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Como vem sendo demonstrado, o Brasil é o grande excluído nos estudos sobre o NRL, para não falar do boom. Embora alguns críticos, como Ángel Rama e Emir Rodríguez Monegal, tenham reconhecido esta lacuna buscando aproximar o romance brasileiro ao NRL, o resultado ainda não é satisfatório. Vale destacar, contudo, sua importância pelo fato de, nos anos sessenta (em pleno boom) e setenta, terem chamado a atenção sobre o desconhecimento e a falta de diálogo entre a literatura Brasileira e aquelas da América hispânica. Emir Rodríguez Monegal, por exemplo, no artigo “La novela brasileña”, diz:

Aunque Brasil ocupa prácticamente media América Latina, la literatura brasileña es casi desconocida en el resto del continente hispánico. La aparente semejanza de las lenguas, cuyo tronco común es indiscutible, enmascara una dificultad práctica de lectura que acaba por desanimar a los hispanohablantes. En eso, los brasileños son mucho más activos. No es extraño ver libros en español en las mejores bibliotecas particulares del Brasil. En cambio, es casi una señal de esnobismo, ver un libro brasileño en la biblioteca de un escritor hispanoamericano. Pasa aquí algo similar a lo que también revela un análisis profundo de la geografía cultural de América del Sur: Brasil y América Latina se dan la espalda. En vez de estar unidos por los grandes ríos, por la selva, por esa tierra de nadie que es el corazón compartido de todo el continente, ambos grupos vecinos se desconocen y miran obsesivamente a las metrópolis culturales del hemisferio norte (MONEGAL, 2003, p. 221).

No entanto, é inegável o papel do Brasil no processo de renovação e inovação da narrativa latino-americana. A Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922, inaugura oficialmente a vanguarda na América Latina, através de um movimento que os brasileiros denominariam Modernismo e que não deve confundir-se com o modernismo hispano-americano de Rubén Darío:

La Semana de Arte Moderna que se desarrolló en julio de 1922, en São Paulo, produjo un tremendo impacto en la vida cultural de la nación entera y marcó el comienzo de una ola de renovación de muy importantes consecuencias. El grupo fue bautizado en Brasil de “Movimiento Modernista” y no debe ser confundido con el modernismo hispanoamericano, creado unos cuarenta años antes por Rubén Darío y otros poetas latinoamericanos, bajo la influencia de la poesía simbolista francesa y de la pintura prerrafaelista británica (MONEGAL, 2003, p. 223).

Em Oswald de Andrade, por exemplo, encontramos a ideia da “antropofagia”, de devorar o inimigo, aproveitar todas as influências, exteriores e locais, e produzir algo autêntico; ideais comuns à intenção de muitos dos romancistas do NRL – Juan Rulfo, Miguel Angel Astúrias, García Márquez, etc. – , assim como a preocupação em buscar no popular, recursos de criação narrativa, além das características necessárias para construir uma identidade cultural própria.

Nos anos trinta, por sua vez, aparece o denominado Romance do Nordeste, que tem uma forte influência de Gilberto Freyre, no sentido de resgatar na cultura popular, nas tradições locais, os elementos necessários para a construção das identidades brasileiras. Romancistas como José Lins do Rego, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, principalmente, mostraram um novo tipo de regionalismo, que diferentemente daquele do século XIX, procurava destacar e valorizar os traços característicos das diferentes regiões, mas com o conhecimento profundo da cultura, da realidade e dos problemas da comunidade, utilizando uma linguagem autêntica, viva, a linguagem do povo. Este novo tipo de regionalismo, ou superregionalismo, nos termos de Antonio Candido, e a preocupação pela renovação do romance não foram exclusivos do Nordeste, também romancistas de outras regiões do Brasil participaram deste processo de evolução da narrativa brasileira. Cyro dos Anjos (1900), Lucio Cardoso (1913), João Guimarães Rosa (1908), em Minas Gerais; Érico Veríssimo (1903) no Rio Grande do Sul, são alguns exemplos.

Nesse sentido, Livia Reis (2009), identifica a proximidade de pensamento em diferentes campos teóricos entre Ángel Rama e Antonio Candido, por exemplo, no que diz respeito à discussão sobre a importância do regionalismo na busca de identidade na literatura latino-americana:

Trilhando caminhos distintos, oriundos de fundamentação filosófica diferente, Rama e Candido chegam a definições identitárias bastante similares, ambas tendo por base o estudo do regionalismo e suas diferentes fases, até chegar à superação do regionalismo pitoresco para o regionalismo transculturador universal. Os exemplos de autores encontrados por Candido

são, basicamente, os mesmos aos quais se refere Rama, o que demonstra a afinidade analítica e teórica que existiu entre os críticos (REIS, 2009, p. 100).

A relação não foi produto do acaso, ela decorre da estreita amizade que uniu estes dois prestigiosos críticos literários, marcada que foi pelo intercâmbio de cartas, livros, artigos, e pela participação e colaboração dos dois em projetos conjuntos, etc.8, visando o diálogo e maior integração entre o Brasil e a América hispânica.

Na linha de ruptura e de renovação narrativa apareceu também, no Brasil, uma nova geração de escritores, influenciados pelo nouveau roman francês, batizado como O Novo

Romance Brasileiro. Este movimento teve um enfoque mais urbano, intimista em alguns

casos, com uma técnica mais atrevida e com a interação com outras linguagens: cinema, jornalismo, música etc. A escritora mais destacada desta corrente, sem dúvida, foi Clarice Lispector, que através dos seus romances Perto do Coração Selvagem (1944), O Lustre (1946), A Cidade Sitiada (1949), A Maçã no Escuro (1961), A Paixão Segundo G.H. (1964), etc., revelou uma visão da realidade completamente diferente, na qual o onírico, o fantástico, o metafísico e a alucinação, faziam-se presentes. Com forte influência da psicanálise e da filosofia Clarice explora os meandros da alma, revelando verdades ocultas do homem contemporâneo. Rodríguez Monegal, em sua revisão sobre o romance brasileiro no contexto do NRL, comenta sobre a obra desta escritora:

Parte de la obra de Clarice Lispector es inaccesible al lector común. Lo que este encuentra por lo general allí es una superficie brillante y árida, un relato sumamente moroso, personajes misteriosos que sufren de alguna oscura enfermedad mental. Capturado por su prosa, el lector descubre que en sus novelas la realidad cotidiana se convierte en alucinatoria. Al mismo tiempo, las alucinaciones son presentadas como cosas corrientes. Debido a su enfoque sobre todo mitológico, ella es más una hechicera que una escritora. Sus novelas revelan el increíble poder de las palabras para operar sobre la imaginación y la sensibilidad del lector. En síntesis, ella ha demostrado, por un camino diferente, lo que también había demostrado Guimarães Rosa: la importancia del lenguaje creador de la novela (MONEGAL, 2003, p. 237).

      

8 Sobre esta relação de Ángel Rama e Antonio Candido, veja-se o artigo de Livia Reis “Conversas ao

sul”. In: _____. Conversas ao sul. Ensaios sobre literatura e cultura latino-americana. Rio de Janeiro: Editora da UFF, 2009, p. 105-120. E, também, o livro comentado por esta autora de Pablo Rocca, intitulado: Ángel Rama, Emir Rodríguez Monegal y el Brasil, dos caras de um proyecto

Podemos dizer que embora com denominações diferentes, “Antropofagismo”, “Romance do Nordeste”, “Novo Romance Brasileiro”, etc., a narrativa do Brasil a partir dos anos vinte, com os movimentos de vanguarda, entra num processo de renovação, de exploração, de busca por novas linguagens, de novas possibilidades de expressão e representação cultural, comum ao que estava acontecendo nesse momento nos países hispânicos, e que, independente dos nomes e classificações, permitiram a consolidação do romance no nosso continente e o seu reconhecimento e prestígio fora dele. O que nos leva a dizer que o boom, como toda explosão terminou, mas o NRL continua vivo.

3 JORGE AMADO E O NOVO ROMANCE LATINO-AMERICANO: PROCESSOS