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3. A VIVÊNCIA DO AMOR: AMOR FRATERNO, JUSTIÇA E IGUALDADE

3.1 As virtudes teologais: fé, esperança e amor

3.1.3 O amor

Se o amor207 funciona como um peso atraindo o homem para o seu lugar

de repouso208, podemos definir o amor como um movimento, uma inclinação ou uma

tendência para certo bem. O amor é a base da vida, é ele quem determina a natureza dos nossos atos, para o bem ou para o mal; por esse motivo dissemos anteriormente que o amor está em conexão com a vontade: amar nada mais é que desejar209, e assim como é sua vontade é o homem.

Existem diversos tipos de amor210, mas somente o amor ordenado

manifesta virtude, ou melhor, o amor ordenado é a própria definição de virtude211. E

amamos ordenadamente quando amamos aquilo que deve ser amado212. Se o

homem, guiado pela vontade, mover seu amor mirando bens menores, priorizando- os no lugar de bens superiores, esse amor será mau. Foi por causa desse amor desordenado, direcionado àquilo que deveria ser apenas meio, e não fim, que surgiu

205 De Trin., VIII, 4, 6.

206 De Trin., X, 1, 2.

207 Segundo Gilson, Agostinho usa os termos amor, caritas e dilectio como sinônimos (Cf. GILSON,

Étienne. Op., cit,. p.261). Essa mesma opinião é sustentada por Bavel (Cf. BAVEL, Tarsicius J. Van. Amor. In: FITZGERALD, Allan. op. cit., p. 39). Tendo como referência esses autores não estabelecemos diferença entre os termos. No entanto, apoiados nas palavras do próprio Agostinho, “Amor Dei, amor proximi, caritas dicitur” (En. Ps., 31, II, 5), neste trabalho usamos preferencialmente “amor” quando este é relacionado ao impulso natural humano e “caridade” quando fazemos referência ao amor a Deus e ao próximo.

208Cf. Conf., XIII, 9, 10. 209 Cf. Div. qu., 35, 1.

210 “Sabemos qué grandes cosas hace el amor. Con frecuencia este amor es reprobable y lascivo:

¡cuántas calamidades han sufrido los hombres, por cuántas deshonras han tenido que pasar y tolerar para llegar al objeto de su amor! Es igual que se trate de un amante del dinero, es decir, de un avaro; o de un amante de cargos públicos, es decir, de un ambicioso; o de un amante de los cuerpos hermosos, es decir, de un lascivo. Pero ¿quién puede enumerar todos los amores? Considerad, sin embargo, cuánto se fatigan todos los amantes y, no obstante, no sienten la fatiga; y más fatigas asumen cuando alguien les impide sufrir esas mismas fatigas. Si, pues, la mayor parte de los hombres son como son sus amores, de ninguna otra cosa debe uno preocuparse en la vida sino de elegir lo que ha de amar” (Serm., 96, 1).

211 “A virtude é a ordem do amor” (De civ., Dei, XV, 22).

212 “La caridad es la virtud con que se ama aquello que se debe amar.” (Ep. 167, 4, 15). Sobre esse

o orgulho213, a raiz do mal no mundo214. O orgulho, para o Hiponense, significa o

desprezo da ordem divina e ao, relegar a ordem, o homem fecha-se em si mesmo, passa a concentrar seu amor em si mesmo, na criatura; comete, então, o mal. Ora, se os males são resultados da ação do amor, por que, então, o amor ocupa um lugar especial entre as virtudes? Não seria mais prudente tentar suprimir o amor do homem? Para Agostinho isso é impossível215. O amor faz parte da natureza

humana, e, visto sua conexão com a vontade, um homem sem amor seria um ser apático, inerte. Já a respeito da centralidade do amor entre as virtudes, podemos dizer que de tão elevado que é o amor ele se confunde com a própria noção de virtude. Como qualquer ação humana envolve o amor, então não somente as más, mas também as boas possuem nele sua gênese.

Já em relação as três virtudes que estamos analisando, o amor possui primazia. É por reconhecer o papel absoluto do amor que Agostinho apresenta a máxima: “ama e faze o que quiseres”216. Fé e esperança tendem a desaparecer

mediante o alcance da verdadeira beatitude, com a imortalidade, mas o amor não. Não será necessário esperar algo que já é real, nem crer naquilo que passou a ser visível. Somente a caridade permanecerá:

Ora, à fé sucederá a clara visão que teremos na vida futura. À esperança sucederá a posse da própria beatitude à qual haveremos de chegar.

Quanto à caridade, crescerá sempre, ainda depois que desapareçam as duas primeiras virtudes [...]. E se, apenas ao esperar, amamos o que

ainda não obtivemos, quanto mais amaremos quando o possuirmos! Quanta diferença entre as coisas temporais e as eternas! Um bem temporal é mais amado antes de ser possuído. Depois, porém, perde seu valor, pois não saciou a alma para a qual o eterno somente é o verdadeiro e seguro descanso. O bem eterno, ao contrário, é amado com tanto maior ardor ao ser possuído do que fora ao ser desejado.217

213 Se o orgulho é uma perversão do amor, a humildade é a sua correção. A dicotomia entre orgulho e

humildade também está ligada ao amor: “O orgulho destrói a caridade; a humildade, ao contrário, fortifica a caridade; a caridade apaga os pecados” (In ep. Joan. ad Parthos, I, 6).

214 Cf. Serm., 96, 2.

215 “¿Acaso se os dice que no améis nada? De ninguna manera. Seréis perezosos, estaréis muertos,

seréis detestables, desgraciados, si no amáis nada. Amad, sí, pero mirad bien lo que amáis” (En Ps., 31 II, 5).

216 Ep. Jo., tr. VII, 8.

217 De doctr., christ., I, 38, 42 (grifo nosso). O mesmo é dito em sua obra de juventude Soliloquia:

“Mas enquanto a alma estiver neste corpo, ainda que veja, isto é, entenda plenamente a Deus, contudo, uma vez que faz uso dos sentidos do corpo para suas finalidades, embora não para o engano, mas, possivelmente, para alguma ambiguidade, pode-se chamar de fé essa força pela qual se resiste a tudo isso e se crê ser verdadeiro tudo aquilo. Além disso, ainda que nesta vida a alma seja feliz tendo conhecido a Deus, ela está sujeita a muitas moléstias corporais, mas espera-se que todos esses incômodos não subsistirão após a morte. Portanto, tampouco a esperança abandona a alma enquanto ela estiver nesta vida. Mas depois desta vida, quando ela se recolher totalmente a Deus, resta o amor pelo qual ela ali permanece” (Sol., I, VII, 14).

No documento A ética do amor em Santo Agostinho (páginas 66-68)

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