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3 VEDAÇÃO DO RETROCESSO E ALGUMAS NORMAS QUE

3.6 Aplicabilidade da vedação do retrocesso ao adequado tratamento tributário ao

3.6.1 O adequado tratamento tributário ao ato cooperativo

Dispõe o art. 146, III, “c”, da Constituição, in verbis:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

[...]

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

[...]

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas;

Acerca desse dispositivo, as atenções têm sido voltadas sobre a interpretação a ser dada à expressão “adequado tratamento tributário” e sobre a definição de ato cooperativo.

Relativamente ao segundo ponto, a Lei 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, estabelece, in verbis:

Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.

Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

A Lei 5.764/97 é ordinária. Mas, como aponta Becho (2005, p. 223-224), após a Constituição de 1988, essa norma, quando regula matéria tributária, como no caso do art.79, passou a ter força de lei complementar.

Aponta esse autor (2005, p. 95) o que entende por cooperativas:

... são sociedades de pessoas, de cunho econômico, sem fins lucrativos, criadas para prestar serviços aos sócios de acordo com princípios jurídicos próprios e mantendo seus traços distintivos intactos.

Esclarece (2005, p. 171) que o que particulariza a cooperativa é a dupla condição do associado, que atua como proprietário e como beneficiário.

O cooperado participa da entidade como proprietário atuando nos processos decisórios e indicando o rumo a ser tomado pela sociedade. Por outro lado, é também o destinatário das ações desenvolvidas pela cooperativa.

Carrazza, R. A. (2011, p.1017) pondera que essa especificidade dá a dimensão do que seja ato cooperativo, asseverando que:

...há sempre duas relações jurídicas interligando o associado à cooperativa.

122 pessoa física une-se à jurídica, passando a fazer parte de seu quadro associativo e fazendo jus a todas as prerrogativas de sócio.

A segunda é a relação de associado enquanto usuário dos serviços da cooperativa, e que está sujeita a variações, dependendo do tipo, das características e do modelo de atividade econômica da sociedade.

Estas duas relações estão dentro do ato cooperativo, devendo ambas receber o retro- aludido “adequado tratamento tributário”.

Assim é que em uma cooperativa de trabalho, de taxistas, por exemplo, a cooperativa ajuda os trabalhadores a conseguir clientes para suas corridas. Assim agindo, prestam um serviço a seus cooperados. Essa prestação de serviço deverá receber, por imposição constitucional, adequado tratamento tributário.

Becho (2005, p. 172) dá outros exemplos de atos cooperativos: a aquisição de moradia e o respectivo pagamento, em uma cooperativa habitacional, desde que para o associado; em uma cooperativa de crédito, o depósito e a retirada de dinheiro, bem como empréstimos e seu pagamento, desde que realizados por cooperados; em uma cooperativa de consumo, a aquisição, por cooperados, de produtos expostos em supermercado fundado pela entidade.

Note-se, no entanto, que, por força do dispositivo legal acima citado, as transações devem ser realizadas para a consecução dos objetivos para a qual foi criada.

Além disso, o art. 79 da Lei 5.764/71 exclui do conceito de ato cooperativo os negócios realizados com terceiros não associados, posição com a qual Becho (2005, p. 177) não concorda. Justifica seu entendimento afirmando que

... não há como vetar às cooperativas a possibilidade de estabelecer negócios jurídicos com terceiros, mantendo o cumprimento dos fins sociais como limite [...]. Alguns desses negócios são completamente inevitáveis, tais como contratos de fornecimento e de trabalho, aluguéis etc. (BECHO, 2005, p. 181).

Assim, seguindo essa linha de pensamento, a aquisição, por uma cooperativa de consumo, de produtos de terceiros não associados e que serão repassados aos cooperados também se enquadraria no contexto de ato cooperativo.

Entretanto, nessa dissertação o conceito de ato cooperativo utilizado será o conceito legal, excluindo, portanto, as transações realizadas com terceiros não associados.

Outro ponto de discussão acerca do art. 146, III, “c”, da Constituição diz respeito ao “adequado tratamento tributário”. A primeira crítica que se faz é quanto ao emprego do vocábulo “adequado”. Ressalta Carrazza, R. A. (2011, p. 995) a impertinência desse termo, como se a Constituição permitisse que fosse dado ao contribuinte, em outros casos, um tratamento tributário não adequado. Entretanto, não somente o ato cooperativo deve receber tratamento adequado.

A interpretação dessa expressão deve ser feita em consonância com o teor do art. 174, §2º, da Constituição, in verbis:

123

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado

exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. [...]

§ 2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

Isso quer dizer que o adequado tratamento tributário não significa somente reconhecer as diferenças entre o ato cooperativo e outros atos, como os comerciais. Observe-se, por exemplo, o parágrafo único do art. 79 da Lei 5.764/71. Ele dispõe que o ato cooperativo não configura “operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”. Como afirma Becho (2005, p. 223), essa norma poderia até não existir. Nas cooperativas de consumo não há negócio mercantil, não há intuito lucrativo e nem bilateralidade. Essas cooperativas não têm o intuito de comerciar e, portanto, não trabalham com mercadorias (BECHO, 2005, p. 324). Essas operações de “venda” de produtos de um supermercado da entidade para o cooperado não atraem a incidência do ICMS e essa a conclusão a que se chega independentemente da existência do mencionado parágrafo único do art. 79.

Conferir adequado tratamento não se resume somente a reconhecer as peculiaridades do ato cooperativo. Significa mais. Impõe o preceito constitucional que se estabeleça, efetivamente, uma situação de vantagem tributária para essa espécie de ato.

Como ensina Carrazza, R. A. (2011, p.1008), o que procurou a Constituição foi fazer com que

...as cooperativas venham a receber tratamento tributário privilegiado, vale dizer mais favorável que o dispensado às instituições privadas com fins lucrativos.

Neste contexto, portanto, dispensar adequado tratamento tributário, é reconhecer as peculiaridades do ato cooperativo e, ao fazê-lo, eximi-lo, o quanto possível, de tributação.

O adequado tratamento tributário, no entanto, não significa imunidade, muito embora noticie Becho (2005, p. 215) que houve algumas tentativas nesse sentido durante a Assembleia Nacional Constituinte que resultou na Constituição de 1988.