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O autor

No documento rafaelsenracoelho (páginas 67-69)

CAPÍTULO 3 – O PAPEL DAS LEMBRANÇAS E ALGUMAS MEMÓRIAS

3.1. O autor

Robert Francis Drummond (nome verdadeiro do escritor Roberto Drummond, que mais tarde "abrasileiraria" seu nome artístico) nasceu no dia 21 de dezembro de 1939, no Vale do Rio Doce, fazenda do Salto, no município de Ferros (MG), e faleceu no dia 21 de junho de 2002. Seu legado artístico compreende três livros de contos, sete romances e duas novelas, tudo isso produzido entre os anos de 1975 e 2002. Mas o verdadeiro incentivo para escrever foi no ano de 1971, quando venceu um concurso de contos no Paraná, e seu nome passou a ser notado cada vez mais pela crítica literária (OLIVEIRA, 2008, p. 16).

Sua carreira literária correu paralelamente com a de jornalista, ao trabalhar em veículos como o extinto Folha de Minas, o contestador semanário Binômio, jornal Última Hora, Estado de Minas e na revista Alterosa. Sua principal pauta no início da carreira eram textos políticos, com forte inclinação para as ideologias de esquerda, e, posteriormente, como diversos jornalistas perseguidos pelo regime militar, passou a escrever crônicas esportivas. Na última fase de sua vida, era conhecido por sua torcida entusiasmada para o time Atlético Mineiro (DUQUE, 2012, 64-66).

O projeto literário de Drummond, desde o início, era estabelecer uma obra que rompesse com a forma e o modo de escrever cristalizados pelos cânones brasileiros. Vem daí seu intuito de realizar o que ele próprio se referia como literatura pop.

Acho que a literatura `pop´ é um negócio capaz de fazer da literatura o que os Beatles fizeram na música – tornar a literatura um troço tão importante pra gente como esse cigarro que você tá fumando e que tá preenchendo um momento de sua vida; como um comprimido de AAS que você toma quando tá com dor de cabeça, entende? Uma literatura que o menino do elevador, numa hora de folga, num feriado, possa pegar e ler e entender à maneira dele (DRUMMOND, 1975, p.3).

68 O termo “pop” surge inspirado nos procedimentos executados pela Pop Art, um movimento estadounidense surgido em meados dos anos 50. Partindo de influências do dadaísmo e surrealismo, artistas como Jasper Johns e Robert Rauschenberg assumiam também todas as implicações mercadológicas ao redor do objeto artístico, e as incorporavam na própria estética do movimento. Artistas como Richard Hamilton e Andy Warhol estavam não só familiarizados com o ritmo da produção e do consumo pós-guerra, mas também sentiam-se muito a vontade com as demandas do mercado (McCARTHY, 2002).

Inspirado também pelos ciclos que fazem parte da tradição literária brasileira, Drummond criou seu Ciclo da Coca-Cola, que compreendia os romances O dia em que Ernest Hemingway morreu crucificado e Sangue de Coca-Cola, além dos livros de contos A morte de D.J. em Paris e Quando fui morto em Cuba. Através de um ícone da cultura de massa, Drummond tenta sedimentar um ciclo novo na tradição literária brasileira. Para Maria Lúcia Guelfi,

Tendo migrado das clássicas interpretações sobre a realidade do Brasil, a palavra ciclo entrou na história da literatura brasileira para designar as seqüências de romances que narram transformações econômicas e sociais, ocorridas em longos períodos, descrevendo as diferentes etapas de uma determinada fase de produção. O modelo básico, que inspirou RD, vem do romance neonaturalista dos anos trinta, que consagrou o ciclo da cana-de-açúcar, de José Lins do Rego, e o ciclo do cacau, de Jorge Amado (GUELFI. Apud: OLIVEIRA, 2008, p.17).

Apesar da iniciativa de Drummond, seu ciclo não deixou herdeiros, começando e terminando em sua própria obra, como reitera o próprio autor:

Se há uma coisa que eu consegui e que vale para os outros livros, é que se trata de um tipo de literatura rotulada como Roberto Drummond. Aquilo não era de ninguém, era meu, com todos os defeitos e virtudes. Só com muita má vontade alguém pode falar que algum outro autor já fez aquela incorporação de nomes de Hollywood, de produtos, em literatura. Há disso em pintura, em música, mas não em literatura (DRUMMOND. In: RIBEIRO, 1988, p. 9).

Podemos entender a defesa que Drummond faz de seu projeto literário quando nos voltamos ao já mencionado conceito de “capital cultural”, em que

69 diversos artistas disputam símbolos dentro de uma ampla “arena” estética. Aparentemente, sua intenção era defender e legitimar seu auto-intitulado rótulo de literatura pop. Entretanto, diversas obras literárias publicadas nessa época se valiam de diversas incorporações que Drummond revoga exclusivamente para si (o romance PanAmérica, de José Agrippino de Paula, é apenas um dentre diversos outros exemplos possíveis de se mencionar aqui).

Sílvia Oliveira avalia que, mais do que uma suposta marca de ineditismo e de estilo de Roberto Drummond, o que impediu que sua literatura pop fosse apropriada por outros escritores da sua época talvez tenha sido uma possível inconsistência entre o discurso e a prática do autor. Na leitura de Sílvia, o que Drummond produzia na literatura, a despeito de quaisquer juízos de valor sobre sua obra, parecia distante do que ele mesmo propagava como sendo o ciclo que criou e que se inseriu:

Ao cunhar um termo novo - “literatura pop” - (já que antes nenhum outro escritor havia denominado assim seu próprio tipo de literatura), Roberto Drummond falou, concedeu entrevistas, tentou explicar o que seria este “movimento”, porém, quanto mais falava, mais pareciam contraditórias suas declarações com o que, de fato, lia-se em suas obras. Textos de conteúdo, aparentemente, simples, repletos de imagens cotidianas, mas muito densos na forma, contrastam com a “singela” intenção do autor de fazer “uma literatura que o menino aí do elevador, numa hora de folga, num feriado, possa pegar e ler e entender à maneira dele” (OLIVEIRA, 2008, p. 27).

Apesar de eventuais críticas dirigidas à literatura pop alardeada por Drummond, é possível elencar, como afirmamos antes, tendências literárias e culturais que compartilharam de diversos pressupostos seus, como o concretismo, a tropicália, ou a poesia marginal produzida pela geração mimeógrafo. Mesmo na prosa e no romance, podemos localizar elementos comuns à esse projeto estético, sendo possível arriscar que obras como as de Rubem Fonseca ou Dalton Trevisan certamente apresentam elementos da cultura de massa e do universo pop em alguns momentos.

No documento rafaelsenracoelho (páginas 67-69)