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4 CAPÍTULO III – Os interesses em jogo: da formulação à avaliação

4.6 O ambiente institucional na distribuição do PST

As políticas públicas de esporte destinado aos públicos infantil e juvenil não reconhecem, até o presente momento, nenhuma condicionalidade, do tipo do que é experimentado na educação e na saúde, nem a legislação imputou ao gestor alguma obrigação positiva de forma a enquadrar juridicamente seus desvios. Essa cobrança deveria se dar no plano político. Entretanto, essas políticas que conjugam criança, jovens e esporte não são plataformas decisivas à competição eleitoral e nem seus maiores beneficiários possuem instrumentos de accountability [para essa análise ver O’Donnell (1998) e Ceneviva (2005)] capaz de premiar ou de impor sanções aos que não respondem adequadamente às preferências desses grupos, que guardam um gosto especial pelas atividades esportivas83. Portanto, suas preferências são descartáveis no bojo das escolhas públicas.

Suas demandas só podem chegar ao debate político por meio de representantes que não são fios condutores desinteressados. Não que sejam portadores de um desvio moral, mas porque eles atuam como sujeitos políticos dispostos, se necessário, a maximizar seus interesses ou a colocar preferências coletivas em ação, aquilo que promove a sua plataforma de necessidades (associadas ao mundo dos adultos). Não é de se estranhar então que estudos que buscam identificar as preferências de bem-estar de jovens coloquem suas demandas numa situação inversa ao experimentado até pelos mecanismos de participação direta (SANTOS, 2010). O Orçamento Participativo em Porto Alegre,

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Não vou lançar mão de nenhum recurso teórico para comprovação dessa premissa, apenas vou trazer à opinião pública os resultados de uma experiência de duas décadas com o ensino da educação física em escolas públicas de Região Metropolitana de Porto Alegre. Desconsiderá-la, aqui, em nome de um rigor metodológico, seria a negação da experiência como um campo frutífero de construção do conhecimento.

reconhecido como importante espaço de experimentação da participação da popular na gestão do governo municipal, jamais conseguindo colocar entre as suas principais propostas as demandas do campo esportivo e, menos ainda, conjugando esporte e criança.

Apesar da realidade apresentada, as instituições [principalmente para aquelas de países onde estão consolidadas (FREY, 200)] teriam um papel estabilizador, garantindo um padrão nas interações, ao afetarem os comportamentos dos indivíduos (HALL e TAYLOR, 2003). Atores políticos poderiam agir não somente para promover interesses pessoais, como indica Frey (2000) e Cortes (2009). Para March e Olsen (2008), as instituições políticas afetam a distribuição dos recursos, pois muitos dos atores nos sistemas políticos são instituições. Mediações são realizadas entre a estrutura social e o comportamento dos indivíduos de forma a diminuir as incertezas e deslocam a atenção da produção das políticas públicas da ortodoxia do individualismo metodológico (FEREJOHN e PASQUINO, 2001; THERET, 2003). Em resumo, as instituições podem modelar a definição dos decisores, não como uma variável condicional, mas por creditar as instituições e as regras um papel importante na produção das políticas públicas (SOUZA, 2007).

A questão que se coloca, então, é o que justifica que essa temática atraia a atenção de atores e de governos se a norma não impõe uma obrigação ao poder público: a garantia do direito ao esporte. Um ponto importante pode ser analisado a partir do valor que essa ideia – o esporte como promotor de bem-estar para crianças e jovens [talvez essa ideia possa ser prensada como uma necessidade cultural na forma como é trabalhada no institucionalismo cultural (FERNANDES, 2002)] – tem tanto no imaginário popular como no desses personagens, principalmente. Concordamos com Gaya e Torres (2004, p. 63) quando afirmam que:

[...] os distintos sentidos, manifestações e motivações intrínseca às diversas práticas esportivas oportunizam a todos, independentemente das motivações que os movem e de seu grau de performance, encontrar na prática esportiva espaço de autoaprendizagem, autorrealização.

Ele não é apenas o resultado de discursos inflados em busca da manutenção da saúde ou de prevenção aos riscos sociais associados à droga e ao crime tão em voga nas justificativas dos projetos sociais esportivos nacional e internacional (CAMERON e MacDOUGALL, 2000). O esporte é portador de um valor cultural que extrapola argumentos vinculados a uma racionalidade instrumental. Crianças o praticam porque se

sentem atraídas por esta forma de diversão, para experimentarem as emoções que são despertadas por ele, que, segundo Dunning (2003), é um aspecto crucial da vida. Uma questão importante, e que embaralha tudo, é que a não oferta desse bem através de políticas públicas, como o PST, não implica em sua não experimentação. Não é difícil identificar, percorrendo qualquer canto da cidade, principalmente aos finais de semana, crianças e jovens jogando e se divertindo num espaço improvisado, principalmente na rua.

Não havendo mecanismo para agregação dos desejos e das necessidades infantis ou juvenis de forma direta (uma república das crianças ou dos jovens), precisamos apostar que suas preferências possam reverberar de alguma forma na sociedade e que as instituições passam a ter um papel fundamental nesse processo. A tese que procuramos levantar aqui é que a força dessa ideia [ideia aqui no sentido que é dado pelo Multiple Strems Model (ZAHARIADIS, 2007)], o esporte como um direito a ser garantido à criança (consideramos as justificativas sobre a saúde, melhoria do desempenho escolar e uma prática que não combina com o uso de droga apenas um recurso político para difundir essa ideia), está diretamente associada ao incremento dado pelas instituições ao ambiente político/cultural. Um ambiente que possa atuar, por conta de constrangimentos de várias ordens, na modelação de um cenário que dê materialidade a essas preferências. A ideia do esporte como um ingrediente indispensável à formação da criança, mesmo que se precise utilizar de predicados de baixa consistência empírica – como, por exemplo, “o esporte tira das drogas” –, depende que algo (as instituições) ou alguém (atores políticos) que dê vida a essa demanda no ambiente político. Com isso, ele é o resultado de uma dada sensibilidade cultural ou de um clima social favorável uma determinada ideia.

Se deslocarmos a produção da política pública de um enfoque centrado no ator e suas preferências, é possível identificar instituições produzindo mecanismos que promovem sua produção. Elas, antes mesmo de serem um espaço de fluidez de determinadas demandas e necessidades coletivas na implementação das políticas públicas, como propõe o neo-institucionalismo, é o produto/produtor desse ambiente. Na vida real, as instituições não estão ali apenas modelando o comportamento dos atores (MARCH e OLSEN, 2008), garantindo legitimidade social (HALL e TAYLOR, 2003) ou cumprindo função estabilizadora (FREY, 2000) à agenda política. A sua existência seria também patrocinadora e legitimadora desse ambiente valorizando determinadas ideias no espaço público.

A temática em pauta sugere pensar o ambiente institucional (não nos decorre uma expressão mais significativa) a partir da confluência de duas áreas que teriam papel

estratégico na formulação ou na difusão de políticas públicas na área esportiva: uma determinada ideia sobre o esporte e a atenção à criança e ao jovem. Dificilmente encontraremos alguma tese que não reconheça o esporte como indispensável à formação da criança. A atenção à criança, principalmente após o Estatuto da Criança e do Adolescente, o incorpora como um bem associado a sua existência, e condição sine qua non para uma sociedade saudável.

Dessa forma, as diferentes instituições, além de balizarem o campo de atuação dos os atores que desejam participar desse processo, promoveriam a difusão de determinadas ideias fundamentais de políticas públicas que seguidamente são secundarizadas diante de preferência do mundo dos adultos. Os constrangimentos construídos por um conjunto de instituições na difusão de determinadas ideias poderiam promover uma movimentação do governante em direção a produção de determinadas políticas públicas de baixo valor na competição eleitoral majoritária.

O pressuposto básico que assumimos neste trabalho é que um ambiente institucional robusto (com diferentes atores institucionais que pautem os direitos da criança e do esporte como um valor cultural importante à sociedade) criaria condições favoráveis à oferta de políticas públicas ao promover maior mobilização local em torno do tema. Ela, não necessariamente, seria o resultado de um contexto relacional, como propõe a abordagem das redes de Marques (2006), mas desta esfera criada em torno da atenção à criança e do esporte. A política pública seria o resultado de uma vitória cívica [muito próxima ao entendimento trazido por Putnam (1996)] em que as ideias e as instituições cumpririam um papel estratégico na garantia do bem comum.

O foco pretendido aqui não é assumir as instituições como um ator privilegiado, mas como uma variável associada ao ambiente (portanto possui uma dimensão geográfica) que influencia e estabelece certas possibilidades à construção de políticas públicas para um público que não pode exerce direitos cívicos, principalmente de acountability. Olhar para o ambiente institucional (formado pelo ambiente político e cultural) nos propõe como desafio a possibilidade de compreender como determinadas ideias podem ganhar força e construir cenários favoráveis à promoção de determinadas políticas.

É possível destacar quatro instituições na configuração dessa realidade: uma burocracia estatal autônoma (porque exclusiva) capaz de potencializar a área esportiva e servir como arena de disputas, especificamente uma Secretaria Municipal de Esporte; um espaço capaz de receber demandas da sociedade e servir como um canal de intermediação

de interesses na área esportiva, o Conselho Municipal de Esporte; uma instituição que teria como objetivo lutar pela garantia dos direitos das crianças, o Conselho Municipal da Criança e Adolescente; e a existência de uma norma municipal capaz de apontar deveres ao gestor municipal no campo esportivo, a Lei Orgânica. Ao mobilizar diferentes atores, atuando ou não em rede, permitiria uma maior fluidez de determinadas ideias, criando um clima favorável (num formato reduzido no national mood do Multiple Streams)84 à produção de políticas públicas de esporte direcionadas às crianças.

A demanda por essas instituições é dependente de interesses que possam conjugar uma determinada questão, considerada relevante por atores sociais, à arena política, nela está incluída o acesso de crianças e jovens à prática esportiva (seguidamente utilizada como justificativa à valorização da área). É possível pensar, que cada uma delas produz um espólio, do ponto de vista da valorização do tema e do número de atores envolvidos, que pode produzir um efeito capaz de apontar o valor que possui para uma dada comunidade aos atores políticos. Porém, não podemos deixar de considerar que a agenda política envolve avaliações seletivas, o que pode comprometer uma pauta infantil que não possui instrumentos de accountability.

Muito embora a política de esporte direcionada às crianças possa ser produzida pela secretaria de educação, ou por outro órgão, é por uma secretaria específica de esporte que ela se fortalece sem precisar justificar sua importância com predicados mais nobres do que a simples valorização da cultura esportiva. Essa pasta não poderia funcionar a partir dos impeditivos pretensamente éticos colocados por alguns críticos da transformação social que, por meio de uma retórica culpabilizadora da competição esportiva, pretendem estabelecer, autoritariamente e igualitaristicamente, o campo possível de satisfação das preferências. Sendo assim, pelo menos neste terreno, a liberdade de escolha, as diferenças e a autonomia estariam sucumbidas diante de orientações igualitaristas.

Como esfera produtora de políticas públicas, sua materialização no primeiro escalão de governo, implica o estabelecimento de dotação orçamentária própria, a liberdade para receber demandas de atores esportivos e a implementação de políticas que promovam culturalmente o esporte. Ela pode servir ainda como uma arena de disputa e de intermediação de interesses em torno da agenda esportiva. Estando subordinada a outro órgão, ela perde sua autonomia e seu orçamento precisa ser negociado, fato esse que cria dificuldades à produção de políticas públicas esportivas.

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O entendimento que procuramos desenvolver aqui é que a distribuição dos recursos públicos não é um resultado apenas de escolhas individuais, aos moldes do que propõe a escolha racional. Nesse sentido, os partidos, o desempenho fiscal e o ambiente institucional, na concepção que aqui estamos trabalhando, importam na difusão de políticas públicas da área esportiva, pois eles são variáveis que aparecem em diferentes estudos, com exceção do último, na conformação de determinados resultados da política pública.