de que a inatividade processual, ou seja, o não cumprimento com o ônus processual, é contrária ao imperativo do próprio interesse95 da

parte. Para Michelle Tarufo, o legislador aproveita o interesse das partes para dirigir o processo visando a obtenção de uma finalidade geral, o que atribui ao ônus da prova uma função latu sensu epistêmica: “se as partes fizerem o que ela prevê, será apurada a verdade dos fatos"96

O princípio da Carga de la Prueba indica que o juiz deve basear sua decisão no ônus de quem deve provar, ou seja, quando a parte alega determinado fato e tem a obrigação de prová-lo e não apresenta provas, ou as mesmas sejam insuficientes, o processo deve ser decidido a favor da parte contrária,97 fazendo com que nenhum processo tenha a possibilidade de não ter

92 TARUFFO, Michelle. O ônus como figura processual. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP.

Volume XI, n.11. 2013 p. 423. Disponível online em http://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/18079, último acesso em 15 fev. 2018.

93 ARAZI, Roland. La prueba en el processo civil. 2 ed. Buenos Aires: Ediciones La Rocca, 1998. p. 88

94COUTURE, Eduardo J. Estudios de derecho procesal civil.tomo II. Buenos Aires: Ediar. 1948. p. 187

95 GOLDSCHMIDT, James. Derecho Procesal Civil. Traduzido por L. Prieto Castro. Barcelona: Editorial

Labor. 1936. p. 208

96 TARUFFO, Michelle. O ônus como figura processual. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP.

Volume XI, n.11. 2013 p. 425. Disponível online em http://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/18079, último acesso em 15 fev. 2018.

uma decisão final. Nesse sentido o ônus probatório indica uma regra de decisão para o processo e evita o non liquet.98

De acordo com o artigo 373 do Código de Processo Civil o autor tem o ônus probatório quanto ao fato constitutivo de seu direito, e o réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Isso indica dizer que o autor ao provar as alegações do fato que fundamenta sua lide transfere todo o ônus probatório ao réu; por sua vez, se este apresenta uma defesa indireta, trazendo aos autos do processo um fato que altere ou exclua as consequências jurídicas do fato apresentado na exordial, o ônus probatório será invertido para o autor da ação.99

Dessa forma, diferente dos deveres probatórios (que são aplicáveis não só a autor e réu, mas a terceiros, Ministério Público e ao magistrado), o ônus da prova tem a finalidade de indicar as partes sobre o seu comportamento no processo, dando ciência do que ocorrerá na decisão final caso não provem o que a lei determina, e ao mesmo tempo servindo de fundamento ao magistrado de como decidir mesmo em caso de dúvida sobre os fatos juridicamente relevantes, funcionando como uma regra de “fechamento do sistema”.100

Tendo em vista que as partes têm o ônus de provar no processo para não terem uma decisão judicial contrária ao seu interesse, o juiz deve decidir e fundamentar sua decisão a partir das provas apresentadas, estabelecendo o valor de cada uma através do princípio da persuasão racional, tendo em vista que as provas não têm um valor preliminar já determinado. Assim, o magistrado pode através do seu livre convencimento, se valer de qualquer evidência que se apresente no processo para justificar sua decisão e ainda fundamentar a importância de cada prova.101 A convicção do juiz fica condicionada aos fatos nos quais se funda a relação jurídica

controvertida; às provas desses fatos, colhidos no processo; às regras legais e máximas de experiência; e o julgamento deverá sempre ser motivado102 conforme a própria previsão do

artigo 371 do Código de Processo Civil.

Por fim cabe ao magistrado não somente decidir e fundamentar o processo, mas também perceber quando as provas apresentadas pelas partes são insuficientes para o seu

98 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v.1 , 56 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2015. p. 1088. (ebook, s.n.t.)

99 Ibid., p. 1091

100 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sergio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo

Civil: Tutela dos direitos mediante procedimento comum. v.2. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015. p.259

101 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sergio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo

Civil: Tutela dos direitos mediante procedimento comum. v.2. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015. p.290

102 AMARAL SANTOS, Moacyr. Prova judiciária no cível e comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1971,

julgamento final, na forma do artigo 370 do CPC: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”103. Nessa perspectiva, o

legislador colocou para o juiz uma imposição de não atuar apenas como um espectador do processo, cabendo também a ele ônus de produzir as provas no curso do processo.104