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O Acolhimento do Processo de Morrer da Criança pela Família e

CAPÍTULO 1 OS CUIDADOS PALIATIVOS NA CRIANÇA

1. C UIDADOS P ALIATIVOS E VOLUÇÃO H ISTÓRICA

1.5 O Processo de Morrer na Infância

1.5.2 O Acolhimento do Processo de Morrer da Criança pela Família e

Ainda nos dias de hoje, se acredita até à última na imortalidade pela infalível medicina, mas infalível é a morte na vulnerabilidade da vida.

Demarcando-se na atualidade um controlo cada vez mais exequível da cura, limita-se contingentemente, a sensibilidade humana no reconhecimento da derrota do tratamento e na implementação em tempo útil de medidas de suporte e paliação mais compatíveis com cuidados que prezem a dignidade humana (Rushton, 2005). Pertencemos a uma sociedade que não está preparada para assistir à morte de uma criança, a qual conforta-lhe a alma justa, enxergar o velhinho idoso com uma vida completa a partir e não a criança na tenra idade do viver, descobrir e amar.

Efetivamente o que transcende o pensamento da família é a morte de uma sua criança, pois o ciclo natural da vida altera-se, pelo fato da morte dos pais anteceder a das crianças (Bousso, 1999), mas é necessária a consciencialização desta conjetura, para que as medidas de suporte e paliação sejam prestadas atempadamente perante um mau diagnóstico. O diagnóstico de uma doença incurável é deveras angustiante, na medida em que se desconhece o que é a doença, as suas consequências, a especificidade do tratamento e a sua implicação no quotidiano da criança e da família. Há como que um sentimento de impotência para lidar com o sofrimento e no apoio à criança (Zavaschi et al., 1993). Quando uma criança adoece, por muito íntegro e forte que seja o núcleo familiar, toda a família adoece, em sofrimento pela doença da criança (Zavaschi et al, 1993; Damião & Angelo, 2001).

O cuidado prestado à criança e ao adolescente com o diagnóstico de doença oncológica é subordinado pela intervenção de terapias curativas, do controlo da sintomatologia e do apoio à família, já que o impacto da mesma, provoca um total desespero nos pais que se confrontam com a perceção da doença incurável, interligando-a com a morte (OMS, 1998; Lacaz, 2003). É importante saber lidar com a dor da família que ignora a terminalidade ou nega a realidade, uma negação na tentativa de repulsa da eminência da morte (Baraldi & Silva, 2002), para que se consiga uma prévia, gradual, justa e complexa preparação da família para esta nova realidade com que se defronta. É frequente negar-se a realidade próxima da morte, vive-se o medo da perda, que se traduz para Kovács (2002) numa resposta psicológica comum perante a morte.

Os pais com a perda de um filho sofrem uma dor incontornável. A morte impede tudo o que aspiram de vida aos seus filhos com tantos desejos e ensejos no íntimo das suas emoções; a inexistência física da sua condição de humanos que se atinge com a morte leva nesse instante, uma desmedida parte destes pais. Como corrobora Viorst (1998), os pais sentem como se tivessem perdido um pedaço de si mesmo.

Schmitz (1995) e Whaley & Wong (1999) reforçam que a perda de um filho pode ser uma das mais trágicas experiências do ser humano.

No que abarca as implicações psicológicas, Kübler-Ross (1998) reconhece as respostas dos pais, face a um contexto potencialmente trágico: negação, raiva, negociação, depressão e

aceitação. Estas fases não se sucedem sempre pela mesma ordem, é possível justaposição de fases; não são análogas nas características em todas as pessoas e a criança pode morrer sem que os pais atinjam a fase de aceitação.

Com a confirmação do diagnóstico, a família sofre uma desorganização funcional e é frequente a negação, que passa pela recusa desse diagnóstico, nomeadamente no seu envolvimento com a morte. Os pais recorrem por vezes a uma 2ª opinião médica à procura de soluções relativas ao diagnóstico e à terapêutica, na esperança de um equívoco de diagnóstico (Kübler-Ross, 1998).

Os pais podem vivenciar um sentimento de raiva direcionada ao médico que não revelou o diagnóstico da criança, ou ao médico que lhes comunicou, ou ao enfermeiro, ou até aos outros membros da equipa multidisciplinar. É frequente os pais sentirem frustração, demonstrada pela incapacidade para cuidar do seu filho (Kübler-Ross, 1998).

Na tentativa de adiar o inevitável e percebendo que as fases anteriores não resolveram a situação, dá-se a fase da negociação que delibera uma meta a cumprir. Estas negociações tendem a ser organizadas com Deus e normalmente mantidas em segredo (Kübler-Ross, 1998).

A quarta fase é a depressão, cuja raiva anterior assume um sentimento de tristeza. Verifica- se muitas vezes, exaustão física e mental, acrescida com a inquietação dos encargos financeiros que advém da situação da doença (Kübler-Ross, 1998). Nesta fase o panorama da morte é evidente; negar nada resultou, revoltar-se com toda a raiva idem, negociar com promessas foi em vão, evidenciando-se a exacerbação da dor e do sofrimento pela consciência da perda.

A aceitação é a última fase deste processo que se rege por uma redução da angústia e um progresso no grau de expectativa tranquila; é por vezes, coincidente com a eminência da morte e com a própria morte. A família vivência a perda e a solidão da separação, pelo que a família comummente, necessita de mais acompanhamento e compreensão Kübler-Ross (1998). Constatamos assim, que se esta fase for conseguida, o processo até a morte pode ser um tempo de vida tranquilo por parte do doente e da família.

Kübler-Ross (1998) acrescenta que estas fases do processo de morte que a família percorre, são semelhantes às vivenciadas pelo Doente em fase terminal, podendo ser dissemelhantes no momento da ocorrência. Esta autora realça que, quanto mais apoio às famílias no manifesto das suas emoções antes da morte de um familiar, mais reconfortados se sentirão os familiares.

Vários autores preceituam que uma das necessidades sentidas pelos familiares com doentes em fim de vida centra-se no sentimento de esperança. Para Vara (1996), o conceito de “manter a esperança” centra-se num conexo de processos que engrandecem os sentimentos de confiança, valor e domínio dos pais, comparativamente com os sentimentos de culpa, revolta e desamparo.

Do mesmo modo Simsen (1988), citado por Hopkins (1998, p.1826), afirma que “sem

esperança, começamos a morrer” na medida em que, “quando a esperança desaparece, a vida termina, na intromissão da realidade ou potencialidade”. No fundo, esta esperança é

quase como que o suporte que dá vida no tempo de viver, que a estas crianças pertence, antes do tempo da sua morte, naquele tempo de amor, qualidade e expressão dos seus desejos.

O impacto da morte causa necessidades emocionais e relacionais sobre a família, além do que a família pode gerir, sem recorrer a apoio de terceiros. A crise surge da necessidade de continuar a exercer os papéis normais da sua vida com a sobrecarga do luto dos demais elementos da família, para além do importuno das reações próprias do luto individual (Bromberg et al., 1996). O luto não se inicia com a morte, mas delimita-se com base na qualidade das relações familiares anteriores, dos vínculos existentes e das condições em proximidade com a morte (Bromberg, 1994).

Sobre este argumento, é necessário focalizar a atenção na família, nas suas interações intra e extra familiares, para conhecer o seu processo de viver, bem como as transições e crises com que se deparam (Elsen et al., 2001). É preciso conhecer na íntegra a família, o seu meio e as condições envolventes, com o pressuposto de uma gestão ajustada do luto que antecede o momento da perda e após a perda.

CAPÍTULO 2 - O CUIDAR DA CRIANÇA EM FIM DE VIDA