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O ajuste da economia brasileira nos anos 1980 e 1990: da socialização do ônus da

Capítulo 2 – O setor de transportes durante a transformação no padrão mundial de

2.4 O ajuste da economia brasileira nos anos 1980 e 1990: da socialização do ônus da

Ao longo deste capítulo, vimos como o avanço da transnacionalização assumiu a forma da mundialização do capital, comprometendo a vinculação entre o capital internacional e as economias nacionais, especialmente na periferia do sistema capitalista. Cabe agora mostrar como a economia brasileira se ajustou às mudanças na conjuntura internacional a partir da década de 1970, submetendo-se às pressões do capital por maior mobilidade e liquidez. Nesse processo, o Estado brasileiro continuou a atuar como um mediador das transformações em curso, principalmente por meio da socialização dos prejuízos da dívida externa.

Destacaremos o papel do ajuste exportador e da estatização da dívida externa na década de 1980 para exemplificar como o Estado providenciou o salvamento do setor privado, o qual, livre das dívidas em dólar, aplicou seus recursos no mercado de dívida pública ou compensou a queda da demanda interna direcionando a produção para exportação. Tal salvamento se deu em detrimento das empresas estatais, endividadas para manter a absorção de crédito externo até a interrupção do financiamento externo voluntário em 1982.

Os investimentos das empresas públicas foram severamente reduzidos, com prejuízo para a qualidade dos bens e produtos fornecidos por elas. Esse problema afetou bastante o modal rodoviário, o qual também perdeu suas fontes garantidas de recursos. O mau estado de conservação e sinalização das rodovias federais e estaduais serviu de argumento para justificar a necessidade de concedê-las ao setor privado, que se encarregaria de realizar os investimentos em troca de uma remuneração compatível com os riscos e recursos envolvidos. Tal como as privatizações das empresas estatais, a concessão das rodovias federais e estaduais nos anos 1990

significou a abertura de uma nova frente de negócios para o setor privado, com o aval do Estado, em um momento em que a burguesia brasileira passava por mais uma onda de modernização por meio das aberturas comercial e financeira.

É preciso considerar que as ações de “salvamento” feitas Estado brasileiro inseriam-se no contexto de uma mudança no perfil de nossa dependência externa. Na “nova dependência”, os centros internos de decisão perderam sua capacidade de controle sobre a economia em face do poder cada vez maior das ETN, com consequências catastróficas para a periferia. Segundo Furtado (1983), o entrosamento dos sistemas monetário e financeiro das economias periféricas com o sistema financeiro internacional, herança das reformas promovidas pela ditadura nos anos 1960, comprometeu a eficácia da política econômica, levando a uma paralisia dos centros de decisão. Portanto, o endividamento externo desordenado seria uma consequência da perda de comando sobre o sistema econômico (FURTADO, 1983, p. 128).

O enfraquecimento relativo do Estado brasileiro em sua capacidade de promover o desenvolvimento capitalista relacionou-se, pois, com o avanço da transnacionalização. Contudo, ele foi capaz de se mobilizar para socializar as perdas do endividamento externo, mediante a estatização das dívidas privadas. A primeira fase da estatização da dívida externa ocorreu ainda na década de 1970, com o aumento do passivo externo das autoridades monetárias e de várias esferas do setor público. Além disso, foram criados os Depósitos Registrados em Moeda Estrangeira (DRME), que permitiam às empresas endividadas no exterior a fuga ao risco cambial, por meio de depósito do correspondente em cruzeiros junto ao Banco Central (BIASOTO JR, 1989). Esse instrumento foi mobilizado após 1979 para proteger os devedores privados da alta dos encargos com juros, de modo que o Estado absorveu o risco cambial e de juros, e atuou como tomador de empréstimos junto aos bancos internacionais (CRUZ, 1995)38.

Ao evitar uma quebra generalizada de bancos e empresas privadas, o Estado tomou para si a responsabilidade pela dívida externa. Como já foi mencionado, uma política recessiva foi mobilizada para elevar o superávit comercial a fim de gerar as divisas destinadas ao pagamento dos juros externos. Entretanto, era o setor privado quem exportava e sua remuneração em moeda nacional levava a um aumento da dívida pública interna (BELLUZZO; ALMEIDA, 1992; BIASOTO JR, 1989)39. Esse crescimento da dívida mobiliária deveu-se à impossibilidade de

38 Outra modalidade de proteção aos devedores em dólar foram os depósitos de projetos: os pagamentos dos

devedores internos eram depositados em contas no Banco Central, em nome dos bancos credores, assim como os recursos novos colocados à disposição pelos bancos para refinanciar parte dos juros devidos. Esses depósitos aguardavam a negociação entre um banco credor e um tomador interno de reempréstimo dos recursos, em um processo conhecido como relending (CRUZ, 1995).

39 Biasoto Jr. (1989) apontou que várias estatais estavam entre os maiores exportadores e que diversas entidades

obter mais crédito externo e de aumentar a emissão monetária, em razão das pressões inflacionárias. A evolução da inflação e a incerteza quanto à solvência do Estado fizeram com que o mercado financeiro encurtasse os prazos, reforçando o problema estrutural do sistema financeiro nacional, concentrado fortemente no curto prazo (BAER, 1993).

Enquanto o Estado se encontrava em uma crise fiscal e financeira e a população sentia os efeitos do ajuste recessivo, o setor privado preservou seus lucros e seu patrimônio. No período 1980 a 1983, as empresas não financeiras adotaram uma estratégia defensiva, reduzindo seu endividamento e buscando liquidez. Apesar de o ajuste ter salvado a riqueza privada, agravou a incerteza e limitou o crédito, deixando as empresas mais vulneráveis. Entre as estratégias adotadas, a elevação do mark-up contribuiu para preservar as taxas de lucro, ao mesmo tempo em que elevou o patamar da inflação (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002).

Outra forma de ajuste por parte das empresas foi a orientação da produção para exportação, isto é, exportando os bens que não encontrariam demanda no mercado doméstico em razão da política recessiva. A receita das exportações era um ganho privado e o setor público ainda concedeu subsídios e financiamento especial (FINEX- Fundo de Financiamento às Exportações) para os exportadores, agravando a situação fiscal (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002). Concomitantemente, as filiais das ETN que já estavam instaladas no país passaram a direcionar sua produção para exportação (CAMPOS; RODRIGUES, 2014), aumentando ainda mais seu poder sobre o sistema econômico.

A dívida pública interna foi outra salvaguarda utilizada por empresas, bancos e famílias de alta renda para preservar sua riqueza. Assim, os exportadores e rentistas detinham um poder assimétrico, ao financiar os compromissos externos e internos do Estado brasileiro (BELLUZZO; ALMEIDA, 1992). As empresas não financeiras elevaram suas receitas não operacionais por meio de aplicações financeiras – na dívida pública, principalmente – e em “investimentos”, ou seja, participação acionária em outras empresas. Os bancos, por sua vez, aumentaram seus lucros por meio da arbitragem do dinheiro e da agilidade de aplicação dos recursos. Além da obtenção de renda inflacionária, eles ganhavam com a aplicação em títulos públicos, cujas taxas de juros e liquidez eram elevadas. As operações de crédito tornaram-se menos importantes, levando a uma alteração da estrutura de ativos dos bancos. Outra estratégia adotada foi a destinação de mais recursos para crédito ao setor público, que ofereciam menor risco em comparação com as empresas privadas (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002).

Telebras não causavam maiores transtornos com suas dívidas, holdings como a Eletrobrás, a Sidebras e a Nuclebras precisavam de recursos do Banco Central por não disporem de recursos próprios ou fontes de crédito.

A contrapartida do ajuste privado foi a deterioração das finanças públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado. O ajuste utilizado para possibilitar o serviço da dívida externa provocou uma severa contração nos gastos públicos e, indiretamente, prejudicou o lado da receita por causa da queda na atividade econômica. Uma das primeiras medidas tomadas nesse sentido foi a criação da Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais (SEST), em 1979, visando ao controle centralizado do dispêndio das estatais (TAVARES; ASSIS, 1985). Dotada de amplo poder, a SEST fez das empresas estatais um instrumento para promover o ajuste macroeconômico de curto prazo no início dos anos 1980, antecipando as exigências do FMI a partir de 1983 (RODRIGUES, 2017)40.

Depois da moratória do México em 1982, o acesso ao crédito externo foi interrompido bruscamente. A renegociação das dívidas externas foi vinculada pelos bancos internacionais à adesão aos programas de ajustamento monitorados pelo FMI, com o objetivo de forçar os países envolvidos a se comprometer com a geração de recursos para o pagamento da dívida. Os programas de ajustamento impostos pelo Fundo em troca de ajuda tinham o gasto público como principal alvo, pois seria a causa do sobreendividamento externo. Isto derivava da crítica dessa instituição ao modelo de substituição de importações implantado nos países da América Latina, em que o Estado tinha papel de destaque. Os resultados desses programas foram recessão, aceleração da inflação e deterioração das finanças públicas, sufocadas sob o peso das dívidas externa e interna (BAER, 1993; SAMPAIO JR, 1988).

Os investimentos públicos – tanto das empresas estatais quanto da Administração Pública Direta – foram especialmente penalizados, o que contribuiu para a deterioração da qualidade dos serviços e bens públicos. Duas principais medidas de política econômica afetaram o investimento público: i) Política de preços e tarifas dos bens e serviços produzidos pelas estatais a serviço da política anti-inflacionária; ii) controle direto das importações adquiridas pelas empresas estatais. Entre 1980 e 1983, as despesas agregadas das 20 maiores holdings estatais com pessoal e encargos sofreram uma queda de mais de 10% em termos reais. Verificou-se um corte real de quase 27% nos investimentos dos 20 maiores grupos estatais nesse intervalo, concentrado principalmente no ano de 1983, no qual ocorreu queda real de 30% em relação ao ano anterior. Tais cortes tiveram grave impacto sobre o conjunto da economia,

40 De acordo com Rodrigues (2017), o início dos ajustes neoliberais no Brasil pode ser identificado nesse período

em que as estatais foram submetidas aos objetivos do ajuste externo e, de maneira indireta, aos interesses imperialistas. O ajuste visava a proteger o lucro do capital internacional e de seus sócios locais, à custa do setor produtivo estatal.

dada a expressiva participação dos investimentos das estatais no total da formação bruta de capital fixo (WERNECK, 1987).

A capacidade global de autofinanciamento das empresas estatais também diminuiu, passando de 17% em 1980 para 10% em 1983. A queda na contribuição de fontes próprias foi acompanhada por uma redução da participação do Tesouro, depois do aumento em 1981. A exceção foram os grupos ligados ao setor de transportes (RFFSA, Portobras e Infraero), cuja contribuição do Tesouro se mostrou importante. Nos demais grupos, verificou-se um aumento das fontes creditícias vis-à-vis o capital próprio das empresas, indicando o endividamento a que foram levadas. Enquanto isso, os encargos financeiros apresentaram crescimento real de mais de 133% no mesmo período, sem que a receita operacional apresentasse crescimento significativo (WERNECK, 1987).

A contenção do reajuste de preços e tarifas públicas, combinada à política de altas taxas de juros internas, havia levado as empresas estatais a se endividar no exterior desde meados da década de 1970. Elas também foram usadas como instrumentos de captação de recursos em dólar, principalmente entre 1977 e o início dos anos 1980 (TAVARES; ASSIS, 1985). Desse modo, o endividamento externo das estatais e das autarquias federais não foi um erro de política, mas uma estratégia deliberada para ter acesso ao crédito junto ao sistema financeiro internacional. O saldo do ajuste, no final dos anos 1980, foi a defasagem dos preços e tarifas de bens e serviços ofertados pelo SPE, seu sobrendividamento e a redução da lucratividade até mesmo nos grupos de maior porte, bem como a desatualização do parque produtivo das empresas estatais (RODRIGUES, 2017; WERNECK, 1987).

Quanto ao setor de transportes, a redução dos investimentos colaborou para acelerar o desgaste da infraestrutura. Entre 1978 e 1985 houve uma queda persistente nos investimentos do DNER (de US$1,2 bilhão em 1978 para US$ 450 milhões em 1984). O período de 1986 a 1989 apresentou a recuperação do nível de investimentos ao mesmo patamar de 1978, enquanto verificou-se a estabilização na faixa de US$ 450 a 600 milhões por ano no período de 1990 a 1995 (PEREIRA, 1998). Quanto às ferrovias, entre 1980 e 1990 os investimentos da RFFSA reduziram-se significativamente, sendo que em 1989 o valor dos investimentos era equivalente a 19% do valor de 1980. Entre 1990 e 1993, os investimentos atingiram um patamar de 40% do registrado em 1989, voltando a cair em 1995 (MARQUES; ROBLES, 1998).

A situação da malha rodoviária do país mostrou-se crítica no início dos anos 1990, resultado da ausência de recursos estáveis e confiáveis. Além da idade avançada do pavimento, construído em grande parte nas décadas de 1960 e 1970, havia outros problemas nas rodovias federais, como a degradação das sinalizações horizontal e vertical e ausência de informações

aos usuários. Quanto à malha estadual, verificou-se que os estados com pior desempenho eram aqueles mais endividados junto ao governo federal. Ao passo que os estados das regiões menos desenvolvidas apresentaram melhoria persistente na situação de sua malha no período 1989 a 1994, o estado de São Paulo teve o pior desempenho no mesmo período, com deterioração visível de sua malha. Essa situação foi resultado da prioridade dada à construção e pavimentação, em detrimento da conservação e manutenção, nos dois governos precedentes (PEREIRA, 1998).

A queda dos investimentos no modal rodoviário também esteve relacionada à desarticulação do esquema de financiamento das rodovias. A desvinculação de receitas tributárias no âmbito da União a partir de 1974 significou uma redução na receita destinada ao FRN, que, além disso, foi afetado pelo enfraquecimento da base de cálculo do imposto único sobre combustíveis e lubrificantes, pela cobrança de tributos parafiscais no preço do petróleo (cuja receita não ia para o FRN) e, posteriormente, pela transformação de impostos específicos em impostos gerais (PEREIRA, 1998).

A vinculação de receitas de impostos a órgãos ou setores foi extinta em 1982, sendo posteriormente proibida pela Constituição Federal de 1988, por recomendação de tributaristas que recomendavam a adoção de impostos gerais (FIRMINO; WRIGHT, 2001; IPEA, 2010). A reforma tributária estabelecida pela nova constituição descentralizou a cobrança de vários tributos, que passaram para estados e municípios. Entretanto, as responsabilidades continuaram concentradas na esfera federal, que se via desfalcada de receitas (FIRMINO; WRIGHT, 2001). Por exemplo, o Imposto sobre Combustíveis e Lubrificantes (IUCL) foi substituído pelo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que passou a englobar o antigo Imposto sobre Serviços de Transportes (ISTR). Por sua vez, a Taxa Rodoviária Única deu lugar ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) (IPEA, 2010).

A redução da qualidade nos bens e serviços ofertados pelas empresas estatais decorrente da redução dos investimentos serviu de argumento para contestar a atuação do Estado enquanto empresário, mas a preocupação com os serviços públicos não era a principal motivação daqueles que desejavam privatizar aquelas empresas. Entre os fatores que deram força ao projeto de privatização, estavam o peso da recessão ao longo dos anos 1980 e a consequente obsolescência acelerada das plantas industriais e da infraestrutura física, relacionada ao desmantelamento dos serviços públicos e da redução dos investimentos estatais (LIMA, 2003).

O discurso favorável às privatizações estava relacionado à disseminação do neoliberalismo a partir do início da administração Reagan, por meio de agências internacionais, do governo estadunidense e de fundações estrangeiras, os quais financiaram e organizaram

publicações e seminários na América Latina. Outro canal de transmissão dessa visão foram os economistas e cientistas políticos formados em universidades dos Estados Unidos, como Chicago, sendo que muitos deles passaram a ocupar posições importantes nos governos de seus respectivos países. Tais ideias tiveram grande repercussão entre a burguesia brasileira, especialmente por meio da imprensa (BATISTA, 1994).

A adesão das classes dominantes latino-americanas às propostas do chamado Consenso de Washington41 possibilitou que se discutissem publicamente alternativas que

comprometeriam a capacidade nacional de decisão. Essa elite não somente concordou, mas começou a defender a tese de falência do Estado: “passou-se simplesmente a admitir como premissa que o Estado não estaria mais em condições de exercer um atributo essencial de soberania, o de fazer política monetária e fiscal. ”(BATISTA, 1994, p. 9). Não se restringiu a criticar a atuação do “Estado empresário”: questionou-se a capacidade de realizar funções que convencionalmente lhe cabiam. Por último, considerava-se que o combate à inflação deveria ser feito a todo custo, inclusive com renúncia à autonomia nacional (BATISTA, 1994).

Ademais, é necessário contextualizar os processos de privatização no Brasil e nos demais países latino-americanos na fase da mundialização do capital para entender por que suscitaram tanto interesse. As pressões crescentes por mobilidade e retorno rápido e elevado caracterizam a estratégia do capital internacional nessa nova fase, não apenas os instáveis fluxos de carteira, mas também o aparentemente sólido IDE. Enquanto isso, a América Latina passou por quase uma década de escassez de financiamento externo e sofreu as consequências do ajuste para pagar a dívida externa. Desse modo, o retorno dos fluxos de capitais externos para a região no início da década de 1990 assumia a aparência de uma “solução” para o problema em questão, porém que agravaria a vulnerabilidade externa dentro de pouco tempo.

De maneira geral42, cabe destacar que os processos de privatização na América Latina envolveram a desregulamentação e a transferência dos ativos estatais predominantemente para o capital estrangeiro. Em uma primeira fase, as vendas restringiram-se a pequenas empresas e negócios domésticos. No final da década de 1980, definiu-se uma segunda etapa, marcada pelo

41 O termo Consenso de Washington faz referência a um encontro realizado nessa cidade em 1989, com o objetivo de discutir as reformas já implantadas por países da América Latina. Para uma síntese das questões propostas, ver Williamson (1992).

42 O Chile foi um caso à parte, ainda que tenha se aproximado dos demais países posteriormente. No início da

ditadura de Pinochet, procurou-se devolver ao setor privado as empresas nacionalizadas durante o governo Allende (1970-1973), sem qualquer pagamento ao Estado e com ajuda creditícia aos empresários. Após a ruptura do financiamento externo em 1982, o governo chileno salvou diversas empresas privadas, estatizando-as, mas as vendeu nos anos seguintes. A nova fase das privatizações, a partir de 1985, teve determinantes principalmente ideológicos: os Chicago Boys e os militares desejavam completar de vez a eliminação do Estado Intervencionista, tarefa iniciada pela derrubada do governo Allende (PRADO, 1994: 62).

papel assumido pelas operações de troca direta de ativos – debt equity swaps (DES). Além desses ativos, as grandes empresas estatais e o “núcleo duro” do SPE (serviços públicos e insumos básicos) foram incluídos nos programas de privatização (PRADO, 1994).

As primeiras privatizações ocorreram no final dos anos 1980, ainda no governo Sarney, por meio da venda de participações majoritárias em 14 empresas detidas pelo BNDESPAR, subsidiária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tratava-se de empresas que haviam passado para o controle do Estado depois de operações de salvamento, não sendo originalmente estatais. Entretanto, as privatizações se tornaram um programa de governo apenas a partir de Collor (1990-1992), com o lançamento do Programa Nacional de Desestatização (PND) em 1990, inicialmente a cargo do BNDES (MOREIRA, 1994). O PND prosseguiu durante o governo Itamar (1993-1994), sendo que entre 1991 e 1994 a maioria das estatais industriais foi privatizada, incluindo todas as empresas estatais dos setores de siderurgia e fertilizantes e a maioria do setor petroquímico (PINHEIRO; FUKUSAKU, 2000). Uma vez privatizadas as estatais industriais, a perspectiva era de que o processo se estendesse para a infraestrutura econômica e para os serviços públicos (MOREIRA, 1994).

O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) aprofundou o projeto liberalizante que havia sido iniciado em 1990. Um dos principais temas retomados foi a reforma do Estado, tida como indispensável para a retomada do crescimento econômico e para a estabilização monetária. A aceitação da reforma pela opinião pública deve ser creditada à associação feita entre a reforma e a solução da crise fiscal do Estado, entre reforma e sucesso do Plano Real e promessa de que o serviço público se tornaria mais eficiente (CARINHATO, 2008). Durante seu primeiro mandato (1995-1998), o processo de privatizações foi retomado com intensidade, com a inclusão de empresas de mineração (como a Companhia Vale do Rio Doce) e infraestrutura, a ampliação do processo aos estados e municípios e a mudança nas relações entre os setores público e privado. Já a aprovação da Lei de Concessões (em 1995) mudou as normas para a concessão de serviços públicos, enquanto as emendas constitucionais aprovadas naquele ano acabaram com o monopólio público nas áreas de telecomunicações, de distribuição de gás por dutos e petrolífera. Por último, foram abolidas as distinções no tratamento dado às empresas de capital nacional e capital estrangeiro, o que ajudaria na privatização dos setores de mineração e eletricidade (PINHEIRO; FUKUSAKU, 2000).

Para tornar as empresas estatais atraentes para os potenciais investidores, o governo promoveu reajustes de preços e tarifas logo antes das privatizações, realizou maciços