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1.4. Interpretação em Psicanálise

1.4.2. O Analista Como Ego Suplementar do Paciente

Heimann (1977), apoiando-se nas contribuições de Freud, postula que o analista atua como espelho do paciente. Como um espelho não tem self deve-se ter sempre presente que tudo o que o paciente diz e faz está tendo lugar dentro da situação transferencial e, por isso, devem-se procurar as razões e significados através das associações do paciente. A ilusão, o delírio e a alucinação substituem a percepção e o julgamento realístico do paciente. Conseqüentemente, o analista não está ali somente, ou primordialmente, para interpretar algo que aconteceu no passado, mas também está acontecendo agora. A pergunta que o analista

tem de se propor, constantemente, é: “Por que o paciente está agora fazendo, o que e a

quem?”

A resposta a essa pergunta constitui a interpretação transferencial. Ela define os verdadeiros motivos do paciente, originários tanto de seus impulsos instintivos, como também de suas defesas contra a dor e ansiedade para com o analista, agora, objeto deste.

É a interpretação transferencial que reinstala completamente o passado no presente e o torna acessível ao Ego do paciente. Este terá a possibilidade de viver com o analista o equivalente de sua vida passada com seus objetos originais que, na verdade, foram intrapsiquicamente preservados.

As modificações realmente válidas do superego resultam das mudanças operadas no Ego através de uma consciente elaboração de seus impulsos, conflitos e ansiedades.

Corroborando essa idéia Malcolm (1986) salienta em seu artigo “Interpretação: o passado no presente” três pontos que julga essenciais: 1. que interpretada a transferência o analista está simultaneamente interpretando passado e presente; 2. que a gênese e a resolução dos conflitos do paciente só podem ser alcançados e conseguidos interpretando-se o relacionamento do paciente com o analista; e 3. que as chamadas “interpretações genéticas”, isto é, interpretações que referem à história passada do paciente, não são o objetivo do trabalho analítico, mas têm a função de dar ao paciente um sentido de continuidade em sua vida.

Etchegoyen (1987), apoiado nos postulados psicanalíticos mais clássicos, chama de “interpretação completa” a interpretação que deve integrar todos os níveis que o material oferece: conflito infantil, conflito atual e transferência.

Outro autor que defende a idéia de que só há mudanças significativas se o trabalho for realizado na transferência é Strachey 19342. Este afirma que a ação terapêutica da

psicanálise depende das mudanças dinâmicas que produz a interpretação e, sobretudo, um tipo especial de interpretação, que ele chama de “mutativa” (mutativa com o significado de algo que muda a estrutura do superego arcaico do paciente). Mudanças econômicas, que pressupõem a presença do analista como superego auxiliar, permitem aflorar à consciência um determinado impulso do id que, em princípio, será dirigido ao analista. Esse é o ponto crítico - se o analista não responder como o objeto original, o analisando poderá fazer

discriminação entre o objeto arcaico e o atual; se o analista puder ser visto como superego auxiliar, em vez do superego arcaico, a interpretação consegue quebrar o círculo vicioso neurótico, e se torna mutativa. Há uma mudança na relação de objeto, tanto interno como externo, desta forma alterando o funcionamento superegóico. O psicanalista ressurge do processo interpretativo como figura real, que é o que mais importa a Strachey em seu artigo. Uma interpretação correta leva sempre implícita uma afirmação do analista em sua função.

Strachey chama, pois, de interpretação mutativa a que produz mudanças estruturais e diz que consiste em dois momentos. Essas duas fases possuem uma delimitação temporal. Podem se dar simultaneamente, como também ficar separadas. As duas fases não são nunca simples e podem ser muito complexas, porém, do ponto de vista genético, existirão sempre. A chave da teoria apóia-se em que o analisando tome consciência de duas coisas: um impulso instintivo e um objeto ao qual esse impulso não se enquadra.

A primeira fase se cumpre quando o paciente se torna consciente da pulsão ou, como diz Strachey, seguindo Freud (1915), de um derivado da pulsão. Isso pode ser alcançado direta e espontaneamente, ou seja, antes de interpretar, mas o mais comum é que o analista intervenha com interpretações sucessivas para que o analisando se dê conta de que há um estado de tensão e angústia. Assim terá que interpretar a defesa do ego, a censura do superego e o impulso instintivo em diversas formas, na ordem adequada, até que o derivado chegue à consciência e se mobilize a angústia em dose que será sempre moderada. Porque uma característica essencial da interpretação mutativa é que a descarga de angústia seria graduada. Se a dose é demasiado baixa, não se terá alcançado a primeira fase, se é alta, sobrevirá uma explosão de angústia que tornará impossível a segunda”. Na segunda fase é importante que o paciente discrimine o objeto real (analista) do superego arcaico.

Segundo Heimann (1977), se a interpretação dinâmica transferencial permanece ausente por muito tempo, e o analista meramente fornece clarificações preparatórias, o que vai acontecer com o paciente é que ou ele irá encontrar mais combustível para suas defesas intelectuais, ou irá experimentar mais uma frustração emocional, o que, novamente, não lhe trará nenhum proveito, como tão freqüentemente acontece em sua vida “lá fora”. A repetição não foi convertida em modificação, e isso, freqüentemente, vai conduzir o paciente a novas repetições; por exemplo, na forma de “acting out”.

Etchegoyen (1987) refere que se quiséssemos colocar esse problema nos termos de Paula Heimann, poderíamos dizer que tudo depende dos processos perceptivos que estão em jogo em um momento dado na situação analítica.

Ela diz que poucas vezes o analista é cabalmente o analista para o paciente. Muitas vezes ele é mera projeção dos objetos originais:

O problema que é colocado mais à técnica, talvez, que a estratégia, quando se faz uma interpretação histórica ou atual, é se o analista a faz de verdade ou é meramente o objeto que lhe foi transferido nesse momento. Se este último é o caso, a intervenção será para o paciente ameaça, reprovação, cumplicidade, sedução – tudo menos uma interpretação, porque omitiu o centro de dispersão que estava na transferência. O risco das interpretações extra-transferenciais, então, reside em que o paciente as receba com uma perspectiva transferencial. Em termos de Heimann, não teremos modificado a distorção perceptiva do ego do paciente. (p.241)

O autor salienta que todo mal-entendido pode ser corrigido. Aponta para a possibilidade

de cometermos um erro contrário, fazendo uma interpretação transferencial quando teria sido adequado atender ao conflito infantil ou atual. Se quisermos ser ainda mais precisos, teremos que dizer que toda interpretação vai ser bem compreendida por uma parte do ego (o ego observador) e ao mesmo tempo distorcida pelo ego vivencial, de modo que cada vez que vamos interpretar teremos que pesar ambas as possibilidades. Se o ego observador é suficiente (ou, o que é o mesmo, se contamos com uma aceitável aliança terapêutica), a possibilidade de que a interpretação seja operante é obviamente maior. É nessas condições, justamente, que aumenta o seu alcance da interpretação extra-transferencial.

Etchegoyen (1987), porém, enfatiza, corroborando com Heimann, que se permanecemos nas interpretações transferenciais os possíveis deslizes poderão ser corrigidos de imediato, no aqui - agora. Refere que se aceitamos sem reparos a teoria da transferência, podemos afirmar que, na medida em que corrigimos a intromissão do passado no presente, temos mais oportunidades de operar como analista.

Zimerman (2004) apresenta uma postura inovadora diante da perspectiva até então apresentada. Recorre ao paradigma da vincularidade, situando-a à psicanálise contemporânea, em que, o processo analítico não fica tão centrado na pessoa do analisando, tampouco na do analista, mas sim no campo que se estabelece entre eles. Isso implica na saída do analista como observador que passa a ser participante ativo, de modo que cada um

deles do par analítico influencia e é influenciado pelo outro. O autor fala dos caminhos que a interpretação tomou: refere que a princípio a via de acesso ao inconsciente se dava pela interpretação do simbolismo dos sonhos; num segundo momento, cedeu lugar à interpretação sistemática do “aqui-agora-comigo” da neurose de transferência. Na atualidade, a transferência não está sendo entendida como simples repetição do passado, levando em conta outros fatores, inclusive a pessoa real do analista.

Segundo Zimerman (2004), de acordo com a perspectiva atual da psicanálise vincular, nem tudo que o paciente traz à análise possui o objetivo de comunicar, pelo contrário, seu discurso pode ter como objetivo, controlar, induzir o analista a falar aquilo que ele deseja ouvir, a fim de triunfar sobre ele ou para não sofrer, nem fazer verdadeiras transformações e mudanças na sua personalidade.

O autor alerta para a possibilidade de ocorrer uma contratransferência patológica em virtude das projeções maciças do analisando no analista. Se isso acontecer a capacidade empática do analista ficará comprometida. O objetivo principal da interpretação seria o

insight, de modo que a convergência e inter-relação de diversos insights parciais é que vai

possibilitar o trabalho de uma elaboração psíquica e, conseqüentemente, a aquisição de verdadeiras mudanças caracterológicas.

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