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O “argumento ontológico” e a possibilidade da questão de Deus

OS FUNDAMENTOS ONTOLÓGICOS DO PENSA MENTO DE PAUL TILLICH

2.2 O ser, as categorias da finitude e a questão de Deus

2.2.1 O “argumento ontológico” e a possibilidade da questão de Deus

Uma das mais duradouras discussões que se percebe na história do pensamento oci- dental é a discussão em torno da questão de Deus. Em tanto tempo de disputa não houve vencedor e nem se logrou consenso algum. Mas isso era de se esperar, já que, na opinião de Tillich, eles não discutiam a mesma questão, ainda que usassem os mesmos termos. Os que atacavam os argumentos a favor da existência de Deus criticavam sua forma argumentativa, enquanto os que defendiam aceitavam seu sentido implícito. Para Tillich (2005, p.213), tan- to o conceito de existência quanto o método de argumentar buscando uma conclusão são inadequados para a ideia de Deus. O fundamento do ser não pode ser encontrado dentro da totalidade dos seres. Isso explica porque, ao longo do trabalho, entendemos que o ser-em-si fosse algo diferente da estrutura do ser (ser finito-existencial) que é descrita pela filosofia. Segundo Tillich, os escolásticos estavam certos quando disseram que em Deus não há dife- rença entre essência e existência, mas eles erraram ao tentar falar da existência de Deus e argumentar a favor disto (TILLICH, 2005, p.213). Destarte, seria uma grande vitória para a apologética cristã se as palavras “Deus” e “existência” fossem separadas, exceto no parado- xo cristológico61. Portanto, para Tillich, Deus não existe, Ele é o ser-em-si que está para além da essência e da existência (p.213). Se isso é verdade, então, todo argumento que bus- ca provar a existência de Deus acaba o negando implicitamente, porque o transforma numa coisa entre outras e o submete às categorias da finitude.

Tillich também não aceita o método de argumentar por meio de uma conclusão. Todo argumento deriva de algo dado nas conclusões sobre aquilo que se busca. No caso da argu-

60 Como mostramos, é possível comparar essa compreensão de Deus de Tillich ao que Bergson concebe como

élan vital. No entanto, a doutrina de Deus de Tillich não diz respeito apenas à duração e à criatividade infini-

ta do ser. A compreensão de Deus de Tillich também demonstra um forte aspecto negativo e místico (o mis- tério do ser).

61 No Volume II da Teologia Sistemática, Tillich elabora a noção de Novo Ser a partir do símbolo da figura de

“Cristo”. No dizer de Tillich, o Novo ser é o ser essencial que, sob as condições de existência, transpõe o a- bismo entre essência e existência. Mas essa é uma expressão simbólica utilizada por Tillich para o ser huma- no derrotar a alienação existencial (Cf. TILLICH, 2005, p.413-414).

mentação em favor da existência de Deus, Deus é o que se busca, e o que se tem de dado é o mundo. “Algumas características do mundo tornam necessária a conclusão „Deus‟” (p.213). Desse modo, Deus acaba sendo deduzido do mundo, mas não dependendo dele. Porém, o autor diz que se derivamos Deus a partir do mundo, não podemos dizer que Ele transcende infinitamente o mundo. Ele se torna o “elo que está faltando, descoberto por conclusões corretas”, a força unificadora entre a res cogitans e a res extensa (Descartes); o fim da regressão causal em resposta à pergunta: de onde? (Tomás de Aquino); a inteligência teleológica que dirige os processos significativos da realidade (Whitehead). Todas essas respostas apontam para a concepção de Deus como o “mundo”, isto é, “uma parte que falta daquilo que é derivado em termos de conclusões” (TILLICH, 2005, p.213). Tillich, entre- tanto, discorda e critica todas essas formas de apreensão da realidade divina, já que as res- postas acima contradiriam o conceito de Deus da mesma forma que o conceito de existência o faz.

Com efeito, o autor revela que os argumentos em favor da existência de Deus não são capazes de trazer qualquer tipo de prova da existência de Deus e nem mesmo se constituem como argumentos. Eles são apenas expressões da pergunta por Deus que está implícita na finitude humana (p.214). No seu entender, a teologia deve despojar os argumentos da exis- tência de Deus de seu caráter argumentativo e suprimir a combinação das palavras “existên- cia” e “Deus”. Esses “argumentos” analisam a situação humana de tal modo que tornam a questão de Deus possível e até necessária. É justamente aí que reside seu caráter argumenta- tivo.

Para Tillich, a questão de Deus é possível porque revela uma consciência de Deus, e esta consciência precede essa questão (p.214). Ela não se manifesta como resultado de um argumento, mas como uma pressuposição. Isso significa que não se trata de um argumento, pois este “argumento” aponta para a estrutura ontológica da finitude, mostrando que a cons- ciência do infinito se insere na consciência da finitude do ser humano. A infinitude do ser humano é potencial, enquanto a finitude é efetiva (p.214). A questão do infinito surge por- que a potencialidade dele é diferente de sua realidade efetiva, isto é, sua existência se dife- rencia de sua essência.

Devemos entender, por meio do argumento ontológico, como a infinitude potencial es- tá presente na finitude efetiva. Dentro da própria finitude nós podemos experimentar um elemento que a transcende. Tillich diz que o aspecto teórico dessa experiência foi elaborado por Agostinho, enquanto o aspecto prático, por Kant. Nenhum deles construiu um argumen-

to em favor da realidade de Deus, mas apenas mostraram a presença de algo incondicio- nal dentro do eu e do mundo. A pergunta por Deus não seria possível se tal elemento (trans- cendente) não estivesse presente. Ademais, também não teria recebido resposta racional ou da revelação (p.214).

O elemento incondicional, segundo o autor, aparece nas funções teóricas (receptivas) da razão como verum ipsum, a verdade-em-si, “e é norma de todas as aproximações à ver- dade” (p.215). Esse elemento também aparece nas funções práticas da razão como bonun

ipsum, o bem-em-si. E, no dizer do autor, ambos são manifestações do esse ipsum, o Ser-

em-si, enquanto fundamento e abismo do ser (p.215).

“Os limites do argumento ontológico são óbvios. Mas nada é mais importante para a filosofia e para a teologia do que a verdade que ele contém: o reconhecimento do elemento incondicional na estrutura da razão e da realidade” (TILLICH, 2005, p.216).

A destruição do “argumento” ontológico não é perigosa, de acordo com o autor. O que é perigosa é a destruição da possibilidade de se perguntar por Deus. Isso termina por de- monstrar a validade do argumento ontológico.