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setecentos e oitocentos

2.5. O arraial da Capela de São Sebastião da Pedra do Anta

A hipótese que norteou esta pesquisa compreende a criação do Arraial do Anta enquanto uma iniciativa de católicos laicos, os quais desejavam ser e estar em comunidade, de ser assembleia, materializando espacialmente a dimensão de sua religiosidade enquanto Igreja, com a fundação de uma Capela cujo orago era São Sebastião. Cabe lembrar que ao destacar o fator religioso na fundação de núcleos de povoamento, não estou desconsiderando a possibilidade de existirem interesses outros para tal feito, sobretudo ligados a interesses econômicos e políticos, tal como veremos a seguir.

A principal justificativa dos fiéis, ao solicitarem autorização para a construção de um templo ao Estado e à Igreja era o de ter acesso mais próximo aos sacramentos, como também uma garantia das pessoas em serem reconhecidas nas instâncias jurídicas e sociais, por meio do registro de nascimento, matrimônio e óbito, como também de suas terras. No início do século XIX, dentre os fazendeiros da bacia do rio Casca estavam o Major José Luiz da Silva Vianna e sua esposa, Dª Anna Esmeria da Conceição; proprietários da Fazenda Santo Aleixo; e o Capitão Luiz Manoel de Caldas Bacellar, proprietário da Fazenda Caatinga. De acordo com as publicações sobre Pedra do Anta mencionadas no item anterior, em ano e por motivações desconhecidas, estes fazendeiros foram responsáveis pela doação do patrimônio de terras de São Sebastião, de onde originou o núcleo de povoamento que é hoje a cidade de Pedra do Anta. Tal informação vai de encontro com a do “Almanack” de 1863, que informa ainda que as “terras do santo” eram formadas por um quarto de légua (aproximadamente 1.500 metros) 188 numa fábrica que, a época, pouco rendia.189

As publicações sobre Pedra do Anta informam ainda que o patrimônio de terras de São Sebastião foram administradas inicialmente pelo Pe. Bruno José de Souza e

188

No século XIX, uma légua equivalia aproximadamente seis mil metros. Está medida se referia, muito provavelmente, apenas um dos comprimentos do terreno, não sendo, portanto, a dimensão total de sua área, a qual não foi informada pelos autores do “Almanack”. De acordo com Márcia Motta, “muitos senhores de terras tendiam a apresentar a extensão apenas da testada de sua fazenda, eximindo-se de declarar a extensão pelos fundos e pelos lados”. In: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras

do poder: conflito e direito a terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: EDUFF, 2008, p.175-176.

189

BIBLIOTECA Nacional Digital. Almanack Administrativo, Civil e Industrial da Provincia de

Minas Gerais para o anno de 1865. Organisado e redigido por Antonio de Assis Martins e José Marques

de Oliveira. 2 Anno. Ouro Preto: Typographia do Minas Geraes. (1864 a 1874), p.175-176. Código de busca PR_SOR_00012_393428.

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Castro, sacerdote oriundo de Vila Rica, responsável por iniciar a construção da primitiva Capela em homenagem ao santo.190 De acordo com Cônego Trindade, em 1829 a Capela de São Sebastião de Pedra do Anta teria recebido Licença Imperial para sua fundação, passando a categoria de filial da Freguesia de São Sebastião e Almas (Ponte Nova) pelo Decreto Imperial de 14 de julho de 1832.191 Em 1843, por meio da Lei Provincial nº. 247, expedida em 20 de junho, o arraial que se formara nos arredores da Capela de São Sebastião foi elevado à condição de Distrito de Paz da Freguesia de São Sebastião e Almas (Ponte Nova), Cidade de Mariana, sendo suas divisas territoriais os ribeirões de S. Pedro, Muqueca, e Ramos do Ponte Nova.

É bastante provável que nos Sertões do rio Casca já haviam moradores estabelecidos desde o final do século XVIII em fazendas, pousos e roças, de modo que os patronos da Capela de São Sebastião – cito o Major Vianna e o Capitão Bacellar – apostassem que aquele templo serviria como um catalisador dos habitantes dispersos naquela região. Se não desta forma, o que teria motivado uma doação de terras para a construção de um templo em um local “deserto”? Como mencionei no início deste tópico sobre a criação do arraial da Capela de São Sebastião, para além dos interesses religiosos, a doação de terras para a construção de um templo guardava também interesses de ordem econômica e política. Sobre este primeiro ponto, podemos imaginar que a população que viria constituir um arraial certamente demandaria o consumo da produção de gêneros de subsistência produzidos nas fazendas dos patronos dos templos, além de figurarem também enquanto mão de obra não dependente, oferecendo algum tipo de serviço quando fosse necessário aos fazendeiros locais.

Sobre os interesses políticos presentes na doação dos patrimônios de terra, é provável que os arraiais elevados à condição de Distritos de Paz exerciam a função de locais onde ocorria o estreitamento de relações entre as comunidades e seus representantes locais. A partir da regulação do Juizado de Paz no Brasil, ocorrida em 1827, eram eleitos juízes192 responsáveis pela conciliação das partes nos processos

190

ALCÂNTARA, José Pedro. Op. cit., p.18.

191

TRINDADE, Raimundo. Instituição de igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro: Ministério

da Educação e Saúde, 1945, p.104.

192

O cargo de juiz de paz era ocupado por meio de processo eleitoral direto, devendo o candidato possuir uma renda liquida anual não inferior a duzentos mil reis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego, ter idade mínima de 21 anos (exceto quando fosse bacharel formado ou clérigo em ordens sacras) e saber ler e escrever, tal como estipulado na Constituição de 1824 em seu artigo nº.94. NASCIMENTO, Joelma Aparecida do. Os “homens” da administração e da justiça no Império: eleição e perfil social dos

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judiciais a nível local, além de serem responsáveis por dividir um distrito em quarteirões, nomear inspetores e elaborar lista de eleitores. Certamente tais funções jurídicas e políticas implicavam na formação de um poder local, desejado e representado também pelos patronos dos templos.