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3 VEDAÇÃO DO RETROCESSO E ALGUMAS NORMAS QUE

3.2 Aplicabilidade da vedação do retrocesso ao princípio da capacidade

3.2.2 Vedação do retrocesso e o princípio da capacidade contributiva

A análise de eventual conexão entre os princípios da vedação do retrocesso e o da capacidade contributiva, assim como feito em relação à não cumulatividade, deve necessariamente passar pelo estudo da eficácia da norma contida no art. 145, §1º, da

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Constituição.

Caso seja considerada como de eficácia plena e aplicabilidade imediata, despicienda a invocação da vedação do retrocesso na medida em que essa norma constitucional, por si só, já estaria apta a gerar todos os efeitos pretendidos pelo Constituinte. Assim, irrelevante para os efeitos dela eventual revogação de legislação integrativa. Se, no entanto, for tomada como de eficácia limitada, demandando regulamentação infraconstitucional a fim de lhe conferir eficácia total, caberia a aplicação da vedação do retrocesso.

Doutrinadores, em geral, têm apontado o princípio da capacidade contributiva como de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

Nesse sentido, ressalta Oliveira (1988, p. 72) que o citado princípio tem um viés programático, mas, nem por isso, deixa de ser norma de eficácia plena:

Curioso notar, então, que o princípio da capacidade contributiva é programático no sentido de estabelecer uma diretriz (o tributo deve corresponder ao grau de riqueza do contribuinte) e é também regra de eficácia plena na medida em que explicita ou particulariza a isonomia no campo tributário (a igualdade de todos perante o Fisco, ou seja, todos contribuirão igualmente na razão de suas riquezas iguais, e pagarão tributo desigual quando desiguais forem suas riquezas).

E acrescenta (1988, p. 162):

É que, exprimindo o princípio da capacidade contributiva, uma garantia individual de nível constitucional, supralegal, opõe-se imediata e diretamente ao Estado, independentemente de integração legislativa. Se a lei não pode desconhecer os superiores princípios e normas constitucionais, não é razoável que a inexistência dela possa ter o mesmo efeito prático ao sobrepor-se sub-repticiamente à tutela maior conquistada na Constituição. O legislador não detém o arbítrio de conceder ou não o que já foi objeto de proteção estabelecida diretamente na Constituição.

Também adota essa posição Costa (2003, p. 50):

Como expressão no campo tributário, de princípio de maior amplitude, que é o da igualdade, o postulado da capacidade contributiva carrega consigo a plenitude de eficácia atribuída àquele. Na verdade, se não há discordância quanto à eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral do princípio da igualdade, parece desarrazoado entender-se diversamente no que concerne à diretriz da capacidade contributiva.

Não obstante o respeitável entendimento dos estudiosos acima mencionados, mais uma vez, há que se colocar que normas de eficácia plena, segundo a classificação aqui adotada, são aquelas “dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade” (SILVA, J. A., 2009, p. 102), tendo a possibilidade de produzir todos os efeitos que o Constituinte desejou.

Na quase totalidade das situações, o princípio da capacidade contributiva é capaz de produzir todos os seus efeitos. A partir da promulgação da Constituição já são apresentadas todas as condições para a execução da norma em comento.

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de seus efeitos. A obediência à capacidade contributiva objetiva força o legislador, na efetiva instituição do imposto, a adotar como hipótese de incidência somente aqueles fatos reveladores de riqueza. Nada além da norma constitucional é necessário para a efetiva observância e execução do princípio sob esse enfoque objetivo. Por outro lado, os aplicadores e intérpretes do direito, exclusivamente, com fundamento na Constituição, podem e devem reconhecer a inconstitucionalidade de lei tributária que eleja signos não presuntivos de riqueza.

Entretanto, situações há em que é imprescindível o advento de legislação infraconstitucional a fim de complementar sua efetividade e concretude.

O próprio Afonso, J. A. (2009, p. 177-178) reconhece, citando Aliomar Baleeiro, que a norma constitucional que impõe o respeito à capacidade contributiva apresenta eficácia limitada, produzindo situações subjetivas negativas para o Legislador e para o Executivo, ou seja, forçando-os, no exercício de suas respectivas atividades, à observância do princípio constitucional.

Além disso, a inércia do Legislador nesses casos enseja a interposição da ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou a impetração do mandado de injunção a fim de garantir o direito de o contribuinte ver respeitada a sua capacidade de contribuir. Nessas hipóteses, para o contribuinte, a eficácia não é tão plena e imediata, na medida em que o exercício do direito subjetivo depende de uma legislação integradora. Nas palavras de Afonso, J. A. (2009, p. 176), nem sempre as normas de eficácia limitada “têm capacidade para tutelar diretamente direitos particulares desde logo exigíveis”.

De qualquer forma, uma vez existente essa legislação, vedada é sua revogação pura e simples.

Tomando em conta o aspecto subjetivo, por exemplo, a Lei 9.250/95, em seu art. 8º, II, “b”, com redação dada pela Lei 11.482/07, permite a dedução do imposto de renda da pessoa física, até certo patamar, de gastos referentes à educação.

Referidos gastos indiscutivelmente configuram despesas necessárias à manutenção do mínimo existencial, sobretudo, considerando que a educação é atribuição do Poder Público, que, no entanto, atua muito aquém do mínimo aceitável.

Pois bem, a par da existência, inconstitucional, diga-se de passagem, de limites para a sobredita dedução, fato é que essa lei acaba por dar efetividade ao comando constitucional que, sem ela, não estaria apta a produzir os efeitos pretendidos pelo Poder Constituinte. Funciona, portanto, como limite da tributação.

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outra norma posterior viesse a permitir a dedução, seria pertinente pleitear perante o Judiciário, a continuidade da dedução, com fundamento na inconstitucionalidade da lei revogadora, servindo-se do princípio da vedação do retrocesso.

Essa não seria uma possibilidade aberta ao contribuinte, caso a lei revogada fosse substituída por outra, que, por exemplo, aperfeiçoasse a legislação até então vigente.

A revogação sempre é permitida quando o núcleo essencial do direito concretizado permanece intacto. Além disso, a restrição deve servir de proteção a outros direitos fundamentais tidos como de maior peso.

No caso acima vislumbrado, a revogação da lei que permite a dedução e mesmo a diminuição nos limites do abatimento seriam inconstitucionais, vez que a educação configura direito abarcado pelo núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana.

Outro exemplo é mencionado por Costa (2003, p. 83-84), que anota que a graduação dos impostos, ligada à noção subjetiva do princípio em questão, é tarefa que pertence exclusivamente ao Legislativo, de modo que, na ausência de regulamentação infraconstitucional, não poderia o Poder Judiciário graduar o tributo segundo seus próprios critérios. Ao magistrado caberia tão somente declarar a inaplicabilidade da lei ao caso concreto e remeter ao “legislador a solução de adequar o gravame àquela situação”. Bem se vê, destarte, que, para fins de graduação das imposições tributárias, imprescindível a atuação legislativa.

A conclusão a que se chega é que em algumas hipóteses a norma constitucional não é capaz, por si só, de provocar todos os efeitos por ela pretendidos e para todos. Nesses casos, eventual revogação de legislação infraconstitucional existente seria marcada pela inconstitucionalidade por força do princípio da vedação do retrocesso.

Veja-se outro exemplo: o art. 23 da Lei 11.945/09 criou duas alíquotas adicionais para o imposto de renda de pessoas físicas, aperfeiçoando a progressividade que deve informar esse tributo. Apesar de ainda não ser um sistema que dá efetividade total ao princípio da capacidade contributiva, certo é que essa legislação tratou de dar maior concretude e executoriedade ao princípio constitucional. Suprimir esse novo regramento implicaria uma inconstitucionalidade por infringência ao princípio da vedação do retrocesso, porquanto, evidentemente, a ausência de previsão de alíquotas diferentes, não daria efetividade à progressividade e, consequentemente, ao princípio da capacidade contributiva.

Outro exemplo citado por Oliveira (1988, p. 166) é aquele no qual “no curso do exercício financeiro, não se proceder, ou proceder-se com aviltantes índices, à correção monetária das tabelas de retenção do imposto de renda na fonte em face da inflação”.

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Também nessa situação, necessária a integração da norma constitucional mediante atuação legislativa a fim de conferir eficácia ao princípio da capacidade contributiva. Por consequência, uma vez existente regramento prevendo a correção das tabelas de retenção, proibida seria a revogação.

Há que se ter em mente ainda que o princípio da capacidade contributiva, como qualquer outro princípio, pode ser concretizado por múltiplos caminhos. A isenção pode ser eleita como um desses caminhos.

Becker (2010, p. 534) ressalta:

O dever jurídico que a regra constitucional impõe ao legislador ordinário não é apenas o de escolher fatos-signos presuntivos de renda ou de capital para a composição da hipótese de incidência do tributo, mas também e principalmente o dever de criar isenções tributárias que resguardem a imunidade tributária do mínimo indispensável de capital e de renda. [...] Note-se que o legislador ordinário, ao estabelecer a isenção tributária, cria o conceito jurídico de mínimo indispensável.

Nessas hipóteses, como ensina Costa (2003, p. 68), em se tratando de “isenção concedida por motivo técnico-fiscal – qual seja, a ausência de capacidade contributiva”, não pode ser revogada, tendo plena aplicabilidade, pois, o princípio da vedação do retrocesso.

Exemplo dessa isenção concedida em função da capacidade contributiva está aquela do imposto sobre a renda dos proventos de aposentadoria, reforma e pensão, recebidos por portadores de doença grave (Lei 7.713/88, art. 6º, XIV, com redação dada pela Lei 11.052/04).

Lembre-se que a capacidade contributiva do ponto de vista subjetivo somente se inicia após a dedução das despesas necessárias para a manutenção de uma vida digna, o que justifica a isenção concedida, muito embora não devesse ser limitada aos proventos da aposentadoria.

Como se verá adiante, pode-se, inclusive, questionar, se essas isenções concedidas a fim concretizar o princípio da capacidade contributiva são verdadeiramente isenções.

De qualquer forma, o que importa é que elas tratam de conferir maior efetividade e concretização ao princípio da capacidade contributiva, de modo que podem dar ensejo à invocação do princípio da vedação do retrocesso, proibindo-se sua revogação, caso viole o núcleo essencial do princípio.

Concluindo, pode-se dizer que a norma da capacidade contributiva tem, na maioria das vezes, eficácia plena e aplicabilidade imediata, porém, em algumas hipóteses, requer legislação ordinária, a fim de dar maior concretude e efetividade ao seu mandamento nuclear. Assim, uma vez promulgada lei que efetiva o princípio em tela, não mais é possível voltar ao nada, frustrando a vontade da Constituinte. Tem o julgador um instrumento adicional a garantir a efetividade da capacidade contributiva, de maneira que o princípio da vedação do

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retrocesso não somente é aplicável às normas tributárias relativas a essa matéria, como também, muitas vezes, é imprescindível.