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O acesso socialmente estratificado das fontes de informação

No documento A Arena Mediática (páginas 40-43)

Capítulo II – Discussão Teórica

1. Relação entre fontes e jornalistas

1.1 A corrente liberal-pluralista

1.1.4 O acesso socialmente estratificado das fontes de informação

Gans desenvolve uma nova tipologia de fontes descrevendo-as como “institucionais e oficiosas; estáveis e provisórias; activas e passivas; conhecidos e desconhecidos”41. Ainda que esta nova tipologia tenha vindo acrescentar muito ao conhecimento que temos sobre as diferentes fontes de informação, o que mais nos importa sublinhar são as conclusões do sociólogo sobre como se processa o acesso dessas fontes aos media e sobre o papel determinante dos jornalistas na construção noticiosa – ainda que nunca deixe de sublinhar o fator fonte neste processo –, equilibrando uma balança aparentemente inclinada para o lado das fontes de informação mais poderosas.

Fazendo uso da análise empírica e da observação in loco nas redações da CBS, da NBC e das revistas Time e Newsweek, o sociólogo acredita que “as fontes, os jornalistas e as audiências coexistem num sistema, apesar de este sistema se assemelhar mais a um foco de guerra do que a um organismo funcional interrelacionado”42. A guerra de que nos fala Gans é a luta pela divulgação e ocultação de informações cruciais para o entendimento da realidade que nos rodeia. As fontes de informação assumem, mais uma vez, um papel crucial neste jogo: obedecendo a interesses próprios procuram

40 M. FISHMAN, apud R. SANTOS, Jornalistas e Fontes de Informação, op. cit., p. 23. 41 V. MOREIRA, Fontes Sofisticadas de Informação, op. cit., p. 23.

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41 passar aos media informações, ao mesmo tempo que tentam proteger outras potencialmente antagónicas aos seus objetivos. Aos jornalistas cabe o papel de árbitro

que tem simultaneamente interesse em aceder a informações privilegiadas, para cumprir com as suas obrigações profissionais e para satisfazer a necessidade informativa do público. Neste cruzamento de interesses, fontes e jornalistas gerem-se uns aos outros, ora tornando-se acessíveis, ora inacessíveis.

Todavia, Gans leva-nos a crer que o poder está do lado do jornalista: “às fontes cabe apenas fazerem-se acessíveis; são os jornalistas que decidem se estas são ou não adequadas”43. Ainda que reconheça que os jornalistas, de maneira a cumprirem os vertiginosos ritmos de produção, se tornam mais permeáveis às fontes que habitualmente os perscrutam com informações oficiais – que refletem sempre a sua visão dos factos –, o sociólogo americano de origem alemã acredita que os profissionais dos media escolhem as suas fontes de acordo com alguns fatores como “[o] passado credível; [a] produtividade; [a] fiabilidade; [a] garantia; [a] autoridade; e [a] clareza”44. Assim, e acreditando que o poder de escolha está do lado do jornalista, algumas fontes, quando confrontadas com outras fontes com maior credibilidade, com mais autoridade ou com maior acesso a informações úteis, por exemplo, perdem valor simbólico para o jornalista. Daí que se possa falar num acesso das fontes aos media socialmente estratificado, num sistema onde têm de competir entre si para despertar o interesse das organizações noticiosas.

Esta ideia de concorrência entre fontes de informação está igualmente presente na investigação de Oscar Gandy, inscrita no livro Beyond agenda-setting: information subsidies and public policy (1982). Para o sociólogo americano “uma fonte tem interesse em fornecer uma informação a preço mais reduzido do que outras fontes”45, produzindo para tal aquilo a que o autor chama de subsídio de informação.

“Os subsídios de informação incluem a publicidade corporativa e de produtos, as relações públicas, a informação governamental e parlamentar, a investigação científica, a informação produzida por consultores e especialistas e a produção de programas televisivos”46.

43 H.GANS, apud V.MOREIRA, Fontes Sofisticadas de Informação, op. cit., p. 25. 44 V. MOREIRA, Fontes Sofisticadas de Informação, op. cit., p. 25.

45 R. SANTOS, Jornalistas e Fontes de Informação,op. cit., p. 25. 46

42 Uma fonte de informação (organização ou indivíduo) que, pelo seu maior poder económico e/ou peso político e social, esteja equipada com mecanismos que lhe permita fornecer informação de forma mais simples, com maior rapidez e exatidão, está em vantagem perante outras fontes no acesso aos media. Assim, pode potenciar e preservar uma certa favorabilidade nas notícias que são produzidas sobre si e impor uma determinada matéria na agenda mediática, de preferência, sem que se conheçam os seus propósitos, sejam eles puramente lucrativos, no caso das empresas, ou políticos, no caso dos agentes políticos. Quanto melhor for a dissimulação dos seus interesses reais, melhor aceite será a sua mensagem pelos órgãos de comunicação e pelo público. Nesta dicotomia entre o que é revelado e o que é ocultado, em muito contribuem aquilo a que Gandy dá o nome de subsídios indirectos: um subtipo de subsídios de informação, diferentes dos subsídios directos (que consistem em contactos formais entre fonte e jornalista), e que pressupõem o anonimato da fonte, como acontece nos casos de fugas de informação, invariavelmente promovidas por declarações off-the-record.

Recuperando o contributo de Herbert Gans, devemos ainda destacar a importante diferenciação do trabalho dos jornalistas generalistas e dos jornalistas especializados. Os primeiros têm de lidar com matérias informativas muito díspares entre si e, não tendo conhecimentos específicos sobre determinados factos mais complexos, estão algo reféns das informações que as fontes lhes prestam. Simultaneamente, procuram nos seus colegas factos úteis “para tentar encontrar sentido para as declarações ambíguas”47. Este cruzamento de dados entre jornalistas pouco preparados para lidar com assuntos que não dominam ou sobre os quais estão pouco seguros pode conduzir, porventura, a uma homogeneidade da informação publicada. Estamos, mais uma vez, perante a denúncia de um eventual cheque ao pluralismo informativo.

Por outro lado, existem os jornalistas especializados que frequentam, na conceptualização de Mark Fishman, os lugares de permanência. Estes atores estão em permanente contacto com determinadas fontes bem colocadas no interior do sistema e desenvolvem com estas relações próximas e privilegiadas, sustentadas na troca constante de informação, muitas vezes, confidencial. Todavia, este negócio não é unidirecional: as fontes tiram igualmente proveito desta relação, controlando muito do fluxo e do teor da informação circulante. Este quadro reflete uma possível perversidade

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43 destas comunhões. Cabe aos jornalistas manterem-se atentos e procurarem visões dos factos divergentes das informações oficiais produzidas no interior do sistema. Se falharem nessa missão, tornar-se-ão presas fáceis.

No documento A Arena Mediática (páginas 40-43)