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O barulho dos vencidos: a fragmentação do teatro em Pernambuco

2 Entre o regional e o global: o (des)enraizamento de Benjamim Santos e a

2.3 O barulho dos vencidos: a fragmentação do teatro em Pernambuco

O TAP e o TEP foram criados para representar uma sociedade na qual os sujeitos estavam seguros de suas identidades então consideradas fixas, essenciais e permanentes.

64 Nelson Xavier, que no início dos anos sessenta era componente do Teatro de Arena de São Paulo e que durante o golpe estava em Recife colaborando com o TCP disse a esse respeito: “Eu precisei fazer análise para me acertar um pouquinho [...] Eu demorei muito a voltar a escrever, eu demorei muito sem saber o que ia fazer de mim. E só quando eu descobri a psicanálise... A quebra da minha estrutura foi bem grande. Eu tenho um sentimento de quase pena desses meus colegas do MCP com quem eu trabalhei. Eu não correspondi o que eles esperavam de mim depois do golpe, tal a força com que eu sofri o golpe. Porque me aniquilou mesmo” (XAVIER, 2014).

Sujeitos que acreditavam que possuíam uma essência interior formada e modificada “num diálogo contínuo com os mundos culturais „exteriores‟ e as identidades que esses mundos oferecem” (HALL, 2005, p. 11). A sociedade pernambucana era pensada como um repositório de significados e valores estáveis por meio dos quais as pessoas deveriam se alinhar a lugares objetivos definidos socialmente. Assim, a Casa Grande e a senzala, o sobrado e o mocambo, o homem e a mulher, o branco e o negro, o rico e o pobre, entre outras dicotomias possíveis, fariam parte de uma estrutura fixada em bases tradicionais, cada qual ocupando seus lugares devidos. Seria esta a democracia racial de Gilberto Freyre. Sua tese “de que esse era um país racial e culturalmente miscigenado, passava a vigorar como uma espécie de ideologia não oficial do Estado, mantida acima das clivagens de raça e classe e dos conflitos sociais que se precipitavam na época” (SCHWARCZ, 1993, p. 325). Ariano Suassuna, um dos principais dramaturgos do teatro pernambucano, por exemplo, neste ponto era muito próximo de Freyre, já que também operava a união de todos na diversidade, removendo a complexidade, contradições e conflitos sociais “através da univocidade de um discurso que engloba a diversidade de modo a torná-la una” (MARQUES, 2012, p.75-76).

Esta identidade fixa, essencial, permanente e compartilhada entre os sujeitos de uma comunidade, Stuart Hall chamou de “identidade sociológica”. Ela seria responsável por manter suturados os sujeitos à estrutura. “Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (HALL, 2005, p. 12).

No entanto, com as transformações políticas e culturais ocorridas nos anos 1960, as diferenças que se instauraram na cena teatral pernambucana suplantaram o clima de relativa fraternidade que até então existia entre os sujeitos que faziam teatro, além de terem desafiado a própria lógica do “feudalismo cultural”, que justamente neste período foi nomeado e posto como alvo da desconstrução de Jomard Muniz, como foi dito anteriormente. Sérias divergências passaram a (des)orientar as relações entre os diferentes grupos teatrais e pessoas ligadas ao teatro, o que resultou em conflitos, interdições, agressões e posições cada vez mais autoritárias. Isso porque em meados dos anos sessenta ficava cada vez mais difícil pensar uma sociedade organizada tradicionalmente, compartilhando uma pernambucanidade fixa ou uma ideia de cultura popular autêntica à espera de um interlocutor privilegiado por sua erudição bacharelesca. Iniciava-se o tempo do protagonismo da juventude e de grupos historicamente marginalizados.

Para Edwar Castelo Branco, os anos sessenta representam o período da emergência da pós-modernidade no Brasil, uma condição histórica marcada fundamentalmente pela crise das

identidades e pela desreferencialização do real (CASTELO BRANCO, 2005). Em grande medida, as transformações responsáveis por tal emergência foram decorrentes da compressão “espaço-tempo” ocorrida naqueles anos, graças aos avanços tecnológicos. Sob a influência das novas tecnologias desenvolvidas no período, o mundo parecia diminuir de tal forma “que os eventos em um determinado lugar têm um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande distância” (HALL, 2005, p. 69). Surgia, portanto, a chamada “aldeia global”65.

Sofrendo a influência desse novo mundo, as pessoas que viviam no Brasil na década de 1960 não encontravam mais nos antigos conceitos uma base segura para a explicação do real e isso desencadeou, sobretudo por parte dos jovens do período, o surgimento de novas linguagens com as quais tentaram resignificar esse mundo que passava a se apresentar como uma “aldeia”. Isso explica, entre outras coisas, a profusão de vanguardas artísticas surgidas na época e também os novos agenciamentos identitários que colocaram em suspeição antigas identidades (Cf. CASTELO BRANCO, 2005).

O que é importante para nosso argumento quanto ao impacto da globalização sobre a identidade é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. Todo meio de representação – escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou dos sistemas de telecomunicação – deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais. Assim, a narrativa traduz os eventos numa sequência temporal “começo-meio-fim”; os sistemas visuais de representação traduzem objetos tridimensionais em duas dimensões. Diferentes épocas culturais têm diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo (HALL, 2005, p.70).

O problema é que com a globalização, o desencanto com o socialismo real na União Soviética, o feminismo e a virada linguística; a partir dos anos sessenta, as identidades que estabilizavam as realidades culturais das sociedades começaram a ser contestadas em várias partes do mundo ocidental, incluindo o Brasil. Se antes elas podiam ser consideradas naturais, passaram a ser tratadas como posições assumidas socialmente para a definição de um “eu” (ou nós) relativamente a um “outro” (outros). Esse deslocamento permitiu que a questão das identidades se politizasse, sobretudo pela ação das minorias marginalizadas, há muito classificadas à sua revelia e, assim, o que era considerado “normal” passou a ser

65 Evidentemente, estas transformações foram mais visíveis nos grande centros urbanos do país, no entanto, como grandes centros de difusão cultural, esses espaços foram responsáveis por fazer chegarem até cidades menores as mudanças culturais que estavam ocorrendo no mundo ocidental. Isso normalmente acontecia quando jovens saíam de duas cidades e iam para estudar em grandes capitais, como Rio de Janeiro ou São Paulo e, voltando para suas cidades, levavam consigo todo o repertório de uma nova cultura urbana e juvenil.

frequentemente confrontado pelo que lhe era diferente e posto à margem. Também permitiu que os sujeitos pudessem assumir “identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um „eu‟ coerente” (HALL, 2005, p. 13).

Portanto, homens e mulheres nos anos sessenta e setenta, começaram a viver a dificuldade de se reconhecerem em uma sociedade pernambucana idêntica a si mesma e tiveram que enfrentar os signos da diferença e da mudança, que resultaram em novas e irresistíveis contradições sociais. Neste ponto, é interessante lembrar também a efervescência política que tomou conta de Pernambuco e de todo o Brasil no início dos anos sessenta. No campo, as Ligas Camponesas colocavam em alerta os setores mais conservadores não só da política pernambucana como de todo o país. Nas cidades, estudantes de esquerda e operários vinham se fortalecendo politicamente na defesa por transformações sociais. E o Recife ainda era governado por Miguel Arraes, um prefeito que se posicionava à esquerda, o que acirrava ainda mais os ânimos e as preocupações das elites pernambucanas reacionárias.

As mudanças foram tão intensas, que na virada dos anos sessenta para os setenta, alguém como Hermilo Borba Filho, que na época do Teatro do Estudante de Pernambuco, havia sido um dos principais fiadores de uma identidade pernambucana essencial, diria de forma provocativa:

Mas vamos lá: ser pernambucano (no meu caso, insisto) é estar ao lado dos movimentos libertários, é não se conformar com o subdesenvolvimento da zona rural, é tremer de horror diante dos mocambos e alagados, é não admitir que os ricos se tornem mais ricos e os pobres mais pobres, é falar com objetividade dos nossos problemas, é comer os quitutes da nossa excelente cozinha, é falar mal do Recife e não conseguir desprender-se dela, é praticar um teatro que esteja comprometido didaticamente, é tentar um romance que seja ao mesmo tempo poético e real, é amar e ter amigos e inimigos. Ora bolas, frei, falei tanto para afinal de contas concluir que isto são atributos de qualquer homem, em qualquer lugar. E chego a uma conclusão muito séria, você verá: não sei o que é ser pernambucano (BORBA FILHO, 1970, p.87- 88).

O teatro realizado no estado cedo começa a sentir os efeitos desta nova configuração política e sofre um primeiro deslocamento com a criação, em 1960, do Movimento de Cultura Popular (MCP), estimulado pelo prefeito Miguel Arraes e que tinha como objetivos:

1. “Promover e incentivar, com a ajuda de particulares e dos poderes públicos, a educação de crianças e adultos;

2. Atender ao objetivo fundamental da educação que é o de desenvolver plenamente todas as virtualidades do ser humano, através da educação

integral de base comunitária, que assegure, também, de acordo com a Constituição, o ensino religioso facultativo;

3. Proporcionar a elevação do nível cultural do povo preparando-o para a vida e para o trabalho;

4. Colaborar para a melhoria do nível material do povo através da educação especializada;

5. Formar quadros destinados a interpretar, sistematizar e transmitir os múltiplos aspectos da cultura popular (COELHO, 2012, p.17).

Como se vê, o MCP não propunha nenhum programa revolucionário. Procurava apresentar para a sociedade recifense uma proposta de ação pautada dentro dos limites constitucionais, no entanto, na prática, o trabalho desenvolvido pelo MCP acabou sendo desconcertante para grupos políticos e econômicos conservadores, que viam no trabalho de educação e mobilização de comunidades carentes, o velho espectro do comunismo que Marx anunciara em seu famoso manifesto. Ou seja, de fato surgia um movimento original, que tinha uma relação diferente com a população menos favorecida economicamente. Se o regionalismo da década de 1920 pouco ou nada questionava em relação às desigualdades sociais, admitindo mesmo que alguém como Gilberto Freyre chegasse a “defender posições de todo reacionárias, como é o caso do analfabetismo [...] considerando-o útil porque exerce o papel de agente conservador” (AZEVÊDO, 1984, p. 131), e o TEP tinha um vago projeto de representação do chamado “povo”; o MCP surgia propondo a inclusão dos excluídos da sociedade recifense, levando educação e arte para os mangues, morros e alagados da cidade por meio da música, canto, dança, desenho, pintura, escultura, cinema, rádio, televisão, imprensa e do teatro. Tudo isso articulado à cultura popular.

Na época, o teatro em Pernambuco vivia sob a égide da família de Valdemar de Oliveira, o núcleo do TAP, tanto que se criou a expressão “Horto dos Oliveiras” para designar a influência que a família exercia no meio teatral, já que por um longo período, importantes instituições ficaram a cargo de pelo menos um membro da família. Ela sozinha chegou a concentrar a direção de todos os teatros municipais, incluindo o Teatro de Santa Isabel; do Teatro de Arena; do teatro DECA, mantido pelo governo do Estado; sem falar do Teatro de Amadores de Pernambuco. Além disso, dos quatro jornais diários do Recife, dois eram diretamente ligados ao TAP (Cf. PONTES, 1966, p. 90).

O teatro pernambucano também vivia a expectativa positiva que o recém-criado TPN gerava, já que se tratava de um grupo criado por dois grandes nomes do teatro local, Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho, ambos participantes do extinto TEP, que procuraram não só assumir a missão deixada pelo antigo grupo, como também a própria identidade do TEP.

“Somos o mesmo grupo”, proclama o seu manifesto de fundação, escrito por Ariano Suassuna e assinado por ele e por Hermilo Borba Filho.

O surgimento do MCP e de seu teatro, o Teatro de Cultura Popular (TCP), alterou esse panorama. Quem frequentava teatro naquela época pôde perceber uma nova forma de fazer teatral. Ficava de lado o entretenimento pelo entretenimento, a busca pela dignificação do teatro e pela construção de uma identidade regional desconectada das contradições sociais, em favor de um teatro que procurava contribuir culturalmente ao mesmo tempo em que pretendia também ampliar a consciência política das pessoas. Segundo Nelson Xavier, Oduvaldo Vianna fundou a UNE-Volante inspirado no MCP. “Era o CPC da UNE uma espécie de cópia do MCP, só que a UNE viajava o Brasil todo apresentando teatro, cinema em função dos debates dos problemas brasileiro daquele momento. Foi naquele momento que foi cunhada a expressão „realidade brasileira‟” (XAVIER, 2014).

Além disso, a criação do MCP pela prefeitura representou um duro golpe contra a família Oliveira, que desde o início do TAP pôde sempre contar com boas relações com as administrações municipais e estaduais. Com Miguel Arraes, ela perdeu privilégios junto à prefeitura, interessada agora, numa política cultural voltada para as classes populares. A consequência imediata foi a saída de Alfredo de Oliveira do cargo de diretor do teatro de Santa Isabel, com evidente prejuízo ao TAP, “quando a direção do Teatro de Santa Isabel, em mãos de Joacir Castro, entendeu por bem expulsá-lo de lá, jogando todo seu material nas calçadas do fundo”, como recorda Reinaldo de Oliveira (OLIVEIRA, 2013, p.105-106).

Já Hermilo e Ariano, que também participaram da fundação do MCP, foram se afastando gradativamente deste movimento, até se tornarem verdadeiros opositores a ele, o que acabou se manifestando nas relações tensas que MCP e o TPN mantiveram entre si. Explicitamente, Ariano e Hermilo justificavam a sua oposição por não concordarem com uma arte alienada ou alistada, mas sim, com uma “arte comprometida”, como pode ser lido no manifesto de fundação do TPN. “Repelimos uma arte puramente gratuita, formalística, sem comunicação com a realidade [...] Mas repelimos também a arte alistada, demagógica, que só quer ver um lado do problema do homem, uma arte deturpada por motivos políticos, arte de propaganda”. Por sua vez, a arte comprometida seria aquela que mantém “um fecundo intercâmbio com a realidade, ser porta-voz da coletividade e do indivíduo, em consonância com o espírito profundo do nosso povo”.

Trata-se de uma posição ambígua que já vinha do TEP. Ou seja, enquanto o TAP, que fazia parte de uma fração da classe dominante, assumindo tranquilamente a sua posição social, encontrou no reconhecimento do público burguês as razões para assumir o papel de

porta-voz de sua classe, para a qual dirige, diretamente, sua obra66; o TPN, também situado entre frações das classes dominantes, mas também herdeiro de um certo inconformismo social que não mais se ajustava ao momento político brasileiro do início dos anos sessenta, marcado pela radicalização, procurou um “meio-termo” para justificar suas opções estéticas e políticas. Assim, Hermilo e Ariano, que foram progressistas nos anos quarenta com o TEP, se retraíram nos anos sessenta diante do MCP, por algum receio em relação às ações contundentes do movimento que queria reduzir as desigualdades sociais, num momento de intensas lutas políticas; sobretudo Ariano, que acabou apoiando o golpe de 1964.

A militância política que os dois propunham nos anos quarenta, com o TEP, afinal, tinha um caráter paternalista. Falava-se de povo na medida em que ele era considerado apático e a postura regionalista de ambos poderia interceder por ele sem que a ordem política e social pernambucana fosse realmente contestada. Já no início dos anos sessenta, a militância política tinha um outro caráter, sobretudo para a juventude universitária, que desde o final dos anos cinquenta, vinha descobrindo o marxismo e assumindo para si os anseios pelas reformas que animaram a política brasileira no período. Além disso, no campo, os trabalhadores se mobilizavam como nunca haviam feito na história, tornando-se protagonistas importantes do cenário político que se configurava, haja vista a criação das Ligas Camponesas. Definitivamente, não eram mais o dócil e silencioso “povo” que o TEP pretendia representar.

Neste cenário, o TPN acabou ficando contrário ao MCP, tendo inclusive se envolvido nas relações de poder que estavam se estabelecendo na política local entre o governador do Estado, Cid Sampaio, ligado aos setores mais conservadores e o prefeito Miguel Arraes, com uma política popular apoiada pelo Partido Comunista Brasileiro. Se o MCP tinha o irrestrito apoio do governo Arraes, o TPN firmou um convênio com a Fundação da Promoção Social, criada em 1961, com evidentes ligações ao governo de Cid Sampaio. A fundação ajudaria financeiramente o grupo que, em troca, teria que montar peças em centros operários, o que na prática significava concorrer com o MCP no mesmo campo em que ele se dispunha a atuar. No entanto, embora rivalizando com o MCP, o TPN não deve ser visto como um mero instrumento do governo estadual. Se ele foi aos centros populares, isso já animava seus idealizadores desde o tempo do TEP.

E a atitude mais radical e também a mais polêmica do TPN neste momento, foi a montagem da peça anti-comunista A bomba da paz, em 1962. Sua intenção era fazer um manifesto contra o proselitismo político, mas o espetáculo foi muito mal recebido pelos

66 Quem associa esse “reconhecimento do público burguês” à capacidade que um artista oriundo de uma fração da classe dominante pode obter para representar a sua classe é Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 2007, p.193).

críticos e artistas do Recife e fez com que o Hermilo e seu grupo fossem classificados como reacionários. Germano Coelho, um dos principais idealizadores do MCP, considerou a peça o primeiro dos golpes sofridos entre aqueles que culminaram no desaparecimento do movimento durante o golpe de 1964 (Cf. COELHO, 2012).

Mas essa é uma acusação que reflete o calor da polarização política daqueles anos e não pode ser considerada sem uma reflexão. Primeiro, porque o próprio Hermilo acabou reconhecendo que a grande motivação para a criação do espetáculo foram antipatias pessoais: “Esta peça era de circunstância, anticaridosa, não levava a lado nenhum politicamente, nasceu de uma raiva pessoal minha, que cometi o pecado de, além de escrevê-la, produzi-la” (BORBA FILHO, 1996, p.215). Além disso, no início dos anos sessenta, o TPN podia ser considerado o grupo com a proposta cênica mais avançada em Pernambuco, por buscar um teatro popular da região nordeste em sintonia com os clássicos, como Sófocles, Plauto e Molière, que não se limitasse a um discurso político de fácil digestão. Nesse sentido, se tornava mais avançado esteticamente do que o TCP porque não fazia tantas concessões ao público na tentativa de transmitir seu discurso político.

Nosso teatro é do Nordeste: Isso não significa que mantenhamos um exclusivismo regional. É mantendo-nos fiéis à nossa comunidade nordestina que seremos fiéis à nossa grande pátria, unindo-nos a todos aqueles que procuram a mesma coisa em suas diversas regiões; e é mantendo-nos fiéis ao Brasil que poderemos estender, não servilmente, mas fraternalmente, a mão às grandes vozes espirituais que não sentem necessidade de trais a liberdade para servir à justiça. Sejam elas de um católico como Maritain ou de um protestante como Kierkegaard. E nós fazemos tudo para ouvi-las, chamem-se seus donos Camus, Pasternak, Thomas Mann, Papini, Unamuno ou Ghandi, e venham-nos elas através de instrumentos tão diferentes – pela categoria e pela hierarquia – como a obra de arquiteto de Gaudi, a novela de Iuri Jivago ou a corajosa encíclica “Mater et Magistra” do camponês Angelo Roncalli, que foi Papa reinante, sob o nome de João XXIII. Temos preferência pelos textos nacionais, em geral, e nordestinos em particular: é natural que o povo nordestino queira se reconhecer em seu teatro, numa purgação que lhe é oferecida através de peças forjadas, não só nos seus problemas, mas no total de seu mundo e de sua linguagem, devidamente transfigurado pela arte. Por isso, ao contrário do grupo da arte alistada, não nos negamos a ver que toda a tradição da arte popular nordestina e brasileira é religiosa – trágica, cômica, de moralidade, de mistério, de metamorfose, de milagre (MANIFESTO DO TPN).

Portanto, Hermilo Borba Filho tinha um perfil progressista e anti-autoritário, que já o acompanhava desde os tempos das lutas pela redemocratização do país, no final do Estado

Novo, quando o TEP foi criado. Testemunha isso a montagem que ele fez no Recife, no ano de 1960, da peça de Gianfrancesco Guarnieri, Eles não usam Black-tie, um espetáculo- símbolo do engajamento político do Teatro de Arena, de São Paulo, grupo conhecido pela sua orientação marxista. O problema é que o que era avançado nos anos quarenta ficou,