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O aparecimento das instituições de acolhimento

[26] 4 Juventude e Socialização

5. Quando a institucionalização se torna uma solução

5.2. O aparecimento das instituições de acolhimento

A história do acolhimento e institucionalização de crianças abandonadas ou em risco, tem origem no aparecimento de correntes religiosas como o Cristianismo (Mota et al, 2008; Amado et al, 2003). No entanto, e apesar dos esforços da Igreja, o fenómeno do abandono de crianças persiste ao longo dos tempos, devido a vários factores (Loureiro, 1878, cit. in Amado et al, 2003). Segundo Trindad Fernández e Moreda (1996, cit. por: Amado et al, 2003) tanto em Portugal como em outros países da Europa, existem testemunhos desde a Idade Média, de práticas de abandono de crianças recém-nascidas. A extrema miséria em que a população vivia assim como a permanente instabilidade política, são segundo os autores, os principais factores que motivavam estes abandonos. Contudo, nos finais da idade média, especialmente durante os séculos XVII e XVIII, como resultado de uma nova «concepção social, filosófica e jurídica», surgem instituições - quase sempre de cariz religioso - com o intuito de recolher as crianças abandonas, tornando desta forma o abandono mais “legal” (Mota et al, 2008; Amado et al, 2003).

Ainda durante o século XVIII, os Estados ganham igualmente, segundo Amado et al (2003) responsabilidade perante estas crianças. Isto é, se inicialmente eram as Igrejas que tinham a função de albergar e proteger crianças abandonadas, a partir do século XVIII os Estados passam também a intervir. Neste sentido é criada a «roda dos expostos»:

“Uma espécie de «cilindro giratório com uma grande cavidade» e colocado junto à portaria dos conventos e onde eram depositadas as crianças; os religiosos encarregar- se-iam depois de encontrar amas que tomassem conta dos meninos; o tempo que levavam a encontrar esta ama e a falta dos meios destes estabelecimentos eram das principais causas da mortalidade destes expostos” (Trindad Fernández, 1996 cit. in Amado et al, 2003:23).

Em Portugal, esta forma de instituição foi oficializada em 1783 por Pina Manique, fundador da Casa Pia de Lisboa (Amado et al, 2003). Na perspectiva de Catarina Mota e Paula Matos (2008) eram diversas as razões que faziam «mães, pais, parentes ou tutores» abandonar crianças na roda dos expostos. Um dos motivos mais frequentes

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era a morte da mãe, especialmente porque muitas mulheres faleciam durante o parto. Todavia, segundo as autoras, são várias as pesquisas que indicam que grande parte das crianças abandonadas eram crianças oriundas de relações amorosas não abençoadas pela Igreja, isto é, filhos ilegítimos (Mota et al, 2003). Para Crespo (1990, cit. in Amado et al, 2003) os «expostos» eram não mais que o resultado dos «defeitos e excessos dos homens, levado às últimas consequências» (p.24).

A roda dos expostos tinha então como objectivo principal combater o infanticídio. No entanto esta forma de instituição não cumpria a sua missão da forma que se esperava, visto que 60 a 70% das crianças ai colocadas acabavam por falecer (80% delas logo no primeiro mês) (Amado et al, 2003). Muitos foram os autores que se debruçaram sobre esta questão, sendo a roda dos expostos muitas vezes apelidada como “açougue de crianças”, “infanticídio legal” ou ainda “sistema organizado de infanticídio” (Crespo, 1990 e Fernández, 1996, cit. in Amado et al 2003).

Passados oitenta e oito anos da sua criação (em 1871) a roda dos expostos é finalmente extinta, na sequência de decisões tomadas anteriormente no estrangeiro. Desta forma, procede-se em Portugal a atribuição de subsídios/abonos às mães carenciadas, sendo que esta solução rapidamente deixou de ser viável, surgindo assim os Asilos como resposta alternativa (Amado et al, 2003). Na óptica de João Amado et al (2003) “O internamento surge, assim, como a solução institucional em épocas sociais marcadas por transformações socioeconómicas, culturais e ideológicas profundas” (2003, 24). Ainda na opinião dos autores, a Assistência Pública é o modelo de protecção social em que assenta a prática de internamento, esta que só faz sentido quando compreendida no quadro das transformações socioeconómicas e demográficas originadas pelo desenvolvimento industrial (Amado et al, 2003). Para diversos autores (Crespo, Ruiz Rodrigo & Palacio Liz e Trindad Fernández, cit. in Amado et al, 2003) é uníssona a ideia de que a assistência se constitui como uma tentativa das «autoridades políticas» para atenuar não tanto a insegurança dos grupos carenciados que viviam abaixo do limiar sociológico de integração no meio, mas principalmente para aplacar a insegurança que estes representavam para a sociedade (p.24). Isto é, a orfandade, a mendicidade e a pobreza são vistas como um obstáculo a ordem social, neste sentido, há que segundo os autores, construir “defesas” contra os grupos que colocam em risco o normal funcionamento da sociedade (Amado et al, 2003). Esta preocupação pela manutenção da ordem social resulta assim numa «acção coercitiva, disciplinadora e moralizadora» por parte das

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instituições, por forma à «regeneração» dos indivíduos. Nas palavras do autor: “ As instituições expressam nos seus fundamentos uma mescla de protecção e repressão, de segregação e detenção, de asilo e de prisão” (Amado et al, 2003:24).

Segundo Mota e Matos (2008) em Portugal, o Estado começa a preocupar-se com as questões dos menores desprotegidos e abandonados em 1911 com a Lei da Infância e Juventude. Vários anos depois, em 1995, é iniciada a Reforma dos Direitos de Menores, que teve como objectivo primordial centrar a atenção na promoção da responsabilização em primeiro lugar da família, mas também do Estado e da sociedade, na protecção e promoção dos direitos dos menores. Em 1999 como resultado de todo um percurso político surge a ”Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”. Segundo o Art. 1 da lei 147/99 de 1 de Setembro (Alberto, 2004 cit. in Mota e Matos, 2008) esta lei tem como principal objectivo “a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem estar e desenvolvimento integral” (p.371). Na óptica dos autores esta promoção dos direitos dos menores justifica a intervenção quando se verifica que a criança ou o jovem vive numa situação de risco. Como já referido anteriormente, a intervenção institucional surge quando a criança está sujeita de forma directa ou indirecta a comportamentos que afectam a sua segurança ou o seu desenvolvimento (por exemplo: abusos sexuais ou emocionais, trabalho infantil, inexistência de recursos materiais na família, entre outros) (Mota e Matos, 2008). Neste sentido, os jovens negligenciados são encaminhados para os diversos tipos de instituições, sejam elas casas de acolhimento temporário, lares de acolhimento de crianças e jovens ou ainda famílias de acolhimento.

De uma maneira geral, e a apesar da diversidade das práticas existentes em cada instituição, os fenómenos de abandono infantil e de privação familiar são então encarados na tentativa de lhes ser dado uma resposta sob a forma de internamento. Apesar de a tutoria destas crianças ficar entregue ao Estado, é possível a existência de contactos mais ou menos frequentes com as figuras parentais (Mota e Matos, 2008). No entanto as instituições funcionam muitas vezes como agentes sociais que têm como função “substituir” as famílias, promovendo assim a educação moral, cívica e escolar das crianças, fornecendo-lhes valores, regras e normas de modo a que possam agir de acordo com o bom funcionamento da sociedade (Amado et al, 2003).

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Na perspectiva de José Garcia (2000) actualmente são várias as motivações subjacentes ao aparecimento das instituições de apoio a jovens, contudo estas têm como traço comum preencher as falhas sentidas em domínios como: “ (…) a ocupação de tempos livres, formação profissional, informação e cultura, desporto, delinquência juvenil, abandono familiar, toxicodependência, acesso à educação, saúde, inserção social e profissional” (Garcia, 2000:178). No âmbito da investigação realizada pelo autor supramencionado, é possível afirmar que mais de metade das instituições alterou o âmbito dos seus objectivos iniciais, devido sobretudo a dois factores. Segundo os técnicos inquiridos por Garcia (2000), o primeiro factor é resultado da crescente necessidade de adaptação por parte das instituições ao contexto histórico, social, económico e político envolvente. Neste sentido, com o surgimento de diferentes contextos existe uma necessidade proeminente de se criarem novas linhas de actuação, de modo a que estas se adaptem melhor à conjuntura vigente.

Quanto ao segundo factor este prende-se, segundo os técnicos, com as necessidades e apelos da população-alvo (Garcia, 2000). Torna-se assim, necessária uma adaptação, por parte da instituição, às problemáticas que vão surgindo. Neste sentido, é passível de compreensão que estes factores se interligam entre si, visto que, com a alteração dos contextos sociais, políticos e económicos, também a população-alvo se irá modificar, surgindo assim uma necessidade de adaptação por parte das instituições. Nas palavras do autor: “Desta forma, as organizações emergem como entidades dinâmicas que possuem uma certa capacidade de adaptação às conjunturas e contingências, mesmo que isso implique a «redefinição» dos seus objectivos inicias ou da sua latitude original, bem como a afectação de outros recursos e as actividades” (Garcia, 2000:179).

Inquestionavelmente são várias as iniciativas e esforços que têm surgido para promover os direitos das crianças, assim como lhes assegurar um desenvolvimento social, físico e psíquico saudável. Todavia, para Amado et al (2003), apesar dos avanços que têm vindo a surgir, os problemas das crianças no século XX e XXI não desapareceram. Pelo contrário, estes problemas não só não desapareceram como ainda diversificaram mais os seus factores em consequência de vários acontecimentos (guerras mundiais, capitalismo, crise das estruturas familiares, entre outros). Os autores concordam, no entanto, que cada vez mais assistimos ao aparecimento de novas iniciativas de acolhimento que tentam dar resposta ao contexto envolvente.

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Para Amado et al (2003) é fundamental não ignorar esta realidade e continuar a fazer esforços para melhorar a intervenção das instituições.