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I. Coordenadas da política externa portuguesa desde a adesão às Comunidades Europeias

I.2. Posicionamento dos partidos do “arco governativo” durante o processo de construção do

I.2.10. A relação “especial com os EUA

A situação paradoxal de Portugal – enquanto país com um regime totalitário, pequeno e pobre – ter conseguido desenvolver uma relação de grande proximidade com os Estados Unidos, em especial a partir do convite para a integração no grupo fundador da NATO, fez com que nalguns círculos, se utilizasse a expressão “relação especial” para descrever esse relacionamento, que seria semelhante à relação Washington/Londres, desde a Segunda Guerra Mundial. Porém, a qualidade da relação entre estes dois países nunca foi inteiramente pacífica. Kissinger deixou claro que a relação era de sentido único: os britânicos sentiam uma amizade especial; os americanos não precisavam de retribuir e aceitavam o que lhes era oferecido.36 Ora, devemos ser

33 Jorge Nascimento Rodrigues e Tessaleno Devezas (2007), p. 156 34 Cf. Calvet de Magalhães (2003)

35 Calvet de Magalhães (2003) 36 Donald Sassoon (2001), p. 464

cautelosos em relação à adjectivação usada para descrever as relações de Portugal com os Estados Unidos.

Para Álvaro Vasconcelos, Portugal não só não tem uma relação especial com os Estados Unidos como não está disponível para colaborar com a potência em todas as circunstâncias. As relações que os dois países desenvolveram a partir da segunda metade da década de 70 do século passado, parecem fazer esquecer que a desigualdade e o interesse meramente securitário estiveram sempre presentes na diplomacia entre os dois Estados. Segundo Boaventura de Sousa Santos, “o único interesse americano que faz de Portugal um país amigo é a base das lajes”. Esta imagem terceiro-mundista, que espelha o desinteresse dos Estados Unidos por Portugal enquanto nação, impediu um maior equilíbrio nas relações culturais, económico-financeira, ou de outra natureza.

Portugal, ao longo dos anos 1980 e 1990, desenvolveu-se e ganhou outro protagonismo na cena internacional. Mas, até ao início deste século, a relação com os Estados Unidos continuou a mover-se, grosso modo, em torno da utilização das Lajes. Em 1998, durante a operação Raposa do Deserto (Iraque) e, em 1999, durante a operação Força Determinada (Kosovo), o debate não andou em torno da legitimidade destas operações militares mas sim, em torno das contrapartidas americanas pela utilização da base.

Portugal autorizou, como sempre, a utilização das Lajes mas existiu uma dissonância entre o papel real dos Açores nestas operações e o que os líderes políticos portugueses fizeram transparecer. Não há espaço neste trabalho para uma análise destas operações americanas, mas, consideramos fundamental referir que com a Administração Clinton houve uma secundarização da base das lajes na estratégia global do Pentágono. Para as Lajes, 1989-1991 trouxe o fim das tradicionais missões da base no apoio à estratégia dos EUA. A crescente sofisticação e alcance dos meios de destruição a longa distância, o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria aboliram o papel das Lajes na defesa avançada dos EUA, ao mesmo tempo que diminuíram substancialmente o seu papel no apoio à mobilidade estratégica americana em direcção à Europa.37

Esta posição não foi alimentada pelos políticos portugueses, em especial pelos líderes regionais da Região Autónoma dos Açores. Mas estes não se referem às relações Portugal-EUA, mas sim Açores-EUA. A título de exemplo, Carlos César, presidente do Governo Regional desde 1996, nas vésperas da passagem de Bill Clinton por Lisboa, em Junho de 2000, afirmou: “duvido que o Presidente dos Estados Unidos dirija cartas

pessoais a muitos presidentes de regiões como a nossa e isso já aconteceu com os Açores. Também duvido que outras regiões como a nossa tenham, a certos níveis, relações com a Administração americana”.38 Estas posições, comuns entre os políticos dos partidos do Poder, contribuem para perpetuar o que António José Telo chama de “disfunção nacional”, ou seja, por causa das Lajes e fundamentalmente, do discurso nacional em torno da importância das Lajes, Portugal deve continuar a desempenhar um papel relevante e a realizar funções que aparentemente estão muito acima da sua capacidade real.

A base das Lajes constitui um “pequeno teatro político e diplomático”39 que tem sido muito útil aos diferentes actores nacionais e regionais para galvanizar a opinião pública e recolher dividendos políticos. Na prática, as contrapartidas para Portugal e para os Açores em particular foram diminutos, tendo em conta, por exemplo, as dificuldades em fazer cumprir o acordo de cooperação de 1995.

A partir do 11 de Setembro mudaram os paradigmas securitários, aumentaram as incertezas e os medos, mas o papel de Portugal e das Lajes na estratégia norte- americana permaneceu. Dedicaremos um capítulo ao debate em torno da posição do Governo português em relação à intervenção americana no Iraque. Mas, aproveitamos para, em jeito de conclusão deste capítulo, referir que é muito duvidoso que se possa falar de uma “relação especial” entre Portugal e os Estados Unidos, porém, enquanto país democrático, membro da NATO e da UE, Portugal tem optado por um realismo nas relações com os Estados Unidos que lhe permite jogar em vários tabuleiros e ter um destaque assinalável para um país da sua dimensão.

Não colocamos de parte a hipótese de que alguns líderes se possam deslumbrar com a importância que por vezes é conferida ao país – e a eles, em particular. Aquando da cimeira das Lajes, a 16 de Março de 2003, estava previsto o presidente do Governo Regional, Carlos César, receber protocolarmente, Blair, Bush e Aznar, facto que chegou a ser publicitado pelo gabinete de César na véspera. Porém, após negociações com o gabinete de Durão Barroso, o líder regional foi informado de que apenas teria a oportunidade de receber o governante português, novidade que Carlos César recusou, tendo enviado, em sua representação, o secretário regional para a educação. A este

38 Miguel Monjardino (2000), p. 198 39 Miguel Monjardino (2000), p. 207

episódio, a revista Visão dedicou uma “caixa” a que chamou: “A Durão o que é de César”.40 Claro está, o protocolo ficou a cargo do primeiro-ministro Durão Barroso.

Resta-nos tentar compreender a real importância do país nas relações internacionais e distinguir o ruido da discussão séria de ideias que tantas vezes marca a debate político.