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2.2 Geoprocessamento: Uma Representação da Realidade

2.2.2 O cadastro e a multifinalidade

Segundo Erba et al (2005) não há um consenso no mundo sobre a definição e as funções do Cadastro, apresentando em alguns países, como o Brasil, até divergências com a utilização do termo para fins divergentes da gestão territorial. Internacionalmente, houveram diversas reuniões que apresentaram definições distintas sobre a visão do Cadastro, como na Conferência de Bogor em 1996, onde utilizou-se a definição da FIG (Federação Internacional de Geômetras) publicada em 1995 e apresentada por Loch e Erba (2007, p.26):

[...] o Cadastro é um sistema de informação baseado na parcela, que contém um registro de direitos, obrigações e interesses sobre a terra. Normalmente, inclui sua descrição geométrica, unida a outros arquivos que descrevem a natureza dos interesses de propriedade ou domínio e, geralmente, o valor e as construções que existem sobre a parcela. O cadastro pode ser estabelecido com propósitos fiscais (por exemplo a avaliação e a imposição de contribuições justas), com propósitos legais, ou como apoio a gestão e uso da terra (para planejar o território), facilitando o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente.

Uma definição sucinta e corrente é pontuada por Amorim et al (2018, p.18) ao afirmarem que o “Cadastro Territorial Multifinalitário pode ser definido como um sistema de informações territoriais baseado na parcela, que é a parte contígua da superfície terrestre com regime jurídico único”. Enquanto Blachut (1974) traz ênfase à importância do Cadastro para a cidade ao detalhar que o mesmo pode ser entendido como um sistema de registro dos elementos espaciais que representam a estrutura urbana, constituído por uma componente geométrica e outra descritiva que lhe conferem agilidade e diversidade no fornecimento de dados para atender diferentes funções, inclusive a de planejamento urbano. O cadastro tem sua origem interligada ao Estado e sua relação de poder sobre o território. De acordo com Erba et al (2005) e Loch e Erba (2007) o cadastro pode ter seu início marcado pelas técnicas de medições e registros de terras desenvolvidas por alguns povos primitivos com a finalidade de documentar estas terras e assim cobrar impostos, porém apenas no século XVIII posterior a Revolução Francesa apresenta sua transformação, sendo símbolo da modernização do Estado através do cadastro implantado

por Napoleão I. Este trouxe regras que ligaram o registro de terras à posse do solo e defendeu um levantamento sistemático de todo o império de forma a conter precisamente cada parcela do território. Estes aspectos levaram o cadastro napoleônico a ser base dos registros técnicos para a maioria dos sistemas de informações territoriais do mundo.

No Brasil, já no período da colonização portuguesa existia um levantamento das sesmarias e das posses de seus proprietários objetivando a regulamentação das terras existentes no território nacional, que ocorreram entre 1500 e 1800. Porém foi apenas em 1850, com a Lei nº 601, denominada Lei de Terras, que o governo instituiu o processo de discriminação das terras públicas das terras privadas, sendo marco importante para o cadastro territorial no país. No entanto, apenas com a Lei nº 4.504 de 1964, Estatuto da Terra, houve menção ao termo cadastro. Tal lei trouxe direitos e obrigações sobre os imóveis rurais, atribuindo uma função social a estes, prevendo a execução da Reforma Agrária. Posteriormente houve a criação do INCRA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e uma evolução referente ao cadastro rural a partir da criação do Sistema Nacional de Cadastro Rural em 1972 (LOCH E ERBA, 2007).

As intenções da Reforma Agrária não lograram êxito nos anos seguintes e após o período da Ditadura Militar foi promulgada em 1988 a conhecida como Constituição Cidadã, que traz em seu capitulo da Politica Urbana o objetivo de garantir a função social da cidade e o bem-estar de seus habitantes, visando o desenvolvimento sustentável (econômica, ambiental, social e espacialmente) dos municípios brasileiros. Esta intensificou a autonomia dos municípios no que concerne a atuação no território, que já possuíam desde a Constituição Federal de 1946 autonomia sobre o decreto e arrecadação de tributos incidentes sobre os bens imóveis urbanos, enfatizando a importância do ordenamento territorial que ocorre por meio da existência de cadastros territoriais.

Todavia, oposto ao que seria ideal a gestão e planejamento satisfatórios do território, como discutido por vários autores8, as deficiências de dados e informações sobre o território são correntes desde o período da colonização e refletem hoje na falta de sistematização destes pelo país. A esfera municipal tem a responsabilidade de legislar e gerir o solo urbano e rural de forma a promover justiça e bem estar social, entretanto, os autores apresentam que as origens do cadastro no Brasil foram construídas sob uma visão tributária, por através do seu registro de dados ser possível determinar o valor do imóvel e consequentemente o valor do imposto para o fisco. Esta visão somada à carência de profissionais qualificados para atuar na área de cadastro, a deficiência econômica de alguns municípios para realizar investimentos em tecnologia e pessoal, e sobremaneira a falta de interesse do ponto de vista político e a ausência de uma cultura de planejamento no Brasil,

configura uma realidade precária na criação, instituição e atualização do Cadastro Territorial Multifinalitário segundo as diretrizes da Portaria 511 publicada em 2009 pelo extinto Ministério das Cidades (BRASIL, 2009).

Oliani (2016) afirma que a grande maioria dos municípios brasileiros possui problemas na implementação do CTM. Problemas estes que podem ser relacionados à desatualização da base cartográfica, discrepâncias entre o limite real da propriedade e a sua descrição, a falta de recursos humanos e/ou a qualificação destes nas prefeituras e até mesmo a falta de investimento para o desenvolvimento do Cadastro Territorial Multifinalitário. Salienta que uma das grandes dificuldades está na integração entre o registro e o cadastro físico a fim de apontar benefícios recíprocos e estes se complementarem. A autora ainda afirma que o Cadastro Multifinalitário refere-se às múltiplas aplicações do cadastro, principalmente ao planejamento urbano e regional, servindo de base à tomada de decisões. Levando, dessa maneira a um Sistema de Informação Territorial.

Além das dificuldades administrativas e políticas enfrentadas, Santos et al (2013) apresentam uma dificuldade de definição técnica sobre a unidade básica territorial do cadastro, a parcela. A padronização da unidade cadastral é um principio básico que permite o compartilhamento e integração de dados e informações do cadastro multifinalitário. A parcela deve ter um regime jurídico único e um código identificador inédito, estável e inequívoco, além de que a junção de todas as parcelas deve cobrir o território municipal por completo.

Como discutido em várias literaturas9, é por meio da parcela, unidade cadastral que possui uma identificação numérica inequívoca, que é possível trazer ao CTM a integração com diversas fontes de dados, permitindo que este seja um instrumento de política fiscal e urbana. Os autores apresentam os três componentes básicos de um CTM (ilustrados e explicados na Figura 5) e explicam que a este é possível integrar os demais cadastros temáticos – como fiscais, geoambientais, de redes de serviços, da rede viária - através de parcerias, com concessionárias de serviços urbanos, Registro de Imóveis e outros. Desta forma, o CTM demonstra-se um instrumento indispensável de governança do Estado e uma ferramenta poderosa da sociedade civil para promoção do ordenamento e desenvolvimento do território, bem como da justiça social e tributária e do acesso à terra. Neste sentindo que entendemos que o CTM é um instrumento viável para o enfrentamento dos vazios urbanos e suas consequências para as cidades e seus cidadãos.

Figura 5: Documentos Básicos do CTM

Legenda: a – documentos originais de levantamento de campo, com os limites das parcelas bem definidos; b – dados descritivos sobre as características dos imóveis (parcelas) e das pessoas que os

detêm; c – carta cadastral que sistematiza todas as parcelas do território.

Para além da falta de um cadastro consistente ainda sofremos devido à gestão municipal tradicionalmente firmar-se no trabalho de dados unicamente alfanuméricos. Questão esta que invalida as ações tomadas pelos órgãos competentes, já que os problemas decorrentes das demandas sociais urbanas ocorrem em algum lugar do espaço, desta forma, o não conhecimento de sua espacialização inviabiliza uma gestão e planejamento plenos. Então, como meio de vincular as informações alfanuméricas a sua localização no espaço, além de compreender melhor suas interações, destaca-se que a utilização do geoprocessamento a partir de metodologias de coleta e modelagem espacial de banco de dados incorporadas a SIG é de suma importância (CORDOVEZ, 2002; FAVRIN, 2009).

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