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CAPÍTULO 2 – AS VÁRIAS LENTES: SUSTENTAÇÃO

2.16 O aprendizado da leitura

Os saberes da oralidade dos jovens, adultos e idosos podem influenciar-lhes no ato de ler e como tal, trazer consequências a sua compreensão leitora.

Para este estudo é relevante investigar, a partir das contribuições da Sociolinguística, a relação estabelecida dos saberes da oralidade com a leitura. Observar em que dimensão os saberes da oralidade estão aflorando na leitura em voz alta, se os alunos jovens ou adultos leem suprimindo um R, um S, se desnasaliza, entre os demais procedimentos.

É pertinente também analisar se esses aspectos têm alguma consequência na compreensão do que se leu. Na leitura, as pessoas também constroem hipóteses, por exemplo, quando suprimem um fonema ou trocam um fonema por outro, estão dessa forma mostrando suas hipóteses. Mas o que interessa principalmente na leitura é saber até que ponto esses saberes, essas hipóteses, podem interferir ou não para a sua compreensão.

A esse respeito, contribui Gumperz (1982) ao apresentar o conceito de mudança de código que é um tipo de pista de contextualização13 muito relevante para a interpretação de uma conversa, no caso deste estudo, manifestação de interpretação de uma leitura, uma vez que a mudança de código linguístico indica interpretação contextual por meio da qual se pode deduzir ou pressupor o conteúdo de um texto lido.

Ao realizar a leitura de uma palavra, se o aluno jovem, adulto ou idoso suprime ou acrescenta uma letra, mas mostra compreensão do que lê, posso afirmar que ele realiza uma mudança de código linguístico e que tal mudança não interfere na compreensão de sentido do que lê, portanto ao realizar essa estratégia está demonstrando competência comunicativa.

Para observar o desenvolvimento da habilidade de ler do aluno alfabetizando jovem, adulto ou idoso, é necessário levar em conta alguns motivos pelos quais lemos um texto: para nos mantermos informados (jornais, revistas, etc.); há outros textos que lemos para realizar trabalhos acadêmicos; há textos que lemos por puro deleite (poemas, contos, etc.); há os textos que lemos para uma consulta (dicionários, catálogos, etc.); há outros que lemos com menos frequência (manuais, bulas, etc.); há os que chegam inesperadamente (panfletos, encarte de propaganda, etc.) e ainda há os que fazem apelos aos nossos olhos (outdoors, anúncios luminosos, etc.), o que fazem o ato de ler tornar-se em uma prática social.

Os objetivos do leitor em ler um texto é que orientam sua leitura, se leva mais ou menos tempo, se ler com maior ou menor atenção, com maior ou menor interação com o autor.

Garcez (2004, p. 23) conceitua leitura como:

Um processo complexo e abrangente de decodificação de signos e de compreensão e intelecção do mundo que faz rigorosas exigências ao cérebro, à memorização e à emoção. Lida com a capacidade simbólica e com a habilidade de interação mediada pela palavra. É um trabalho que envolve signos, frases, sentenças, argumentos, provas formais e informais, objetivos, intenções, ações e motivações. Envolve especificadamente elementos da linguagem, mas também os da experiência de vida dos indivíduos.

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Para Gumperz (1982) pistas de contextualização são quaisquer traços de forma linguística e ou não linguística, como: gestos, expressões faciais, entre outros, que veiculem informações, porém seus significados são transmitidos como parte do processo interativo.

Assim, o sentido de um texto se dá na interação autor-texto-leitor, e o ato de ler é visto como uma atividade que exige a interação entre esses três elementos, tornando a leitura uma experiência altamente complexa de produção de sentidos.

O professor ou professora de alfabetização de jovens, adultos ou idosos deve levar em conta o ensino de estratégias de compreensão leitora para o desenvolvimento e a formação do leitor com autonomia intelectual, crítico e provido das ferramentas necessárias para aprender a aprender. Para Solé (1998, p. 69-70) “estratégias são procedimentos de caráter elevado, que envolvem a presença de objetivos a serem realizados, o planejamento das ações que desencadeiam para atingi-los, assim com sua avaliação e possível mudança”.

Antes mesmo do início da leitura, o professor poderá valer-se de estratégias incentivadoras (SOLÉ, 1998, p. 89), tais como: “motivação para a leitura; apresentação (grifo meu) dos objetivos da leitura; revisão e atualização dos conhecimentos prévios; estabelecimento de previsões sobre o texto e formulação de perguntas sobre ele”. De posse dessas orientações, por parte do professor ou professora, o aluno torna-se motivado para a leitura e vê sentido em realizar tal atividade.

Durante o ato da leitura é quando deve haver uma maior integração do leitor com o autor do texto. Para Palincsar e Brown (1984) as estratégias responsáveis pela compreensão durante a leitura são: a) formular previsões sobre o texto a ser lido; b) formular pergunta sobre o que foi lido; c) esclarecer possíveis dúvidas sobre o texto e d) resumir as ideias do texto.

Após a leitura do texto, de acordo com Solé (1984, p. 134) continua-se compreendendo e aprendendo, porém algumas estratégias são responsáveis pela concretização de tais aprendizagens: a) identificação da ideia principal, b) elaboração de resumo e c) formulação e respostas de perguntas.

Apesar de que as estratégias são apresentadas separadamente em relação aos momentos de realização da leitura, no ato de ler, elas se apresentam imbricadas, ou seja, não é possível demarcar os limites entre o que se dá antes, durante e depois da leitura.

Para Batista et al (2007, p. 14) “a capacidade linguística de ler com compreensão precisa ser ensinada sistematicamente e isso deve dar-se,

principalmente, nos anos iniciais do ensino fundamental”, no caso dos jovens, adultos e idosos, no primeiro segmento, que é o período que corresponde a essa etapa de ensino.

Os mesmos autores apresentam algumas estratégias para o desenvolvimento da compreensão leitora (p. 40-46), tais como: a) desenvolver capacidade de decifração, o que compreende saber decodificar palavras e saber ler reconhecendo globalmente as palavras; b) desenvolver fluência em leitura; c) compreender textos, como identificar finalidades e funções da leitura, em função do reconhecimento do suporte, do gênero e da contextualização do texto; d) antecipar conteúdos de textos a serem lidos em função de seu suporte gênero e sua contextualização; e) levantar e confirmar hipóteses relativas ao conteúdo do texto que está sendo lido; f) buscar pistas textuais, intertextuais e contextuais para ler nas entrelinhas (fazer inferências), ampliando a compreensão; g) construir compreensão global do texto lido unificando e interrelacionando informações explícitas e implícitas; h) avaliar ética e afetivamente o texto; g) fazer extrapolações.

As estratégias apresentadas por Solé (1984), Palincsar e Brown (1984) e Batista et al (2007), embora apresentem diferenças em alguns aspectos, não se excluem, ao contrário; se complementam. Compreendo que quando os estudos de tais estratégias fazem parte do currículo de formação dos professores alfabetizadores de jovens, adultos e idosos, e estes entendem que aprender a ler requer que se ensine a ler então seus alunos tornam-se leitores proficientes em sua língua materna, aprendem a ser ativos ante a leitura e exercem controle sobre a própria aprendizagem.

A leitura de um texto pressupõe do leitor mais do que conhecimento dos códigos linguísticos, leva em conta suas experiências e conhecimentos prévios adequados ao entendimento do texto, não se trata, porém de que o leitor deva “dominar” o conteúdo tratado no texto, mas que a distância entre os conhecimentos deste e o conteúdo escrito permita uma atribuição de significado o que, de fato, vai demonstrar a compreensão e possibilitar a comunicação a qual ele se propõe.

No contexto de formação de leitores jovens, adultos e idosos alfabetizandos a leitura de mundo, fruto de suas experiências sociocognitivas, é determinante para a compreensão do que lê. Pois esses alunos ainda estão em processo de apropriação dos códigos alfabéticos, o que por vezes compromete a estratégia de

decodificação das palavras, visto que muitas palavras que aparecem nos textos em que estão lendo; podem ter pouca ou nenhuma familiaridade. Assim, evocam insistentemente tais conhecimentos para dar sentido ao texto lido e, em certas situações, fazem até o uso da mudança de código linguístico (cf. GUMPERZ).

De acordo com Solé (1998, p. 24) “o leitor utiliza simultaneamente seu conhecimento de mundo e seu conhecimento do texto para construir uma interpretação sobre aquele”. Dessa forma, espera-se que o leitor dialogue com o autor do texto, concordando, discordando, complementando ou adaptando suas idéias, já que “toda compreensão é prenhe de respostas e, de uma forma ou de outra, forçosamente, a produz” (BAKHTIN, 1992, p. 290).

Há que se destacar também alguns fatores de compreensão da leitura considerados relevantes, sobretudo no contexto das salas de aula de jovens, adultos e idosos, pois eles, em decorrência do fator idade e/ou saúde, podem ter suas aprendizagens comprometidas, caso interfiram alguns destes fatores: a) conhecimento dos elementos linguísticos, tais como o léxico; estruturas sintáticas complexas, marcadas pelo excesso de elementos subordinados; orações muito simplificadas, marcadas pela falta de elementos de ligação para indicar relações de causa-efeito, espaciais, temporais; falta de sinais de pontuação ou uso inadequado desses; b) capital cultural do leitor, condições em que o texto foi produzido; c) legibilidade, que pode ser do aspecto de formatação, como o tamanho das letras, clareza dos aspectos linguísticos e de conteúdo, cor e textura do papel, aspectos destacados por Koch e Elias (2006).

Acredito que a formação de um leitor competente e crítico passa pelas exigências e demandas de leitura feitas a ele cotidianamente. Em se tratando da formação desenvolvida pela escola, sobretudo no contexto dos alunos jovens, adultos e idosos, requer que esses tenham um ensino que privilegie a leitura e a escrita de textos de gêneros diversos, a fim de que atribuam sentido a esse aprendizado.

Posso afirmar que é responsabilidade da escola, como a agência por excelência propiciadora do letramento escolar, desenvolver estratégias que promovam condições aos alunos alfabetizandos jovens, adultos e idosos de terem contato com vasto material escrito, pois muitos deles vêm de contextos sociais onde há escassez de tais recursos, e com isso não conseguem dar o devido

reconhecimento a essas práticas. A esse respeito, Solé (1998, p. 32) acrescenta que “a aquisição da leitura é imprescindível para agir com autonomia nas sociedades letradas, e ela provoca uma desvantagem profunda nas pessoas que não conseguiram realizar essa aprendizagem”.

Assim, esses alunos devem ser incentivados a fazer uso com frequência da biblioteca escolar, por exemplo, sob a coordenação do professor, para que possam conversar sobre suas dúvidas em relação à apresentação dos livros que estão manuseando, como: ano de publicação, nome da editora, nome do autor, nome do ilustrador, gênero literário, contexto histórico em que a obra foi escrita, entre outros dados. Informações dessa natureza contribuem para despertar no leitor o interesse em conhecer a obra.

É sabido que os jovens, adultos e idosos que buscam a escola, para serem alfabetizados ou para ampliarem seus conhecimentos sobre a leitura, a escrita e demais áreas do conhecimento, têm experiências de vida e objetivos diferenciados daqueles que estão com sua escolarização compatível com a idade.

Esse público, em sua maioria, já exercita práticas de leitura, de escrita e de oralidade que nem sempre são validadas pela escola, uma vez que essa privilegia as práticas que tomam por base a norma culta.

No entanto, tais práticas desenvolvidas por esse grupo atendem, em parte, suas necessidades sociais de comunicação, contudo são insuficientes para atender as exigências que lhe são impostas, pelo mercado de trabalho, por exemplo, que busca um indivíduo com habilidades de letramento e de comunicação oral que vão além daquelas que eles trazem de suas experiências de vida com a leitura, a escrita e a oralidade.

No capítulo de referencial teórico apresento as ideias dos autores em que me embaso para compreender o objeto de estudo em questão. Faço um breve histórico da alfabetização de jovens e adultos no Brasil ao longo de cinco séculos. Apresento discussão sobre aspectos da sociolinguística e sua interface com a educação, sobretudo sua contribuição para a formação de professores de jovens, adultos e idosos, entre outros.

No próximo capítulo, abordo a metodologia usada para colher as informações durante o período da pesquisa de campo: princípios de uma etnografia educacional colaborativa.

A escolha dessa metodologia foi relevante para a realização deste estudo, pois acredito que tal percurso metodológico possibilitou atuar no contexto de pesquisa e, juntamente com os colaboradores, contribuir para algumas mudanças e transformações nas posturas de cada um dos atores.