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O ambiente cultural de Verney: A importância do livro na

consolidação do intelectual ilustrado e da cultura Iluminista

A construção do perfil de uma nova cultura ilustrada foi calcada na necessidade da formação de intelectuais, que se mobilizaram em direção à conquista premente de uma erudição que acompanhasse os quesitos iluministas. Na formação e consolidação da “civilização da razão” emergente, o livro e as bibliotecas personalizavam a estreita relação entre atitudes políticas, difusão ideológica e promoção cultural. Por meio das academias literárias se processava a construção de articulações e mentalidades baseadas na difusão de bibliotecas privadas que legitimavam a Metrópole pela criação de traços de união geográfica na cultura européia.

O Século XVIII marca, na verdade, um estágio novo na história do livro. Ainda hoje, em bibliotecas antigas se nota a preponderância do livro desse período. Os Conventos e os Fidalgos ostentavam prateleiras seguidas de todos os tempos. Recorde-se, entre outras, a do Convento de São Domingos, e ainda a do Conde de Ericeira, com 18.000 volumes. O monarca dava o exemplo, formando uma das maiores bibliotecas da Europa, com grande coleção de livros seletos, no magnífico Paço. (...) O gosto bibliográfico cresceu tanto que, falecidos os possuidores das grandes bibliotecas ou de bibliotecas especializadas, os livros eram vendidos por ventura em leilão. Em

1719 anunciava-se a venda de uma livraria de medicina e política, na casa do Dr. Manuel Soares Brandão.(ANDRADE, 1966, p. 82-83)

Verney era rotulado como um estrangeirado não somente por receber influência francesa pelos laços de sua paternidade como também por personalizar o ideário europeu que assimilara na sua estada em Roma, dilatando com suas idéias a realidade política e social de Portugal.

Em Portugal, a maioria das obras dos pensadores modernos penetrava por via de estrangeiros, ou por portugueses que viajavam para outras regiões da Europa – chamados estrangeirados. A casa dos Ericeiros, em frente de S. José da Anunciada, foi o primeiro cenáculo"esclarecido" português. (DIAS,1952, p.105)

A vigente intelectualidade construía a nova cultura de caráter iluminista em encontros sistemáticos, “o cenáculo”, que enfocavam os novos rumos da ciência, as tendências da nascente modernidade e as publicações existentes. Sempre reiterando a importância do livro como elemento difusor das novas correntes de pensamento.

No final do século XVII, funcionou na casa dos Condes de Ericeira uma espécie de Academia, onde se reuniam intelectuais para debaterem idéias que na época era de cunho revolucionária. As pessoas que freqüentavam esta casa eram, na sua maioria, estrangeiros, como o sábio francês António de Jussieu, da Académie de Sciences de Paris, e Bluteau, nascido em Londres de pais franceses. Bluteau estudou na França. Na historiografia, a palavra cenáculo amiúde designa grupos de intelectuais que se reuniam para discutir e trocar idéia (DIAS, 1952, p. 106)

O espírito nacionalista, o qual a Mesa Censória se encarregava de salvaguardar, era o elemento norteador das publicações que deveriam ser vetadas ou legalizadas. Porém, apesar desse processo de censura e seus

mecanismos de vigilância (sendo que a Academia Real de Ciências tinha total autonomia frente à censura), os livros proibidos eram comercializados e contribuíram efetivamente na formação do intelectual ilustrado. Alguns dos mais cobiçados foram: as versões traduzidas de obras célebres de Pope, Milton Yuong, Condillac, dentre outras. (ARAUJO, 2003, p.91)

A Real Mesa Censória além de se ocupar com a proibição ou aprovação dos livros que circulavam em Portugal e seus domínios recebeu o encargo de administrar e dirigir as escolas menores, a partir do alvará de 4 de junho de 1771.

Criada a Real Mesa Censória (carta de lei de 5 de abril de 1768) com jurisdição privativa e exclusiva em tudo o que pertencia ao exame, aprovação e separação dos livros e papéis já introduzidos e que de futuro se houvessem de introduzir, compor e imprimir em Portugal e seus domínios, é-lhe entregue por alvará de 4 de junho de 1771 < toda a administração e direcção das escolas menores, incluindo a administração e direção do Colégio dos Nobres, mas de todos os colégios e magistérios que fossem erigidos>. (MACEDO in PERES, 1934, p.435)

Foi a publicação do Verdadeiro Método de Estudar que gerou a polêmica entre a cultura religiosa e a cultura das escolas. A publicação dessa obra instituiu um diferenciado perfil do ideário português que se dá no bojo das relações entre o velho e o moderno e expressa a intenção na gestão pombalina de minimizar progressivamente a participação intelectual jesuíta, identificado com o regalismo. (CARVALHO, 1978, p.115) O auge desse movimento se dá com a expulsão dos jesuítas em 1759 e com a Reforma da Universidade de Coimbra em 1772, sob o ministério do Marquês de Pombal.

A expansão da oferta de livros em Portugal - tanto nas edições clandestinas quanto nas legais - esteve diretamente ligada ao número crescente dos potenciais compradores, que numa acirrada busca de poder e destaque social, tratavam de constituir e aprimorar o hábito da leitura, até então inerente somente aos jesuítas, doutos em filosofia e outras áreas. Na cidade de Porto, por exemplo, constatou-se que dentre as 125 bibliotecas particulares existentes, contraditoriamente era o clero quem detinha um número maior de livros. (DOMINGUES, 2000, p.19)

Uma contradição dessa expansão de oferta de livros foi o embate com o número expressivo de analfabetos, ou seja, a instauração da “Civilização das Luzes” em Portugal, não significava a resolução dos problemas sociais e a escola laica também não democratizava os saberes científicos de forma igualitária.

Apesar da expansão e da diversificação da oferta legal e ilegal de títulos, alguns impressores e livreiros atravessam dificuldades econômicas.(...) Esse dado, descontando um certo exagero, é importante num país escassamente alfabetizado, onde poucos se davam ao luxo de comprar livros e nem todos os que tinham competência para o fazer revelavam apetência pela leitura. (ARAUJO, 2003, p. 88)

A publicação da obra de Verney e de outros expoentes do iluminismo reformista, promoveu além do embate metodológico com a educação jesuíta, o contraponto entre a dimensão cosmopolita e a regional da nação, o que significou a dilatação do conhecimento que não deveria mais se circunscrever somente à Portugal.

Esse “Iluminismo Reformista” está intimamente associado à hegemonia do clero e da nobreza. Sendo assim, a renovação da cultura portuguesa no século XVIII deve-se,quase exclusivamente, à influência dos estrangeiros e estrangeirados.

A primeira metade do século XVIII foi teatro de uma luta intensa entre o elemento cosmopolita e o elemento sedentário da nação. Ao mesmo tempo que a diplomacia facultava a muitos portugueses a descoberta de idéias, dos costumes e da política em vigor na Europa de além Pireneus; aportavam ao Tejo alguns forasteiros que traziam consigo os rudimentos do saber universal. Alguns estrangeiros tiveram a iniciativa de introduzir as idéias de Newton. Castro Sarmento, por exemplo, enviou a Lisboa, com dedicatória ao Rei, o manuscrito de uma Chronologia Newtoniana Epitomizada. A corte, porém, recebeu estas obras sem qualquer testemunho de interesse, pelo menos aparente, pois nunca foram publicadas. Em 1744, publicaram a Lógica Racional Geométrica e Analítica de Azevedo Fortes. É o primeiro livro de caráter didático e sistemático modelado pelos padrões europeus. Nele encontram-se fortes traços de Cartesianismo. (DIAS, 1952, p. 118-134)

Nessa perspectiva de intercambio cultural, o estrangeirado Verney , representa para Portugal o acesso ao saber mais universal, no que diz respeito ao conhecimento trazido além das fronteiras portuguesas que dilatou a concepção do saber científico por meio da metodologia experimental, onde o conhecimento é subtraído dos dados da experiência.

Elegendo a metodologia experimental e a razão como critérios de verdade, Verney vincula a crítica ao superior desígnio de liberdade e de independência intelectual. Identifica o espírito filosófico com o juízo prudente e crítico, capaz de fazer observações úteis e discorrer com fundamento sobre as causas de qualquer efeito natural. Alicerça a disposição do entendimento para conhecer as coisas como são na apreensão metódica dos dados da experiência. (ARAUJO, 2003, p.57)