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1. REVISÃO DE LITERATURA

2.4. O Lúdico-Educativo e o Papel das TIC

2.4.2. O Brincar no Hospital

No que diz respeito às instalações hospitalares, e mediante o folheto informativo, Saúde (2010, s.p.), os hospitais e serviços de saúde devem possuir espaços apropriados para todas as crianças internadas ou em ambulatório e proporcionar-lhes atividades educativas e de lazer.

Nos últimos anos, os hospitais têm vindo a sofrer modificações ao nível do espaço físico, para atender melhor o paciente, oferecendo-lhe qualidade de vida e perspetiva de recuperação e, neste sentido, a cor é vista como um elemento que participa nessa modificação, uma vez que propicia comodidade e tranquilidade (Cunha, 2004, p.57). A arquitetura e a decoração dos hospitais podem assim intervir no estado emocional da criança e assim distraí-la (Quiles & Carrillo, 2000, citado por Redondeiro, 2003, p.56). O ambiente interpõe-se a esse estado, no processo de dor e, por consequente, na recuperação da criança.

Ao analisar o espaço para a criança, deve-se dedicar atenção aos elementos decorativos e atrativos intrínsecos à faixa etária, nomeadamente os desenhos de cores atrativas pertencentes a personagens televisivas dispostos pelas paredes (Quiles & Carrillo, 2000, citado por Redondeiro, 2003, p.57).

Nos hospitais, não se deve descurar os espaços lúdicos e estes devem conter diferentes jogos, vídeos, T.V e, por excelência, o computador; aspetos que devem ser considerados durante o tempo da hospitalização da criança, com o intuito de atenuar a ansiedade e o ―stress” (Redondeiro, 2003, p.57). Estes aspetos funcionam como uma

necessidade que colabora para o bem-estar, quer físico, quer psicológico da criança e não numa perspetiva de luxo (Quiles & Carrillo, 2000, citado por Redondeiro, 2003, p.57).

Brincar é essencial para a criança, esteja ela saudável ou enferma, inclusivamente se necessitar de ser hospitalizada. O papel desempenhado pelos brinquedos e pelas brincadeiras torna-se, por isso, fulcral no desenvolvimento e na construção do conhecimento da própria criança (Kishimoto, 2007).

Segundo Whalley e Wong (1989) brincar é o trabalho da criança; é uma atividade fundamental à sua tranquilidade mental, emocional e social, bem como às suas necessidades de desenvolvimento, e não termina quando a criança fica enferma ou é hospitalizada.

O espaço envolvente do ambiente hospitalar potencia a ansiedade e a insegurança do doente e, neste âmbito, o brincar tem um papel capital, sendo uma forma de transmitir informação capaz de facilitar o acolhimento, a circulação e a segurança das crianças, diminuindo os efeitos do desconhecido que, geralmente, causam, entre outros sintomas, ansiedade.

No sentido de clarificar a necessidade de brincar no contexto hospitalar, Carvalho e Begnis (2006) referem que o brincar ―tem sido reconhecido pela sua função terapêutica, que atua na modificação do ambiente, do comportamento e, principalmente, da estrutura psicológica da criança, no transcurso de seu tratamento‖ (p.110).

O momento do brincar oferece à criança a oportunidade de camuflar a rotina diária do internamento, proporcionando uma realidade particular e única. A oscilação entre o mundo real e o mundo imaginário permite à criança superar as barreiras do seu estado enfermo, bem como os limites de tempo e de espaço (Mitre & Gomes, 2004, p.148). É através do brinquedo, feito face à cultura da criança, que esta constrói a ponte entre os dois mundos. A infância expressa no brinquedo contém o mundo real, com os seus

valores, modos de pensar e agir e o imaginário do criador do objeto (Kishimoto, 2007, p.19).

A criança é, pela sua essência, débil e vulnerável. O internamento hospitalar significa uma interrupção do dia-a-dia de qualquer criança, independentemente da idade, cor, raça ou condição social. Mais do que isso, para além de se encontrar doente, a mesma é afastada do convívio com os meios familiar e social. Este é um período de extrema suscetibilidade.

O internamento para a consecução de tratamentos ou cirurgias pode ser traumatizante devido à característica invasiva do vasto número de procedimentos. O receio e a insegurança crescem, podendo perturbar deveras o desenvolvimento afetivo e a maturação emocional da criança, originando distúrbios psicológicos quando esta não é preparada devidamente (Mota, 1982, p.8).

Das diversas situações vivenciadas pela criança, a doença e a hospitalização são consideradas fomentadoras de instabilidade, de tal modo que o trauma emocional pode ser maior do que a doença física. Ao ser hospitalizada, a criança encontra-se duplamente doente, pois além da patologia física, ela sofre de outra doença, a própria hospitalização, que se não for devidamente tratada, deixará marcas na sua saúde mental (Rodrigues et al, 2008, sp.).

Ora, a necessidade de brincar não desaparece quando a criança é hospitalizada. Ao invés, o brincar assume um papel primordial neste período de insegurança e confronto com o desconhecido. Com o auxílio do brinquedo, a criança vai construindo uma nova realidade, atenuando medos e ansiedades, tornando-se um ser mais seguro e confiante de si mesmo.

Como o hospital possui um ritmo específico com normas, rotinas, protocolos e outros procedimentos, a alegria da criança acaba por ser debelada. Particularmente nesses

momentos, é claramente percetível a suma importância da atividade lúdica, uma vez tratar-se de um comportamento capaz de propiciar prazer e de, paralelamente, fomentar aspetos da aprendizagem a nível emocional, social, cognitivo e físico, tornando-se, assim, tão indispensável para a criança como a sua alimentação, o carinho e a proteção. Por conseguinte, a atividade lúdica é reconhecida como um elemento necessário à existência humana, ponto fulcral para o crescimento e o desenvolvimento (Fonseca, 1999).

O autor Harres et al (2001) reforça esta ideia ao referir que o brincar é um fator de extremo valor na socialização da criança, visto que é através dele que o ser humano se torna apto a viver socialmente. Refere ainda que o brincar exige concentração, desenvolve iniciativa, imaginação e interesse, concluindo que dos processos educativos, este é o mais completo, uma vez que influencia o intelecto, a parte emocional e o corpo da criança (p.79-80).

Reforçando o exposto pelos autores Fonseca (1999) e Harres et al (2001), recentemente, Carvalho e Begnis (2006), referem que ―a atividade lúdica vem ganhando espaço, uma vez que, mesmo doente, a criança sente necessidade de brincar‖ (p.110).

Brincar no hospital (lugar estranho, onde a criança fica longe das coisas e das pessoas que lhe são familiares e queridas) é um mecanismo que ajuda a enfrentar o internamento de forma positiva, promovendo o bem-estar emocional e físico. Relativamente, Zamo, Almoarqueg e Shenkel (1997, citados por Mohr & Toillier, 2005), referem que ambientes alegres e com brinquedos, decoração infantil e criativa, são deveras aconselháveis nas unidades de pediatria (p.27).

Muito embora a referida atividade tenha sido frequentemente associada à criatividade, à aprendizagem da linguagem e ao desenvolvimento de papéis sociais, bem como de outros fenómenos cognitivos e sociais, brincar é indubitavelmente um processo

afetivo-comportamental que não possui, contudo, nenhum comportamento próprio ou objetivo exclusivo (Roque, 2005, sp.).

Dada a complexidade de implicações do ato de brincar e as especificidades da sua aplicação em ambientes hospitalares (por serem, aqui, os momentos contados ao segundo e as crianças viverem em estado de grande ansiedade e fragilidade), a sua implementação em hospitais representa um grande desafio. Extrapolando a função lúdica, o brincar é igualmente muito importante em termos de acolhimento, por ser também a face visível do que está para além das portas onde se desenrolam os procedimentos médicos: brincando, pode-se transmitir à criança um tipo de informação clara e eficaz, mostrando, de uma forma envolvente, a necessidade de organização tanto no que se refere ao funcionamento do hospital como aos seus cuidados de excelência em termos de prática clínica.

Carvalho e Begnis (2006) acentuam que a ―utilização de recursos lúdicos no contexto hospitalar tem-se mostrado um catalisador no processo de recuperar a capacidade de adaptação da criança, diante de transformações que ocorrem a partir de sua admissão na instituição‖ (p.110).

Piaget (1982) defende a forma como os jogos e as brincadeiras influem positivamente no desenvolvimento cognitivo das crianças, e Brougère (1995), indo mais longe, esclarece que o brinquedo possui outras funções, tais como, a de ser o presente destinado à criança e um objeto portador de inúmeros significados e, naturalmente, de um forte valor cultural (p.8).

A importância do brincar como pré-requisito para o crescimento sadio tem sido largamente apontada na literatura por variados autores, a exemplo, Axline (1972), Garvey (1979), Brougère (1995) e Kishimoto (2007) considerando-se, portanto, essencial a

criação de espaços lúdicos – ludotecas14 em instalações hospitalares, de modo a proporcionar às crianças e aos adolescentes hospitalizados a exploração do ambiente mediante as suas brincadeiras e a interação com outros.

Utilizando o brinquedo, a criança que vive uma situação na qual é o sujeito passivo, converte-se em investigador e controlador ativo, e consegue o controlo da situação usufruindo da brincadeira e da fantasia. Um dos objetivos é facultar à criança a manipulação de objetos e brinquedos que por serem semelhantes à realidade, reproduzem o mundo técnico e científico e explicitam a circunstância atual da criança (Kishimoto, 2007, p.18).

O brinquedo, ou seja, a situação de brincar é um recurso disponível para a intervenção da enfermagem na assistência à criança, especialmente a nível emocional. Fazendo parte do dia-a-dia na assistência à criança hospitalizada, pode não só compensar a carência recreativa da mesma, como estimular o desenvolvimento físico, mental, emocional e a sua socialização. Conjuntamente, proporciona um período de minimização das tensões impostas pelas doença e hospitalização, até porque constitui uma valiosa oportunidade de comunicação entre os profissionais de medicina e os pacientes, de esclarecimento mútuo do significado das situações vividas pela criança enferma, e, com isso, um concreto delinear de metas de assistência adequadas à sua condição.

O uso dos brinquedos é algo aberto, a criança beneficia de uma vasta gama de significados que a mesma deve saber interpretar. Ela deve ter a capacidade de atribuir significados aos brinquedos de que dispõe, de acordo com a brincadeira, sendo esta, uma atividade livre que não pode ser delimitada (Brougère, 1995). Continuando na mesma linha de pensamento de Brougère, através do uso dos brinquedos ―a criança dispõe de um

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acervo de significados… a criança confere significados ao brinquedo, durante sua brincadeira‖ (p.9).

A brincadeira deve constituir um momento singular de alegria e satisfação para que a criança se empenhe na mesma, física e psicologicamente. O cerne desta ideia já vinha sendo salientado por Chateau (1975, p. 17), ao mencionar que ―a criança que brinca verdadeiramente, não olha à sua volta como o jogador de cartas num café, mas mergulha- se inteiramente no seu jogo, pois ele é uma coisa séria‖. Isto constitui, muitas vezes, a diferença entre o brincar da criança e o do adulto.

A brincadeira, é recentemente, entendida como uma atividade espontânea, objeto em si mesma, sem regras, a não ser as estabelecidas pela própria criança, cingida na fantasia e na imaginação (Cibreiros & Oliveira, 2001). Deste modo, o brinquedo e a brincadeira relacionam-se diretamente com a criança e não se confundem com o jogo.

Brougère (1995) sublinhava que o jogo subentende a presença de regras e acrescentando que o brinquedo não parece definido com uma função própria, tratando-se, ―antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado às regras ou a princípios de utilização de outra natureza‖ (p.13). Reforçando a mesma ideia, Kishimoto (2007), refere presentemente que o brinquedo pressupõe uma relação íntima com a criança, é ausente de regras, estimula a representação e a expressão de imagens em torno do real, o jogo tem regras determinadas e uma estrutura peculiar do objeto (p.18). Esta autora sublinha ainda, a já exposta ideia de Whalley & Wong (1989), de que a brincadeira é o trabalho da criança, pois enquanto brinca, ela está a caracterizar a sua vida, por vezes complexa e stressante, a alcançar e a comunicar relacionamentos satisfatórios com outras pessoas. O objetivo do brinquedo é a brincadeira (Brougère, 1995, p.13).

Para fortalecer esta linha de orientação muito atual Hockenberry e Winkelstein (2006) reforçam que é através da brincadeira que a criança adquire conhecimento do mundo que a rodeia e de como se movimentar dentro dele, designadamente o que fazer, como se relacionar e o que esperar da sociedade (p.114-115).

A enfermidade e a hospitalização, usualmente associadas a procedimentos agressivos e dolorosos, constituem experiências desgastantes para a criança. Para uma melhor assistência é essencial que o profissional de saúde compreenda o que estas situações significam para a criança, reconheça o que ela pode estar a comunicar através do seu comportamento, que pode representar um pedido de ajuda, e utilize técnicas adequadas de comunicação e relacionamento.

A assistência à criança deve atender não só a prestação de cuidados físicos, mas também as necessidades emocionais e sociais das mesmas, envolvendo o uso de técnicas apropriadas de comunicação e relacionamento, enfatizando-se, uma vez mais, a situação de brincar.

Os profissionais de saúde devem reunir esforços com o intuito de minimizar os efeitos deletérios causados pela hospitalização, nunca descurando as necessidades emocionais e sociais de cada criança, utilizando técnicas apropriadas de comunicação e relacionamento. Estratégias criativas, com o recurso a brinquedos, devem ser usadas para diminuir as consequências da hospitalização e de outros atendimentos ambulatórios (Morais & Machado, 2010, p.103).

O lúdico, instrumento que possibilita a inclusão da criança na respetiva cultura e através do qual se pode permear suas vivências internas com a realidade externa, facilita a sua interação com o meio (Prata, 2010, sp.).

A intervenção lúdica ajuda, portanto, na comunicação, e permite a construção e a reconstrução da própria personalidade da criança. Nesta ótica, o brincar deve fazer parte

da prescrição médica, destacando-se no âmbito da promoção da saúde e do atendimento integral à criança.