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CAPÍTULO 2 – AS VÁRIAS LENTES: SUSTENTAÇÃO

2.10 Percepção das relações entre sons e letras: convenções

No início do processo de alfabetização é de fundamental importância que os alunos compreendam que os sons associados às letras são precisamente os mesmos sons da fala. Para as pessoas que já são alfabetizadas, essa compreensão parece ser natural, no entanto, segundo Adams et al (2006), o entendimento de que a linguagem falada é formada de sequências desses pequenos sons não se dá, sem esforço, de forma espontânea ou simples, em seres humanos que estão passando pelo processo de apropriação da língua escrita.

Sendo assim, é necessário que o professor alfabetizador de EJA elabore estratégias didáticas para o desenvolvimento da consciência fonêmica no aluno para que este compreenda que a língua é composta de pequenos sons da fala – fone – e estes correspondem a letras de um sistema de escrita alfabética. Sem a mediação docente tal conhecimento pode escapar a grande parte dos estudantes das salas de alfabetização, principalmente àqueles de origens menos favorecidas em termos de letramento, o que lhes pode trazer consequências para as aprendizagens em leitura e escrita.

Embora uma série de diferentes níveis de consciência linguística esteja implicado na compreensão leitora, a consciência dos alunos alfabetizandos acerca dos fonemas, de que os sons da fala correspondem mais ou menos a cada letra, tem um poder preditivo único, sendo responsável em contribuir para sua proficiência na leitura.

O trabalho do professor para o desenvolvimento da consciência fonológica não parece ser uma tarefa fácil de ser cumprida, principalmente nas salas de aula de alfabetização de jovens, adultos e idosos, pois estes já trazem consigo grande experiência no processo de comunicação oral, e, de modo geral, as pessoas não prestam atenção aos sons dos fones quando falam ou escutam falas de outras pessoas, preferindo fixar seu interesse ao significado e na força do enunciado em questão.

O desafio que se apresenta ao alfabetizador é desenvolver tarefas didáticas em que estes alunos percebam os fonemas e a possibilidade de separá-los, desenvolvendo a consciência fonológica.

É conveniente que o professor alfabetizador de EJA comece a intervir criando conflitos cognitivos (desafios) para o aluno em relação à escrita das convenções ortográficas. Esses conflitos cognitivos vão ter a função de fazer o aluno entender que sua escrita está “incompleta”, faltando algo e que seus saberes sobre escrita, até então, não estão sendo suficientes. Nesse momento, o aluno vai perceber a necessidade de apropriar-se da norma ortográfica.

Para entendermos a complexidade das convenções ortográficas, faz-se necessário ter em mente que a evolução da linguagem oral e a consolidação da linguagem escrita passam por processos históricos e representam a caminhada dos povos que as usam. Essas convenções ortográficas vão se definindo à medida que progridem os estudos sistematizados de ortografia.

O trabalho com ortografia deve ser uma atividade permanente. A partir dos primeiros estágios da alfabetização até as séries mais adiantadas, é preciso investir sempre nesse ensino. Buscar propostas criativas e inteligentes para tratar esse conteúdo certamente instigará o aluno a ficar atento às formas convencionais de escrever.

Propostas nesse sentido podem se pautar em diferentes formas de lidar com a ortografia, criando condições necessárias ao favorecimento da compreensão do princípio ortográfico, a partir de situações que privilegiem a descoberta desse princípio por meio de experiências reais dos alunos.

Lamentavelmente, consciente ou inconscientemente, alguns professores têm tratado o ensino das convenções ortográficas como um conhecimento que se adquire apenas a partir do treino e da memorização de regras, tornando esse estudo enfadonho e estéril. Morais (2003), concordando com outros autores como Roazzi e Leal (2003, p. 94), acredita que, para mudar esse quadro, um primeiro passo a ser dado depende de o professor saber o que é “regular e o que é irregular na norma ortográfica do português”. De posse desse conhecimento, poderá diferenciar o que os alunos podem “compreender, porque tem uma regra ou princípio gerador subjacente e o que eles terão que memorizar, porque é irregular”.

Conhecimentos dessa natureza contribuem para desfazer o equívoco de que a aprendizagem da ortografia efetiva-se apenas por meio de regras, dando lugar a

um ensino voltado à reflexão e compreensão, de forma que os alunos podem formular, com suas próprias palavras, as regras de que estão se apropriando.

Além dos pontos levantados, em termos do desenvolvimento da ortografia, é relevante também registrar que as vogais nasais são cinco: /ĩ/, /ũ/ /ẽ/ /õ /ã/. Os di- tongos nasais são: /ãu/, como em pão; /ẽi/ como em também; /uĩ/ como em ruim; /ãi/ como em mãe; e /õi/ como em põe.

O ditongo /ãu/, quando ocorre em sílabas átonas, é grafado em “am”, como em “falaram”; já o ditongo /ãu/ em sílaba tônica, aparece em muitas palavras, inclusive em nomes no aumentativo, como em “amigão”.

A diferença entre ditongo /ãu/ tônico e ditongo /ãu/ átono é muito importante e deve ser trabalhada em todas as séries do Ensino Fundamental, porque eles são representados graficamente de maneiras distintas. Alguns alunos vão sistematizar essa distinção logo, outros vão precisar de mais tempo e de intervenções variadas por parte do professor para avançar nesse conhecimento.

A representação do som /s/ tem significado uma das questões mais complexas na ortografia de nossa língua, porque várias são as possibilidades de se representar esse som. O som /s/ é representado pelas letras S, C, Ç, Z, X, e pelos dígrafos SS, XC, SC, SÇ.

Para continuar tratando das diversas representações gráficas do som /s/, e sobre a alternância entre C, Ç e S, é importante mostrar aos alunos que o Ç é empregado somente antes das letras A, O e U e nunca em início de palavras.

Outra dificuldade no emprego da letra S decorre de que essa letra, em alguns contextos, tem som de /z/; como ocorre quando o S vem entre duas vogais. Além disso, há palavras que são grafadas com a letra S, no final, como três, lápis, pires; e outras são grafadas com a letra Z, como xadrez, paz, nariz.

Essas são apenas algumas ocorrências de uso da letra S. Como apresentei antes, são vários dígrafos e letras que representam a letra S, constituindo assim uma dificuldade para o alfabetizando, uma vez que não existem formas de sistematizar seu uso correto por meio de regras. O princípio que rege esse conhecimento é considerado irregular na norma ortográfica do português.

Dessa forma, o uso das representações do som /s/ demanda ser fixado em cada palavra. Isso não significa que o enfrentamento dessas arbitrariedades ortográficas seja exigir que os alunos memorizem e declarem verbalmente as regras e as irregularidades das convenções da língua.

Assim, cabe ao professor alfabetizador de jovens, adultos e idosos buscar situações práticas do dia-a-dia dos alfabetizandos para trabalhar essas várias possibilidades de uso do som /s/ de forma que o aluno possa gradativamente apreender qual a representação indicada para cada caso.

2.11 Aspectos das convenções ortográficas que representam problemas na