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o “b uraco n egro h olandês ”

No documento Reforma do Euro Uma Proposta (páginas 64-68)

Reforma do Euro 2014 Uma Proposta

1. a estrada Para o e uro

3.3 o “b uraco n egro h olandês ”

A falta de harmonização fiscal é outro ponto-chave no desenrolar da crise que analisaremos com a ajuda do exemplo do “buraco negro holandês”.72

Os mecanismos que levaram a União Europeia à sua crise passam também por um tremendo défice de integração tributária. Enquanto uma harmonização do código fiscal do consumo foi criada no contexto da criação de um mercado único europeu, essa mesma harmonização verificou-se limitada ou não-existente nos mercados de fatores.

De acordo com o atual quadro regulamentar, trabalhadores e empresas podem trabalhar atravessando as fronteiras europeias até um máximo de seis meses, mantendo os seus códigos de trabalho e códigos fiscais nacionais. Os efeitos desta situação são visíveis no transporte rodoviário transfronteiriço – uma indústria de mobilidade quase perfeita – com um considerável aumento da indústria ocupada por países de salários e impostos baixos.

Até certo ponto, era isto que era suposto ter acontecido, porque isso ajuda países mais pobres a conseguirem uma maior fatia do mercado. No entanto, temos de ter em atenção que esta situação cria um sério descontentamento social entre os trabalhadores de salários mais baixos de países mais ricos – o que pode levar a consequências políticas graves.

O assunto torna-se mais sério quando toca fatores imateriais com mobilidade perfeita, como o direito à propriedade intelectual. A determinação do valor do nome de uma marca é um assunto

72 Ver FMI (2013), pp. 25. De acordo com o FMI, os grandes excedentes da balança de transações correntes

não geraram uma posição correspondente na posição líquida de investimento internacional. Apreciação das taxas de câmbio, desvalorização de patrimónios intangíveis, o facto dos ativos externos holandeses compreenderem largamente dívidas e Investimento Estrangeiro Direto (IED) enquanto as obrigações estrangeiras são enviesadas na direção do capital com maiores ganhos, e problemas estatísticos relacionados com a contabilidade de ações de capital em subsídios são tidas como peças importantes para explicar este fenómeno – conhecido como o “buraco negro holandês”. Assim, devido a problemas estatísticos na manutenção do registo de transações de capital nas Balanças de Pagamentos, tanto os dados na balança de transações correntes como o PIIL têm de ser tratados com precaução.

controverso. Como a fiscalização dos direitos de propriedade intelectual não está harmonizada, é bastante lucrativo para uma empresa registar-se num país europeu de baixos impostos à propriedade intelectual, atribuindo os seus lucros à sua marca. É isto que está agora a acontecer em grande escala na Europa. Num país como Portugal, praticamente todas as grandes empresas privadas transferem a sua base para a Holanda de forma a baixar significativamente a carga fiscal.73 De acordo

com a imprensa, este mecanismo tem causado a fuga de uma grande parte dos seus lucros, estimados em milhares de milhões de euros só nos últimos anos, aumentando assim os problemas de convergência de Portugal.

Acreditamos que tenha sido esta realidade que criou o “buraco negro holandês” que foi detetado pelo FMI. Por detrás de um jargão económico confuso, o FMI basicamente afirma que o excedente contabilístico externo holandês – o mais alto em termos relativos na Europa – é artificial.

Quadro 4: Balança de Transações Correntes dos Países Baixos 2000-2013 (em percentagem do PIB aos preços do mercado)

73 Das 20 maiores empresas portuguesas – as do chamado PSI-20 – 19 estão ligadas a estruturas com sede nos

Gráfico 11: Balança de Transações Correntes holandesa 2000-2013 em percentagem do PIB

A consequência de uma desarmonizarão de políticas fiscais europeias corresponde a uma complexa otimização fiscal e esquemas de engenharia fiscal que se estão a espalhar pela Europa e que têm estes resultados.

Enquanto a ausência de uma harmonização fiscal em fatores de produção como estes é facilmente entendida como um assunto sério por parte da União, podemos considerar a ausência de harmonização em impostos sobre o imobiliário como não sendo motivo para preocupações, porque o imóvel não pode atravessar fronteiras.

Contudo, isto não é inteiramente verdade. A política fiscal imobiliária é um fator determinante nos mercados, e a inflação em mercados imobiliários é um fator fundamental na criação de bolhas especulativas bancárias e contas externas desequilibradas – como podemos ver no caso da Irlanda, Espanha e, como o FMI refere no seu relatório, também no caso da Holanda74.

O rebentar da bolha holandesa foi o mais recente numa negra série europeia, e pode ser particularmente esclarecedor sendo que também serviu para a explosão do que foi a retórica europeia mais estridente do Consenso de Washington.

Esta desarmonização fiscal causou um aumento de pressão fiscal centrada no trabalho e não no capital. Isto deve-se, sobretudo, a uma maior mobilidade deste último com um impacto dramático no emprego.

De acordo com um relatório da Comissão Europeia, o rácio impostos/ PIB aumentou até 1999, e voltou a aumentar nos últimos anos (em particular em 2011, quando esteve a 38,8% do PIB dos 27 membros da UE)75. No entanto, “taxas de imposto de

rendimento empresarial continuaram em queda após 2009 – ainda que a um ritmo inferior em comparação ao início da década” 76.

A inexistência de uma integração fiscal e o reinar livre e absoluto dos paraísos fiscais domésticos e externos, fez a construção do Euro ainda mais enviesada contra o emprego do que teria acontecido de outra forma. As inconsistências dos indicadores de contas externas dos EUA (capítulo

2.4) ou das contas externas chinesas têm suscitado muita atenção.77

Enquanto a maioria dos observadores aponta corretamente as estratégias de otimização fiscal como a razão das discrepâncias chinesas, o mesmo não é feito no caso dos EUA ou da Holanda. Contudo, a evidência empírica parece muito forte: a mais óbvia potencial causa para rendimentos do estrangeiro não serem registados – ou para pagamentos a residentes estrangeiros serem sobrestimados nas contas externas dos EUA – é o efeito “abrigo fiscal”.

A principal razão para o oposto acontecer na Holanda é para que outras empresas europeias a utilizem pelo seu estatuto de “abrigo fiscal”.

75Ver Eurostat (2013). 76Op. Cit. pp. 24

Isto é, naturalmente, um assunto de difícil investigação objetiva, sobretudo porque as consequências criminais da evasão fiscal em países como os EUA não podem ser subestimadas. Acreditamos que esta é a principal hipótese de trabalho e que é urgente uma pesquisa europeia cuidadosa neste domínio.

Para além do que possa resultar de uma investigação mais aprofundada do “Buraco Negro Holandês”, o desafio é saber se a Europa encontra uma solução para acabar com um sistema onde os rendimentos do capital podem virtualmente escapar a qualquer tipo de controlo fiscal ou se a igualdade social na Europa regressará a tempos onde só os pobres pagavam impostos.

No documento Reforma do Euro Uma Proposta (páginas 64-68)