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8. O processo argumentativo

8.5 O argumento pragmático

Neste capítulo, analisaremos um argumento que busca relacionar os acontecimentos sociais, pelos quais os sujeitos estão expostos, aos argumentos que podem favorecer a tese. O locutor se vale da dimensão intertextual na construção de premissas baseadas em fatos que preexistem ao momento da enunciação. Esses fatos que servem de base aos argumentos visam avaliar as conclusões que se pode tirar a partir deles. A importância do acontecimento depende do resultado ou do efeito provocado por ele.

Deus está no controle

Cês querem ver? O cenário mundial, tudo o que está acontecendo, todas as coisas que estão acontecendo está sinalizando que qualquer hora Jesus vem. Jesus vem. O palco está sendo armado. Eu fico olhando assim aquele atentado nos Estados Unidos de onze de setembro. Vocês sabem que o último guardião no mundo pra Israel é o americano. Outros aliados que Israel já teve já não são tão aliados assim. E vocês sabem que eles vão ter que reconhecer Jesus como Senhor.

Neste trecho, o orador relaciona dois acontecimentos sucessivos (as coisas que acontecem – como o atentado – e a vinda de Jesus) por meio de um vínculo causal (cf. Perelman, 1996, p.299). Esse processo de causa e consequência é característica deste argumento, pois permite apreciar a vinda de Jesus consoante a “tudo o que está acontecendo” como o “atentado nos Estados Unidos de onze de setembro”. Quando as premissas partem do fato dado pelo âmbito social não há necessidade de se justificar, pois se trata de algo já reconhecido, porém as consequências foram construídas não pelo fato empírico, mas pela pretensão do orador em construí-la como tal.

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Você está respirando? Alguém paga o oxigênio aqui? ...Não? Paga não, né irmão? Molezinha, né? Você paga a empresa de água pra levar água até você, mas a água é Deus que dá, o oxigênio que você respira, é Deus. Ele tá no controle de tudo, irmão.

A água e o oxigênio são partes de uma realidade estabelecida e servem como premissas que compõem elementos eufóricos. Esses elementos e sua importância se fazem valer mediante a permissão de Deus, por isso o fato de respirar é uma consequência inquestionavelmente boa e favorável à tese de que se vive porque Deus permite. Percebe-se a menção a um fato obtido de uma realidade empírica e que não parece questionável e as conclusões construídas na/pela enunciação.

O preço da vitória

No enunciado “que tem muita gente que pensa:::que viTÓria...é uma coisa FÁcil:: -- sabe?-- que viTÓria parece até novela de televisão ou fil::me, porque na VERDAde, vida de viTÓria não é conversa fiada, não é novela de televisão, nem filme...”, “novela” e “televisão” são elementos que compõem a vida social e constituem recursos argumentativos na medida em que servem para confirmar a tese de que a vida real não é tão fácil quanto a ficção.

A vida profissional também é enunciada como argumento pragmático por conta do benefício financeiro, geralmente almejado pelas pessoas e defendido na tese proposta pelo enunciador. Cito o seguinte enunciado:

você vai ter que lutar contra a MALdade dos outros...você vai ter que lutar contra a:: con-cor-rên-cia...a VAGA que você quer no traBAlho? tem mil pesssoas também querendo... a VAGA de:: CHEFE que VOCÊ QUER? tem cem querendo...

Os acontecimentos sociais são trazidos à memória dos enunciatários de maneira com que haja uma identificação; não são acontecimentos distantes da realidade dos interlocutores.

o camarada quer fazer medicina ((contando nos dedos)), engenharia, quer passar pra uma universidade federal...continua jogando bola o sábado inte::ro, continua passeando no shopping todo final de sema::na...não renuncia na::da...namora todo di::a...dá um tempo meu filho...dá um tempo filha...cê não quer conquistar uma vitória?cê vai ter que renunciar coisas...quer comprar uma CASA::...e anda de carro novo de sessenta mil reais... como é que pode um negócio desse?...quer comprar uma CASA:: e vive comprando roupa nova de três em três meses...

No enunciado supracitado “fazer medicina, engenharia” ou “passar numa universidade federal” são aspectos da realidade que, para a maioria dos enunciatários, ainda constituem sonhos não realizados ou a realizar, um passo importante na vida, segundo propõe o discurso utilizado, por isso servem de argumentos. As ações citadas em seguida, que constituem

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acontecimentos que prejudicariam a conquista da “vitória”, também são ilustrações de acontecimentos sociais, as quais favorecem a tese defendida.

No enunciado “porque é muito fácil na hora da derrota transferir as nossas derrotas pros outros...é meu pai, é minha mãe, é meu marido...é minha muLHER...é esse meu patrão miserável...é esse governo, é o pasTOR::...”, os elementos também constituem realidades próximas aos interlocutores, facilitando a identificação com eles e causando um efeito persuasivo.

Ao enunciar o “programa na África e na Europa...” ou “uma cruzada assim como esta que se gasta uma fortuna de dinheiro...” enunciam-se acontecimentos que garantem resultado positivo: benefício financeiro das lutas pelas quais o enunciador já passou.

Deus quer usar você para coisas grandiosas

Se fosse eu talvez dissesse assim oh, “eu vou sair por onde”, por exemplo, quem ta no Rio de Janeiro, “Senhor se eu for pro norte, eu vou sair pro Espírito Santo, se eu for pro sul, eu vou sair para São Paulo, se eu for pra Oeste, eu vou sair por Minas Gerais, pra leste eu vou ter que pegar um barco porque é mar, mas me diz aí”. E Deus diz assim “SAI, SAI por ONde você quiser sair, deixa que Eu vou te levar ao lugar certo”

O conhecimento sobre geografia, assim como qualquer amostra de inteligência que o enunciador pudesse dar, é um fator que pode determinar a boa impressão sobre a figura do enunciador provocada pela própria enunciação. Provoca-se um efeito de sentido de que há um lugar certo e este lugar de conforto e de ordem divina se reflete na/pelo momento e lugar da pregação. Em outras palavras, o Rio de Janeiro e os outros pontos de referências geográficos são premissas de um argumento pragmático que visa favorecer a figura do enunciador enquanto conhecedor e, simultaneamente, favorecer a tese de que independente destes conhecimentos e da disposição em obedecer a Deus, é Deus que deve orientar indicando o lugar correto.