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O avanço do projeto neoliberal e a reestruturação produtiva do capital

Capítulo II – TRABALHO NO BRASIL E REFUGIADOS: condições objetivas na

2.1 O avanço do projeto neoliberal e a reestruturação produtiva do capital

A doutrina neoliberal surgiu com o economista austríaco Ludwig Von Mises (1881-1973), na década de 1920, e começou a ser sistematizada no fim da II Guerra Mundial, por outro economista austríaco, Friedrich Von Hayek. Nasceu como uma resposta contrária ao modelo de desenvolvimento centralizado no papel do Estado e tinha como foco combater o controle dos mecanismos econômicos por parte do Estado, que era considerado como uma ameaça à liberdade econômica e política e a principal causa da crise do sistema capitalista

[...] Na década de 1970, diante da crise fiscal do Estado, as ideias passam a ser socializadas, tornando-se a fonte de inspiração e de sustentação do pensamento reacionário do mínimo Estado e do máximo mercado [...] Nesse período, inicia-se a materialização do pensamento neoliberal pelos governos que, alegando a crise fiscal do Estado, encontram o caminho para fortalecer o capitalismo e aniquilar os movimentos sociais, fortalecendo as elites dominantes (HOBOLD, 2002:20)

Como resposta à necessidade de contenção das crises econômicas e em razão do interesse em reverter o quadro das dívidas externas de países subdesenvolvidos para garantir e fortalecer a acumulação externa de capital, e com base na doutrina neoliberal

[...] em novembro de 1989, houve um encontro de presidentes da América Latina com representantes do Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) exigindo dos países, por meio do chamado Consenso de Washington, reformas estruturais, como a privatização de empresas públicas, desregulamentação dos mercados, descentralização, para a retomada do crescimento (GUERRA, 2017:50).

Nesse encontro, algumas das propostas definidas foram: ajuste fiscal, com aumento das exportações/importações, diminuição das tarifas alfandegárias e aumento das reservas internacionais; corte de gastos sociais para diminuir a dívida dos Estados; reforma tributária, para aumento da receita com a cobrança de mais impostos à população e, por outro lado, diminuição da cobrança de impostos sobre o capital produtivo; abertura financeira e comercial (globalização financeira), com a criação de blocos econômicos e livre circulação de capital no mundo; política de privatizações, reduzindo o quanto fosse possível a participação do Estado na economia; redução dos gastos do Estado, através de demissões em massa e terceirização de serviços, diminuição de leis trabalhistas protetivas e do valor real dos salários; e aumento da taxa de juros e controle da inflação. Ou seja, uma imposição para que os países colocassem em prática a política neoliberal, de valorização e poder do Mercado na resolução dos problemas econômicos e políticos. Os Estados Unidos e o Fundo Monetário Internacional (FMI) foram grandes idealizadores das medidas recomendadas no Consenso de Washington para prestar auxílio aos países em crise.

Vários países foram afetados em suas economias pela exigência da instituição da nova doutrina. No Brasil, as políticas neoliberais foram definitivamente implantadas durante a década de 1990, estabelecendo graves alterações na “[...] relação do Estado com a sociedade, e de direcionamento das políticas públicas, especialmente no que se refere ao mundo do trabalho e ao mercado financeiro” (HOBOLD, 2002:27), causando dificuldades estruturais no combate à pobreza e outras formas de expressão da questão social, e trazendo mudanças que

(...) terão graves consequências para o mundo do trabalho, para os trabalhadores, como a precarização e desregulamentação das relações de trabalho, a desproteção trabalhista, o subemprego, o aumento da informalidade (já historicamente presente na sociedade brasileira), são mudanças sociais negativas profundas que revelam o grau de destruição provocado pela chamada globalização ou financeirização mundial do potencial do capital (GUERRA, 2017:51).

A partir da política neoliberal, com a flexibilização das relações de trabalho e fragilização dos direitos, amplia-se a quantidade de trabalhadores terceirizados, o subemprego e o desemprego, revelando-se, então, um quadro de precarização, ampliado pelos ataques aos direitos trabalhistas que haviam sido conquistados em décadas anteriores. O mundo do trabalho foi duramente afetado pelo projeto neoliberal. As primeiras mudanças nos processos de produção e serviços aconteceram ainda durante os anos 1980, influenciadas tanto pelo neoliberalismo quanto pela reestruturação produtiva do capital.

[...] Tendo na reestruturação produtiva do capital a sua base material, o projeto neoliberal assumiu formas singulares e fez com que diversos países capitalistas reorganizassem seu mundo produtivo, procurando combinar elementos do ideário neoliberal e dimensões da reestruturação produtiva do capital. (ANTUNES, 2010:226)

O capitalismo tem como base de organização e reorganização o processo de acumulação, dentro do qual ele se modifica de acordo com a necessidade de manutenção desse padrão acumulativo, se reestruturando a cada crise.

Nos anos 1970, o modelo produtivo dominante no mundo era o de produção em massa (fordismo/taylorismo), com uma “[...] mescla da produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além de fundar-se no trabalho parcelar e fragmentado, com uma linha demarcatória nítida entre elaboração e execução” (ANTUNES, 2010:225), que já não garantia a estabilidade que o sistema necessita e, então, o capitalismo passava por uma crise estrutural, com estagnação tecnológica, queda das taxas de lucro e diminuição da produtividade.

[...] O modelo de produção estruturado no fordismo/taylorismo foi a base que sustentou a organização do Welfare State, ou seja, o Estado de Bem- Estar Social fundado na relação recíproca, coletiva do conjunto dos trabalhadores em sua relação com a responsabilidade do Estado. A base de sustentação do Welfare State era o trabalho assalariado, por meio da contribuição do conjunto dos trabalhadores apropriada pelo Estado e devolvida em forma de proteção social, ou seguro social (GUERRA, 2017:57)

O modelo fordista/taylorista de produção trazia consigo um aparato de segurança para os trabalhadores que seria rompido. A Toyota havia desenvolvido, no Japão pós-guerra, um sistema baseado na produção flexibilizada, onde o trabalhador era um sujeito acumulador de funções, capaz de operar múltiplos sistemas e máquinas e a produção era a chamada just in time, que previa a fabricação conforme a demanda e uma minimização do acúmulo de estoque, além de promover a terceirização, com os trabalhadores sendo contratados por prestadoras de serviços.

Esse sistema foi privilegiado pelo avanço tecnológico trazido pela revolução industrial, e contava com novas máquinas, o desenvolvimento da robótica e os sistemas de informação internacionais. “[...] Tendo sido responsável por uma retomada vigorosa do capitalismo no Japão, o Toyotismo apresentava-se então como o mais estruturado receituário produtivo oferecido pelo capital, como um possível remédio para a crise” (ANTUNES, 2010:226).

No sistema Toyotista, o trabalhador pode fazer parte de ações como controle de qualidade e de mudanças e melhorias no próprio processo de trabalho, participando de funções que extrapolam aquelas para as quais foram contratados. Essa aparente “parceria” entre trabalhador e empresa resulta em intensificação do trabalho e uma subordinação maior do contratado, que passa a ser multifuncional.

[...] Essas consequências no interior do mundo do trabalho evidenciam que, sob o capitalismo, não se constata o fim do trabalho, como medida de valor, mas uma mudança qualitativa, dada, por um lado, pelo peso crescente de sua dimensão mais qualificada, do trabalho multifuncional, do operário apto a operar máquinas informatizadas, da objetivação de atividades cerebrais e, por outro lado, pela máxima intensificação das formas de exploração do trabalho, presentes e em expansão no novo proletariado, no subproletariado industrial e de serviços, no enorme leque de trabalhadores que são explorados crescentemente pelo capital, não só nos países subordinados mas no próprio coração do sistema capitalista (ANTUNES, 2010:229).

A reestruturação produtiva é, portanto, um conjunto de transformações ocorridas no mundo do trabalho e no cenário produtivo, o qual levou a uma flexibilização nas formas de organização e gestão da força de trabalho, bem como dos processos de acumulação do capital.

A flexibilização das relações de trabalho aprofunda drasticamente o desemprego estrutural, a precarização e a desregulamentação do trabalho, causando insegurança ao trabalhador, que fica sujeito a um crescente processo de

terceirizações e contratos temporários. Haverá negociações sobre os direitos de trabalho, ferindo a legislação antes conquistada e que passa a se adequar aos interesses da classe hegemônica.

Para o trabalhador assalariado, a reestruturação produtiva não afeta apenas as relações de trabalho. Por causa da flexibilização do processo de acumulação, o Estado neoliberal precisa se adaptar aos ditames do capital e também passará por ajustes, que afetarão gravemente os direitos sociais. O Projeto Neoliberal exige o Estado mínimo para as necessidades da população e o Estado máximo para a necessidade de reprodução do capital (NETTO, CBAS). É a repressão à ação e dever do Estado em proteger a sociedade como um todo, em suas garantias fundamentais à saúde, educação, habitação, assistência social, entre outras, afirmado como custos que devem ser contidos para o equilíbrio econômico.

Entre o fim do século XX e início do século XXI, segundo Antunes, (2011:15), “[...] Foram tão intensas as modificações nos processos de produção que a classe- que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século”. Para Antunes (2010), a classe-que-vive-do-trabalho

[...] inclui a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho... a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo assalariado. Sendo o trabalho produtivo aquele que produz diretamente mais-valia e participa diretamente do processo de valorização do capital, ele detém, por isso, um papel de centralidade no interior da classe trabalhadora, encontrando no proletariado industrial o seu núcleo principal.

[...] engloba também os trabalhadores improdutivos, aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como serviço, seja para uso público ou para o capitalista, e que não se constituem como elemento diretamente produtivo, como elemento vivo do processo de valorização do capital e de criação de mais-valia. São aqueles em que, segundo Marx, o trabalho é consumido como valor de uso e não como trabalho que cria valor de troca.

[...] O trabalho improdutivo abrange um amplo leque de assalariados, desde aqueles inseridos no setor de serviços, bancos, comércio, turismo, serviços públicos, etc. até aqueles que realizam atividades nas fábricas mas não criam diretamente valor (ANTUNES, 2010b:102 itálicos e negritos originais).

Uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Essa noção incorpora o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part time, o novo proletariado dos McDonald’s, os trabalhadores hifenizados de que falou Beynon, os trabalhadores terceirizados e precarizados das empresas liofilizadas de que falou Juan José Castillo, os trabalhadores assalariados da chamada “economia informal” , que muitas vezes são indiretamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva, na fase do desemprego estrutural.

[...] exclui, naturalmente, os gestores do capital, seus altos funcionários, que detêm papel de controle do processo de trabalho, de valorização e reprodução do capital no interior das empresas e que recebem rendimentos elevados (Bernardo, 2009) ou ainda aqueles que, de posse de um capital acumulado, vivem da especulação e juros. Exclui também, em nosso entendimento, os pequenos empresários, a pequena burguesia urbana e rural proprietária (ANTUNES, 2010b:104 Itálicos e negritos originais). Compreender contemporaneamente a classe-que-vive-do-trabalho desse modo ampliado, como sinônimo da classe trabalhadora, permite reconhecer que o mundo do trabalho vem sofrendo mutações importantes (ANTUNES, 2010:103/4 itálico e negrito originais).

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