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3- A REGIÃO METROPOLITANA E OS RECURSOS HÍDRICOS

3.1 O abastecimento de água de 1800 a 1900

Em 7 de setembro de 1822, quando Dom Pedro I, proclamou a Independência do Brasil às margens do riacho lpiranga, já era possível notar a riqueza hidrográfica, da região. Recortando a paisagem, os córregos Jaboticabal, Cacareco, Capão do

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Reino e Moinho Velho percorriam uma área, na qual corria o Ipiranga (SANT´ANNA, 2007).

Imortalizado pelo Hino Nacional, esse curso d’agua abrigava diversos peixes, possuía um volume regular de água e, paralelo a uma estrada de terra, atravessava um trecho praticamente desabitado da cidade.

Segundo Sant’anna (2007, p. 17)

Nas listas de população de 1825, consta que no caminho denominado Piranga - região do lpiranga - havia uma casa, pertencente ao porta-estandarte de milícias José Antônio Mariano.

São Paulo de Piratininga foi o centro da primeira comunidade brasileira voltada mais ao rio do que ao mar. Ponto de cruzamento de caminhos, São Paulo tem uma história diretamente relacionada a rios como o Tietê, Tamanduateí e o Pinheiros. Com 1.150 quilômetros de extensão, a história do Tietê, que vai da navegação indígena, passando pela experiência das monções e exploradores do sertão que o utilizaram como meio de transporte na busca do ouro, aos primeiros trabalhos destinados à sua retificação. O rio Tietê, diferentemente de outros rios, nasce na Serra do Mar, no município de Salesópolis, e se volta para o interior do estado, alcançando o rio Paraná na divisa com Mato Grosso do Sul. Como se fugisse do mar rumo ao interior do estado, o Tietê tem sua historia ligada à história local e de toda a Capitania (SANT´ANNA, 2007).

Ele também serviu como meio de transporte para muitos moradores de São Paulo e às diversas migrações. Nas margens do rio Tiete é que surgiram os primeiros cafezais paulistas no ano de 1788. Na chácara da Casa Verde pertencente ao marechal José Arouche era colhido o café para o consumo da família (SANT´ANNA, 2007).

Outro rio fundamental à cidade de São Paulo foi o Tamanduateí, com nascentes também na Serra do Mar, em São Bernardo do Campo. Em varias ocasiões ele

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representou um problema para as autoridades públicas, devido às inundações freqüentes na extensa planície à direita de seu curso. As primeiras intervenções importantes sobre esse rio datam do século XVIII. Em 1821 sua retificação foi projetada pelo major de engenheiros Pedro Moreira. As obras não foram executadas devido ao alto custo (BRUNO, 1954).

A vila de São Paulo era abastecida por cerca de 1500 córregos e ribeirões afluentes do rio Tietê antes de serem soterrados (SANT´ANNA, 2007).

Segundo Sant’anna (2007, p. 35):

O memorialista Afonso de Freitas, sublinhou que na década de 1860, 80% da água coletada pelos moradores pobres da capital não vinha dos chafarizes e sim da coleta direta dos rios e da venda dessas águas feita pelos aguadeiros, que percorriam a cidade com uma carroça e uma ou duas pipas repletas de água proveniente,em geral, do Tamanduateí e do Lavapés. Dessa forma, os rios representavam o principal meio de subsistência dos paulistanos.

Logo depois de 1870, apesar de serem edificados alguns chafarizes (Figura 5), eles e mais as bicas não forneciam ainda o líquido necessário a população. As queixas e os protestos como em meados do século continuavam ocorrendo. No ano de 1878, começou a ser construída na Consolação a caixa de abastecimento para o serviço que passava a ser feito pela Companhia Cantareira, com o aproveitamento de novos mananciais (BRUNO, 1954).

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Fonte: BRUNO, 1954 Figura 5 - Bebedouros no largo São Francisco no começo do século XX.

Em 1882 já estavam abastecidos alguns chafarizes, e no ano seguinte já se entregava ao uso dos moradores os esgotos do distrito da Luz. Mas muita gente ainda continuava recorrendo às fontes naturais e às Casas de Banho. E mesmo na zona servida pela Cantareira, onde já havia instalações sanitárias, eram muitos os conservadores mais ferrenhos que continuavam se utilizando das antigas cloacas (BRUNO, 1954).

Em 1893 o serviço de abastecimento passou da Cantareira para o governo do Estado, quando foi fundada a Repartição de Águas e Esgotos. Mas contando apenas com duas adutoras: Ipiranga e Cantareira (BRUNO, 1954).

Nos últimos anos do século XIX e nos primeiros do século XX, começou a se ampliar consideravelmente a rede de distribuição de água. No entanto, apesar da construção de novos reservatórios na Consolação, no Araçá e no Belenzinho, graves crises no abastecimento se registraram em 1903 e em 1910. O

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crescimento extremamente rápido da cidade impediu a solução de mais esse problema (BRUNO, 1954).

Em 1872 o inspetor geral das obras públicas enviou um ofício, solicitando à Câmara um orçamento para a canalização de água potável para o pátio do

Colégio, onde deveria ser feito um chafariz com três torneiras, e da Rua do Comércio até o largo de São Bento, onde seriam colocadas sete torneiras.

Segundo Bruno (1954, p.1118):

No ano seguinte foi aprovada a indicação de um vereador para que fosse construído no largo de São Gonçalo um chafariz com uma caixa contendo, duas torneiras e ramificando a água pelos pontos mais convenientes da cidade por meio de seis torneiras que seriam colocadas do seguinte modo: uma nos Quatro Cantos, outra no largo de São Francisco, outra no do Carmo, outra no do Rosário, outra no de São Bento e outra na Rua de São José.

Entretanto, em 1874 e 1875 São Paulo teve apenas mais dois chafarizes, o do largo do Rosário e o do largo do Carmo.

Segundo Bruno (1954, p.1118):

Mas havia necessidade de conserto nas torneiras do chafariz do Largo do Paissandu, e o fiscal da freguesia da Consolação transmitia à Câmara a queixa de moradores do bairro: lavavam roupa na chácara do doutor Martinho Prado, junto do Tanque Reuno, correndo água suja de sabão para o tanque e para os chafarizes da Luz e do Piques. Chafarizes, estes, que já em 1876 estavam desmantelados. Além do mais, todos os chafarizes reunidos, e ainda as bicas do Baixo, do Gaio, dos Ingleses e do Moringuinho, não forneciam toda a água necessária para abastecer a cidade.

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Muita água era tirada de poços nessa época, nas margens do Tamanduateí e do Lavapés, e vendida em pipas ambulantes, mas a população continuava se queixando da falta de água. Os aguadeiros, no momento de venderem a água, deixavam um pequeno barril enchendo debaixo da torneira da carroça, enquanto despejavam outro no interior da casa. A cobrança no fim do mês era feita contando os traços a carvão feitos na parede (um risco por vasilha fornecida) (SANT´ANNA, 2007).

O problema do abastecimento se agravava com o crescimento da cidade (BRUNO, 1954).

No Alto da Consolação, em 1878, se iniciaram as obras do primeiro reservatório de abastecimento a cargo da Companhia Cantareira. Nesse reservatório, na Rua Consolação em frente da Rua Piauí, três anos depois chegavam as águas da Serra da Cantareira, Cabuçu e rio Cotia. Já no ano seguinte elas estavam abastecendo os chafarizes do Campo da Luz e dos largos de São Bento, dos Guaianases, atual Praça Princesa Isabel (Figura 6), Sete de Abril (Praça da República) e do Pelourinho. E em 1883 era entregue a população o uso do primeiro distrito servido por esgotos no bairro da Luz, sendo beneficiadas de início setenta e uma casas (BRUNO, 1954).

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Fonte: BRUNO, 1954 Figura 6 - O pequeno chafariz do largo dos Guaianases (Praça Princesa Isabel) em fins do século passado.

Ainda na época da proclamação da República os serviços de água e esgotos não eram eficientes, sendo muito poucas as casas servidas, embora pelo menos desde 1886 alguns estabelecimentos comerciais anunciassem artigos para água, como bombas, aríetes, depósitos de ferro e canos (BRUNO, 1954).

Os moradores cujos prédios não tinham água continuavam sendo forçados a se abastecer nos chafarizes públicos ou nas fontes naturais. Daí a importância que tinham as casas de banho em São Paulo (BRUNO, 1954).

Em 1887, em um relatório escrito pelo inspetor da higiene, Dr. Marcos Arruda, foi citado o fato de que mesmo na área servida pela Cantareira existiam casas onde, os proprietários e inquilinos receosos de entupir as latrinas e por isso pagarem trinta mil réis de multa, ainda se utilizavam das antigas cloacas (poços abertos na terra, cobertos ou descobertos), sem as mínimas condições de higiene,

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prestando-se a todas as infiltrações, porque não tinham revestimento algum em suas paredes (BRUNO, 1954).

Um estudo feito por Bandeira Junior em 1901, das indústrias e dos bairros fabris de São Paulo, mostrava que a rede de esgotos era pequena, assim como as redes de abastecimento de água, particularmente nas zonas proletárias da cidade (BRUNO, 1954).

Um fato representativo da decadência dos chafarizes paulistanos ocorreu em 1893, quando a Companhia Cantareira mandou demolir os chafarizes que entregara ao público onze anos antes, para forçar os moradores de alguns bairros a terem água encanada em suas casas. Quando derrubavam os chafarizes, os moradores do lugar e outros populares se opuseram com violência, resistindo até que a força policial entrasse em ação (BRUNO, 1954).

Só nos últimos anos do século XIX e começo do século XX se ampliou a rede de distribuição de água de maneira notável. Em 1898 construiu-se novo reservatório, na Consolação, com capacidade para dezenove milhões de litros. Em 1903, São Paulo tinha cerca de duzentos e cinqüenta mil habitantes, a cidade sofreu grave crise de abastecimento de água por causa de uma estiagem prolongada (BRUNO, 1954).

Em 1907 entrou em funcionamento o reservatório do Araçá, e dois anos depois o do Belenzinho, o que não foi suficiente para se evitar nova crise em 1910, época em que se resolveu captar as águas do Ribeirão de Cotia, tendo sido a primeira parte dessa adutora construída em 1914. No mesmo ano foram feitos mais três reservatórios, na “Avenida”, na Vila Mariana e na Água Branca, subindo o volume médio por dia a cento e vinte milhões de litros, que se reduzia a noventa milhões em tempo de seca (BRUNO, 1954).

Com o começo da República as propostas para a realização de retificações, drenagens e canalizações se intensificaram. Desde então, houve igualmente o aumento de propostas para a construção de hidrelétricas e estações de

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tratamento da água. Essas intervenções contribuíram cada qual a seu modo, para inventar percursos fluviais inusitados, modificando profundamente os usos das águas e a paisagem urbana (SANT’ANNA, 2007).

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