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I. Coordenadas da política externa portuguesa desde a adesão às Comunidades Europeias

I.2. Posicionamento dos partidos do “arco governativo” durante o processo de construção do

I.2.7. O atlantismo na política externa portuguesa

A crise de 2003, no miolo deste estudo, atingiu uma dimensão sem precedentes. O turbilhão mediático não permitiu, então, uma análise ponderada e comparada dos factos e dos seus efeitos. Anunciou-se a quebra (ou uma interrupção) das relações transatlânticas. Uma ruptura no que toca aos valores, às ideias, aos fins.

Por isso torna-se fundamental atentar na definição de atlantismo. O que significa, o que preconiza, como se enformou na política externa portuguesa, que argumentos foram utilizados para defender e aplicar o atlantismo.

Estudada, escrutinada há muito, a relação de Portugal com o oceano Atlântico é tão longa como a própria nacionalidade. Associado à actividade económica e fundamentalmente aos Descobrimentos, o Atlântico foi o caminho possível para um

reino sem recursos naturais e sem acesso privilegiado ao centro do continente. Portugal durante séculos não teve alternativa ao Atlântico. Ou o desafiava ou definhava.

As relações com o vizinho ibérico tornaram-se um dos principais condicionalismos do país. O Atlântico surgiu, portanto, como balanceamento das relações claramente desequilibradas entre os países peninsulares.

Embora muito houvesse para discorrer sobre a corrente atlantista, desde a sua génese (grosso modo, desde 1415), atentaremos (após uma breve introdução a esta corrente no âmbito das relações internacionais) apenas às particularidades do atlantismo português ao longo do período democrático. Assim, encontramos o atlantismo, como uma percepção de uma área geopolítica e valorativa que começou por estar vinculada a um conceito estratégico multinacional nascido durante a Segunda Guerra Mundial – através da assinatura da Carta do Atlântico, assinada em 11 de Agosto de 1941 pelo Presidente Roosevelt e pelo primeiro-ministro Churchill que viria a ser a primeira contribuição para a Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco em 26 de Junho de 1945.27 As ideias subjacentes à “Ordem das Nações Unidas”, só entraram em vigor após a queda do Muro de Berlim e da União Soviética. Assim, a partir do início da última década do século passado, foi introduzida na comunidade internacional uma percepção nova que continha como principal premissa, a existência de apenas uma superpotência cujos valores seriam o guia para o sucesso das nações “alinhadas”.

Para Portugal, estas alterações graves na arquitectura das relações internacionais surgiram como uma oportunidade de reposicionamento da sua política externa. Com efeito, o que o 25 de Abril de 1974 precipitou (particularmente no que toca à natureza do regime político a ao fim do “império”), a candidatura às comunidades europeias em 1977 e a adesão efectiva em 1986, confirmaram. No final dos anos 1980, Portugal era um país democrático, com ligações fortes e institucionalizadas com o continente europeu e empenhado na manutenção do eixo atlântico. Entretanto, no contexto internacional, termina a Guerra Fria e os Estados Unidos da América encontram-se pela primeira vez sozinhos no palco maior da história mundial.

Este período foi necessariamente intenso para os Governos e para a diplomacia portuguesa. Reencontrar o lugar de Portugal no mundo, foi essa a missão dos agentes políticos e diplomáticos de então, que cedo perceberam que os debates em torno das opções atlantistas, isolacionistas ou europeístas, não faziam sentido. O caminho seria assegurar uma articulação saudável entre os laços atlânticos e os compromissos com a

Europa – ou seja, o euro-atlantismo. O sucesso de Portugal no mundo pós Guerra Fria, com apenas uma superpotência e com um projecto europeu florescente, dependeria claramente do equilíbrio das decisões dos agentes portugueses em torno dos novos dilemas mundiais. Enquanto se vaticinava o “fim da história”, Portugal iniciava um novo capítulo da sua, tendo como leitmotiv a plena integração nas organizações internacionais (pela primeira vez sem estatutos de excepção) e, a nível interno, a construção de um país onde muito havia por fazer.

A Aliança Atlântica, expressão maior do atlantismo no século XX, organização que tanto contribuiu para a construção do projecto europeu após a Segunda Guerra Mundial, manteve após o fim da Guerra Fria, contra as expectativas de muitos especialistas, uma grande influência na nova ordem mundial. No Portugal democrático (em especial a partir da queda da União Soviética) a construção das opções da política externa ancorou na relação atlântica. O investimento português no projecto europeu não deixou de lado a integração na NATO porque esta afigurava-se um decisivo contrapeso a qualquer eventual tentativa de um projecto de tendência expansionista orquestrado, por exemplo, por países como a França e em especial a Alemanha. Assim a Aliança Atlântica surge como um meio de preservação de um equilíbrio intra-europeu entre os países continentalistas e atlantistas e, por isso, os governantes portugueses sempre se mostraram apreensivos perante a eventualidade de um distanciamento dos Estados Unidos em relação à Europa.

Após o colapso da União Soviética (e o consequente reequacionamento do papel da NATO no novo quadro internacional) e com o nascimento da União Europeia em Maastricht, Portugal, ainda que mais envolvido do que nunca no projecto continental, continuou relutante em relação a todas as propostas que sugeriam o incremento das capacidades militares autónomas dentro do projecto europeu – como por exemplo, a proposta franco-alemã de transformar a União Europeia Ocidental (UEO) no braço militar da UE. Assim, a institucionalização da Política Externa de Segurança Comum (PESC) no articulado do Tratado de Maastricht, reflectiu, no essencial, a perspectiva portuguesa sobre o processo mais adequado para concretizar a união política. Ou seja, um processo gradual e compatível com o papel de liderança que a NATO preservava no quadro da arquitectura de segurança do pós-Guerra Fria “e fundado na regra da unanimidade e no princípio do respeito pelas especificidades inerentes às políticas de segurança e defesa dos Estados-membros”. De forma muito resumida, em 1992, a leitura nacional da PESC poderia ficar cristalizada no seguinte raciocínio: “no plano dos

princípios, não existia uma incompatibilidade com a NATO e os representantes portugueses não iam permitir que esta ganhasse forma”. 28