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O hiperenunciador: argumento do Ser Perfeito como modelo

8. O processo argumentativo

8.2 O hiperenunciador: argumento do Ser Perfeito como modelo

Quem nunca ouviu falar que o cachorro tem a cara do dono ou que a empresa é a cara do dono? Em se tratando de discursos constituintes esta identificação com o “dono” tem um estatuto diferente e uma intensidade muito maior.

A aquisição da identidade da comunidade discursiva em questão se faz mediante os atributos de seu mantenedor. Afinal, é pelo hiperenunciador que se mantém a organização discursivo institucional e é sua voz que é evocada, interpretada e buscada. Cabe a esta pesquisa reconhecer quais são estes atributos do Deus-hiperenunciador evocado nos sermões em análise. Sabe-se de antemão que, do ponto de vista da formação discursiva dos sermões ora analisados, a sua perfeição é inquestionável.

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Há menção à maneira que outros evangélicos caracterizam a Deus em conflito com os atributos dados ao Deus adorado neste programa, como acontece no trecho seguinte.

Sabe, que de vez em quando eu fico vendo alguns crentes que parece que quando Deus tem uma batalha com satanás, Deus ganha apertado: 1 a 0, gol aos 45 do segundo tempo, meu Deus, que coisa difícil pra Deus ganhar -- porque tem gente no nosso meio que faz uma apologia a satanás, de uma coisa TÃO FAN-TÁSTICA, -- nivelado com Deus, não em relação a nós -- que a gente até pensa que Deus pra ganhar uma batalha do diabo... Ai, coitado de Deus quase que não ganha.

Neste caso, a citação do antimodelo não serve apenas para caracterizar o comportamento não aceito, mas também para significar o hiperenunciador. Do ponto de vista do enunciador, há outros evangélicos que não compreendem as características “verdadeiras” do Deus adorado. Segundo o trecho, outros pentecostais admitem a existência de um Deus que trava sua luta árdua contra Satanás, enquanto o Deus “verdadeiro” se configura de outra forma: é um Deus poderoso e vence Satanás sem o menor dos esforços. O Deus adorado neste sermão não é o Deus adorado por outros pentecostais, pois o hiperenunciador é diferente em cada caso. Além disso, há outras designações para Deus como “DEUS é TÃO superior, é TÃO poderoso”.

De maneira geral, o sermão caminha no sentido de favorecer a tese sobre a existência de um Deus controlador que está no domínio da vida das pessoas, nos fenômenos naturais e nos acontecimentos sociais.

O preço da vitória

Neste sermão, não são enunciados os atributos do Deus-pai, o modelo de Ser perfeito é sempre Jesus, considerado o enviado de Deus e parte da trindade santa, por isso podemos considerá-lo como voz transcendente mantenedora do discurso, portanto o hiperenunciador. Descreve-se o sofrimento do filho de Deus ao renunciar sua “glória” e viver como humano com ênfase no resultado satisfatório.

Em

O::lha o tex::to que eu vou ler pra basear minha palavra...Lucas:: capítulo vinte e quatro, versículo vinte e seis [...] preste atenção...pala::vras:: de Jesus::...Sobre Jesus::... “Porventura:: não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua gloria?”... para que CRISto ENTRASSE:: na sua glória, fosse vitorioso --diz o texto-- que ele teve que padecer...

Jesus é significado como exemplo de comportamento para favorecer a tese defendida: é preciso sofrer para ter vitória. Observam-se ainda os enunciados

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olha o que a bíblia diz sobre Jesus em Filipenses capítulo dois, a partir do versículo cinco escute o texto... “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus... que sendo em forma de Deus, não usurpou ser igual a Deus...antes...aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de ser::vo e fazendo-se semelhante aos homens...e achado na forma de homem, humilhou-se até morte e morte de cruz” vou parar aqui...o texto vai continuar...isso aqui é renúncia...

Jesus pra ser vitorioso:: sofreu:: -- ((contando nos dedos)) tem desgaste emocional, tem desgaste físico...sabe? pra conquistar vitória...sofre...muitas vezes mais na AL::ma do que físico...angústia, me::do...sabe...inseguran::ça, aflições:: aguni::a...porque vitória tem sofrimento...gente...

Colocado na forma de humano, Jesus serve como o argumento na exemplificação de comportamentos próprios aos seres humanos, por isso, a santidade de Cristo não é colocada explicitamente em questão; isso não favoreceria a tese. Se “Jesus::: se preparou TRIN-TA anos...trinta anos:: para exercer um ministério de três anos, pra ser vitorioso...TRINTA ANOS de preparação...”, o crente também deve se preparar para ter vitórias: esta é a repetição da tese e constitui mais um argumento do Ser perfeito como modelo.

Em relação à persistência em se buscar a vitória, o enunciatário deve abster-se daquilo que o impeça, assim como fez Jesus ao ser tentado por Satanás. Observamos:

sabe que que o diabo fez? Mateus quatro...tentou persuadir Jesus da sua determinação -- ops...a gente não precisa brigar não:: tu não precisa ir pra cruz não olha...se prostares e me adorares tudo isso te darei -- tentando persuadir Jesus:: da sua determinação... Jesus disse VAI-TE SATANÁS...só ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele você vai poder prestar culto e louvar.

Em suma, os enunciados propõem que Jesus tenha sofrido com intuito de ser vitorioso (tese que diverge em relação a muitas denominações cristãs) e se afastado daquilo que o faria titubear de seu objetivo. Estes fatos, quando apresentados, devem levar à reflexão dos comportamentos dos enunciatários, pois se Jesus assim o fez, assim deve-se fazer. Afinal, Jesus é o exemplo de Ser perfeito.

Deus quer usar você para coisas grandiosas

A tese defendida é a de que Deus dá recompensa pelo esforço do crente desde que o crente reconheça que os benefícios alcançados foram dados por Deus.

Ao enunciar “é princípio de Deus. Deus usa o homem”, ressalta-se um atributo do hiperenunciador, ele faz as coisas acontecerem por meio do homem. O efeito de sentido proposto pelo enunciado é de que o enunciatário deve se colocar na posição de querer ser usado resultando no enaltecimento do nome de Deus.

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Observamos também a figura de um Deus agressivo em “não fica metido a besta não que Papai do céu puxa o tapete”. O enunciador profere este enunciado momentos depois de se referir àqueles que não reconhecem que seus bens foram conquistados por meio da bondade de Deus e, por isso, serão castigados. O reconhecimento de que Deus é quem oferece as bênçãos implica que reconheça este Ser na totalidade da sua perfeição, como também é observado o trecho seguinte.

Não se esquece não heim. ((aplausos da igreja))... Você vai fazer, meu filho, mas vai fazer através de mim heim. Você não vai fazer porque você é o cara não. Cuidado. Você não vai fazer porque você é o cara não. Sou Eu. Eu que vai fazer. Através de você, mas sou Eu. É o que Deus ta dizendo aqui.

A figura de Deus como ser paterno pode ser observada em: “deixa de conversa, meu irmão. Deus te prepara. ‘Vem cá filhinho, vem cá, que Eu vou dar um passeio com/vem, dar um passeio aqui com o titio pra ver o lugar que Eu vou te colocar, vem, vem cá, dá um passeiozinho aqui comigo’”. Neste caso, Deus está sendo significado por meio da reprodução da sua possível voz.