• Nenhum resultado encontrado

O Acesso a informações bancárias por parte da AT

2.2. Sigilo bancário – dimensão fiscal

2.2.1. O Acesso a informações bancárias por parte da AT

Entramos agora na segunda parte da nossa obra, iremos então abordar o sigilo bancário numa dimensão fiscal. Já vimos que o direito ao sigilo bancário não é um direito absoluto, que pode ser objeto de restrições. Neste sentido, vamos tentar explicar uma das causas dessas restrições «e a razão que levou a que elas se tornassem a normal regra do jogo entre a Administração Fiscal e o contribuinte no Estado Fiscal contemporâneo» (Saldanha Sanches, 1999, p. 368).

Comecemos pelo Estado Fiscal. O que se pode entender por Estado Fiscal? De acordo com Casalta Nabais (2009, p. 191) [c]omeça, hoje em dia, a ser trivial afirmar que o actual estado é, na generalidade dos países contemporâneos, e mormente nos desenvolvidos, um estado fiscal». O Estado Fiscal é um estado cujas necessidades financeiras são suprimidas principalmente por impostos. «Hoje falar de Estado é falar de impostos» (Sanches & Gama, 2005, p. 92). O Estado enquanto detentor de soberania fiscal, tem o objetivo de arrecadar receitas para fazer face às despesas que decorrem das funções que lhes são exigidas, nomeadamente a segurança, a defesa, a justiça e a proteção dos direitos constitucionais. Neste sentido, é desencadeada uma relação jurídica-tributária entre o Estado (ou um ente público) e os contribuintes, na qual o ente público se assume como sujeito ativo da relação que é “titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer diretamente quer através de representante” (n.º 1 artigo 18.º LGT); e o contribuinte, ou melhor o sujeito passivo «pode ser o devedor do imposto, o responsável pelo imposto, quem tem o dever de reter e entregar um imposto por conta de terceiro, quem deve prestar uma declaração tributária ou quem está obrigado a outro dever legalmente exigido» (Sanches, 2007, p. 253). Em causa está uma relação complexa cujo cada elemento

tem um conjunto de direitos e deveres associado à obrigação principal de pagar impostos (prestação pecuniária). Um desses deveres (acessórios), não é mais do que o dever de cooperação do contribuinte para com a Administração Fiscal.

Como já foi referido anteriormente, a AT tem hoje, o papel de fiscalização e controlo sobre os impostos declarados pelo contribuinte, pelo que num processo onde o contribuinte declara e paga os seus impostos, é necessário que a Administração Fiscal tenha em sua posse meios para poder averiguar que tais declarações são verdadeiras. Contudo e tendo em conta o sistema tributário atual, não pode ficar apenas sobre responsabilidade desta administração tal fiscalização, devendo todos os cidadãos e/ou contribuintes participar neste processo da correta e justa aplicação das leis fiscais, uma vez que se trata da realização de um interesse público. Ora, é aqui que entram as instituições bancárias, como entidades portadoras de informações relevantes para uma correta execução das funções da AT. De acordo Gomes (2006) os deveres de cooperação devem ser alargados a terceiros que por razões económicas ou profissionais, estejam numa posição privilegiada em relação a determinadas atividades e sujeitos passivos de imposto.

No entanto, é a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro de 2000, que introduz a grande mudança no paradigma do levantamento do sigilo bancário onde se passa a definir novas condições de acesso a dados e informações bancárias por parte da Administração Fiscal. Até então, somente por intermédio de autorização judicial é que era permitido à AT o acesso a informações e documentos bancários, ou seja, fora do âmbito penal e contra a vontade do contribuinte, encontrava-se vedada parte da informação determinante para a execução eficaz das suas funções, nomeadamente do combate à evasão e fraude fiscal.

A lei em causa altera significativamente o artigo 63.º da Lei Geral Tributária. O n.º 2 deste artigo exclui «do ónus de autorização judicial os “casos em que a lei admite derrogação do dever do sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização” e o aditado artigo 63.º-B abriu as comportas a este respeito» (Sousa, 2002, p. 98). Passou também a ser regulado o acesso a informações referentes a operações financeiras, sendo obrigatório a informação automática de transferências transfronteiriças (Monteiro, 2015).

Neste sentido, a Lei do Orçamento de Estado para 2005 (Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro de 2004) traz mais uma mudança crucial a esta temática. A partir de então, a

informações e dados bancários «sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos» (Palma & Santos, 2013, p. 49). O n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT prevê que em casos onde existam “indícios da prática de crime em matéria tributária”, particularmente de fraude fiscal; “quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível”, a AT passa a poder aceder a informação bancária sem sujeição do consentimento do titular. No entanto, este tem a possibilidade de recurso judicial apesar do seu ato produzir efeito meramente devolutivo.

Anos mais tarde, a Lei n.º 61-A/2008, de 31 de dezembro de 2008, determina novas situações em que a AT pode aceder a informação protegida pelo dever do segredo sem autorização prévia do seu titular, nomeadamente no caso de haver indícios de sinais exteriores de riqueza, fundados nas divergências injustificadas entre o rendimento declarado e as manifestações de fortuna.

Posteriormente, a Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro de 2009, introduz uma nova alteração à Lei Geral Tributária revogando o até então n.º 8 do artigo 63.º-B da LGT onde constava que “o acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado”. Desta forma, a AT passa a

poder aceder diretamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, dependendo tal ato da audição prévia do familiar ou terceiro e sendo suscetível de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes (Palma & Santos, 2013, p. 50).

Ainda neste sentido, os autores (p. 50) afirmam que a AT, no caso de pretender aceder às informações bancárias acima descritas terá de fundamentar a sua decisão, «com expressa menção dos motivos concretos» que a justifique e notificar os interessados 30 dias após a sua emissão, «sendo da competência do dirigente máximo da Administração Tributária ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação». Posto isto, importa definir o que se entende por dados ou documentos bancários. De acordo com o artigo 63º- B n.º 10 “considera-se documento bancário qualquer documento ou registo, independentemente do respetivo suporte, em que se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras no âmbito da

respetiva atividade, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito; ainda segundo n.º 11 do mesmo artigo, “considera-se documento de outras entidades financeiras (...) qualquer documento ou registo, independentemente do respetivo suporte, que, não sendo considerado documento bancário, titule, comprove ou registe operações praticadas pelas referidas entidades”.

Por sua vez, a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014, introduz uma nova alteração à Lei Geral Tributária (introdução da alínea h) do n.º 1 do artigo 63.º-B) permitindo à AT o acesso a informações bancárias sem dependência de consentimento do seu titular, solicitadas pelo Estado português, no âmbito de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que este esteja vinculado. Em causa estão também todas as informações na posse das instituições financeiras abrangidas pelo artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho de 2008 – Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo. Com esta alteração surge também o n.º 13 do artigo 63.º-B, onde se prevê que nos casos abrangidos por esta nova situação, “não há lugar a notificação dos interessados nem a audição prévia do familiar ou terceiro quando o pedido de informações tenha caráter urgente ou essa audição ou notificação possa prejudicar as investigações em curso no Estado ou jurisdição requerente das informações e tal seja expressamente solicitado por este Estado ou jurisdição”.

Ora, mostramos nesta sucinta evolução legislativa, que com o avançar dos tempos, o acesso direto por parte da AT a informações bancárias protegidas pelo dever do segredo é cada vez mais simples. Partimos de um período onde o acesso a tal informação apenas era possível mediante autorização judicial para a uma época onde o consentimento do seu titular já não é imprescindível. No entanto, há quem defenda (Guimarães, 2013, pos. 4163) que este acesso administrativo por parte da AT verifica-se apenas em situações excepcionais, «que deverá ser criteriosamente fundamentado nos termos legais e obedecer aos requisitos fixados na lei», porém a atual Lei Geral Tributária já prevê oito situações em que é permitida a derrogação do sigilo bancário, não esquecendo a obrigatoriedade que recai sobre as instituições de crédito e sociedades financeiras. De acordo com o artigo 63.º- A da LGT, estas instituições são obrigadas a comunicar à AT um conjunto de informação relativas a operações financeiras.