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O bem jurídico tutelado

No documento Crimes cibernéticos (páginas 35-38)

No que concerne ao bem jurídico tutelado, elucida Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 69-70, grifo do autor):

O termo bem indica, sempre, algo positivo, como um favor, uma benesse, um proveito ou uma ventura. Por outro lado, num prisma material, aponta para algo apto a satisfazer as necessidades humanas, integrando seu patrimônio. Quando se fala em bem comum, denota-se o nível das condições favoráveis ao êxito coletivo. Em suma,

o bem se apresenta vinculado aos mais preciosos interesses humanos, seja do ponto de vista material, seja do prisma incorpóreo (moral ou ético).

Há bens tutelados pelo Direito, eleitos pelo ordenamento jurídico como indispensáveis à vida em sociedade, merecendo proteção e cuidado. A partir dessa escolha, o bem se transforma em bem jurídico. Dos mais simples aos complexos; dos inerentes a natureza humana às criações alternativas da vida moderna; dos ligados à dignidade humana aos vinculados a puros interesses materialistas; todos os bens jurídicos gozam de amparo do Direito. Os mais relevantes e preciosos atingem a tutela do Direito Penal, sob a ótica da intervenção mínima.

Sobre o assunto, explana Cezar Roberto Bitencourt (2011, p. 307-308a, grifo do autor):

Admite-se atualmente que o bem jurídico constitui a base da estrutura e

interpretação dos tipos penais. O bem jurídico, no entanto, não pode identificar-se

simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior à norma penal e em si mesmo decidido, caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite do preceito penal e de contrapartida das causas de justificação, na hipótese de conflito de valorações. A proteção do bem jurídico, como fundamento de um Direito Penal liberal, oferece um critério material, extremamente importante e seguro na construção dos tipos penais [...]

Na história mundial muitos enfoques foram utilizados para definir bem jurídico. Luisi (2003, p.170), amparado em Knut Amelung, refere que a sociedade é entendida como sistema global de interações. Nesse sentido, o Direito é apenas um dos subsistemas, cuja tarefa fundamental é garantir a existência do sistema como um todo. E o Direito Penal é o instrumento mais importante no subsistema jurídico, pois através da pena assegura a conservação do sistema contra fatos de alta nocividade social. Parte-se, aqui, de uma concepção que vê a sociedade como sistema de interações, na qual o Direito Penal, integrando o subsistema jurídico, é o instrumento para debelar fatos gravemente nocivos, que põem em perigo a funcionalidade do sistema e a sua própria existência e conservação.

De acordo com Jeschek apud Bitencourt (2011, p. 308a):

O conceito de bem jurídico exerce funções distintas em Direito Penal: a) o bem jurídico deve ser o conceito central do tipo, em torno do qual devem girar todos os elementos objetivos e subjetivos e, portanto constitui importante instrumento de interpretação. Por isso, responde-se sempre negativamente sobre a existência de tipos penais desprovidos de bens jurídicos; b) o bem jurídico, como pedra angular da estrutura dos tipos penais, permite as condições necessárias para a classificação e formação dos diversos grupos de tipos penais. Toda parte especial está estruturada e organizada mais ou menos em torno de espécies diferentes de bens jurídicos protegidos, permitindo a classificação e hierarquização dos valores protegidos, formação de capítulos, títulos, etc.; c) o bem jurídico definido tem influência decisiva nas configurações da legitima defesa, estado de necessidade, configuração do crime continuado.

Também nessa linha acentua Figueiredo (2007, p.30).

O bem jurídico-penal é – i.e., deve ser, inapelavelmente – a representação jurídica de um valor transcendente e corporizável. E, assim sendo, carecerá apenas de uma última dimensão de análise, da análise acerca da sua orientação axiológica, que hoje, em razão da conformação normativa dos Estados Democráticos de Direito, não pode se dar senão a partir de uma leitura constitucional.

Para Zaffaroni e Pierangeli (2004, p.439), “bem jurídico penalmente tutelado é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegido pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam”.

Para Callegari e Wermuth (2010, p.129), a valoração constitucional de um bem jurídico não implica em absoluto a necessidade de sua tutela penal. Nem mesmo nos casos onde a Constituição explicitamente encarrega ao legislador democrático a tutela penal do bem jurídico, uma vez que neste ponto também vige o princípio de intervenção mínima e o caráter subsidiário do Direito Penal. Pode-se, então, afirmar que a dignidade do bem jurídico tem um duplo requisito: formal – sua relevância constitucional – e material – sua interferência nas esferas de liberdade alheias.

Também nesse contexto Palazzo (1989, p.80) salienta que o princípio da lesividade do delito é uma forma de delimitação do direito penal, no qual o fato não poderá se constituir ilícito se não for ofensivo. Também em nível legislativo, o princípio da lesividade (ou ofensividade), enquanto dotado de natureza constitucional, deve impedir o legislador de configurar tipos penais que já hajam sido construídos, in abstracto, como fatos indiferentes e preexistentes à norma. Em nível jurisdicional-aplicativo, a integral atuação do princípio da

lesividade deve comportar, para o juiz, o dever de excluir a subsistência do crime quando o

fato, no mais, em tudo se apresenta na conformidade do tipo, mas, ainda assim, concretamente é inofensivo ao bem jurídico específico tutelado pela norma.

Nas palavras de Pinheiro (2010, p. 297):

Os crimes eletrônicos ou cibernéticos têm modalidades distintas, dependendo do bem jurídico tutelado. Nesse sentido, podemos dar como exemplo o crime de interceptação telefônica e de dados, que tem como bem jurídico tutelado os dados, ou seja, o que se quer é proteger a transmissão de dados e coibir o uso dessas informações para fins delituosos [...] Esse tipo penal protege também a questão da inviolabilidade de correspondências eletrônicas.

Em suma, o bem jurídico tutelado diverge dependendo do crime que está sendo cometido, seja através da internet ou dos meios costumeiros. Dessa forma, é preciso saber o crime que foi cometido para saber qual é o bem jurídico protegido.

No documento Crimes cibernéticos (páginas 35-38)

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