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SUFISMO: UMA TENTATIVA DE RESPOSTAS ÀS AGRURAS DA HUMANIDADE

4) Quarta fase – Séc XVI ao

2.1 O caminho ou via Suf

Diz Ibn Khaldun: “O caminho dos Sufis é o caminho de nossos antecessores, dos eruditos entre os Companheiros do Profeta, seus seguidores e seus sucessores. Sua origem é louvar Allah e deixar os adornos desta vida e seus prazeres”165.

O Imam an-Nawawi, em um de seus discursos à comunidade Sufi que dirigia, dá cinco especificações do caminho Sufi, os quais devem ser seguidos pelos dervixes:

1) Manter a presença de Allah em vosso coração, em público e em privado; 2) Seguir a Sunnah do Profeta (Paz e Bênção sobre ele) por ações e palavras; 3) Manter-se distante da dependência de alguém;

4) Alegrar-se com que Allah lhe deu, mesmo que seja pouco; 5) Sempre referir seus assuntos a Allah, Todo-poderoso e Exaltado.166

A palavra árabe Tariqa, literalmente caminho, é o termo usado para nomear as Ordens Sufis, pois elas são consideradas o meio pelo qual os dervixes serão conduzidos pelos Mestres ao encontro de Allah, sendo que os elementos considerados essenciais para o desenvolvimento do dervixe são:

163 Cf. WALBRIDGE. Op. Cit., p. 88.

164 SOUZA, Carlos Frederico Barboza de. Sufismo: uma mística que busca o equilíbrio. Revista Eletrônica do

Instituto Humanitas Unisinos, nº 302. São Leopoldo: UNISINOS, 2009, p. 13. Disponível em: <http://projeto.unisinos.br/ihu/uploads/publicacoes/edicoes/1250084626.814pdf.pdf>, Acesso em 10/12/2011.

165 KABBANI, Op. Cit., p. 91. 166 Ibid. p. 85.

- A doutrina (Madhab, base religiosa): o dervixe deverá aprender de um Shaykh versado na Lei e doutrina islâmicas (Shari’ah e Fiqh);

- A Iniciação (bay’at): o dervixe, na sua iniciação, sela um pacto com seu Iniciador (Shaykh), que representa, nesta cerimônia, o Profeta Muhammad. Nesta cerimônia ser-lhe-á transmitido o poder espiritual (baraka) que está em estado imanente no próprio Iniciador, que a recebeu de seu antecessor e cresceu face suas constantes práticas e exercícios espirituais. Esse poder espiritual deverá ser reconhecido pela comunidade, pois é ele que dá o status de Maestria ao dervixe;

- Um método espiritual: proporcionará os meios apropriados para um desenvolvimento espiritual, adaptado às condições do dervixe. O Shaykh deverá ter um profundo conhecimento para saber o quê e a quem transmitir o método. Cabe somente ao Shaykh decidir quando, como e porque transmitir algum exercício ao dervixe.

Fig. 6 – Cerimônia típica de Iniciação (bay’at) a uma Tariqa Sufi.167

O antropólogo Paulo Gabriel H. da Rocha Pinto, escrevendo sobre o aprendizado de um dervixe, nos esclarece:

A hierarquia Sufi do saber começa com o conhecimento intelectualmente apreendido (‘ilm) sobre a realidade física ou as verdades doutrinais e segue por uma

escala de saberes que se tornam cada vez mais experienciais e revelados conforme se aproximam da verdade divina.168

Os elementos apontados anteriormente serão encontrados no interior das Ordens Sufis, as quais, segundo o sociólogo Enzo Pace, constituíram-se, em seu período de formação, como seitas169. Para justificar sua argumentação, observa que há a conversão do buscador a um novo modo de vida islâmica, quando ele se torna dervixe e se submete a um Shaykh Sufi por opção, o que ocorre no momento de sua iniciação, sendo que esta só acontece por vontade do Shaykh, que pode ou não aceitá-lo como discípulo e durante a cerimônia iniciatória deverá jurar (prática comum à maioria das Ordens Sufis) sua lealdade ao Shaykh. Essa iniciação é condição sine qua non para seu desenvolvimento espiritual.

Conversão – opção subjetiva eminente – e iniciação – itinerário de certo modo secreto e elitista, cujas etapas apenas o mestre conhece e que vai gradualmente indicar a cada discípulo – podem ser considerados aspectos relevantes que na origem distanciam o Sufismo do Islã oficial, legalista e ortodoxo. Não é casual que muitos mestres Sufis e grupos Sufistas tenham sido perseguidos ou marginalizados socialmente.170

Enzo Pace continua sua análise sobre o tipo seita das Ordens Sufis, ao frisar que na origem do grupo existe um personagem, um portador de carisma reconhecido como santo ou dotado de poderes especiais, do qual tem origem uma linha de transmissão de um patrimônio de valores e de ritos, de ensinamentos de técnicas de meditação, numa palavra, uma regra de espiritualidade.171

Essas características apontadas pelo autor, como justificativa do tipo seita do Sufismo, é que vão dar o tempero e a cor da Ordem Sufi fundada. Elas se diferirão pelas práticas específicas de cada uma delas, mesmo que haja práticas iguais, porém outras as caracterizarão de modo ímpar, mostrando que há algo novo e diferente da qual descendeu ou dissendiu.

Existem, por isso, tantos grupos Sufis quantos são os mestres iniciadores da cadeia de santidade que deles se origina e se reproduz ao longo do tempo e se difunde no espaço. Cada grupo, embora se mova no seio de um mesmo grande quadro simbólico-religioso [...], tende a distinguir-se de outro semelhante pela particularidade do carisma de fundação.172

Para que o dervixe encontre a última realidade, a qual está acessível apenas pelas práticas de sua Ordem, faz-se necessária a presença do Shaykh e o pertencimento a uma Ordem, de forma que o dervixe possa ser orientado e bem conduzido nesta viagem, com a proteção de sua comunidade. Há um ditado que é bastante lembrando nos meios Sufis, que

168 PINTO (2010). Op. Cit, p. 103. 169 PACE. Op. Cit., p. 188. 170 Ibid, p. 188-189. 171 Ibid, p. 189. 172 Ibid, p. 190.

diz: “Aquele que não tem um Shaykh, tem Satanás por Shaykh”, o que indica a importância que o Shaykh tem para a instrução e desenvolvimento do Sufismo.

Assim, as Ordens Sufis, como observa PACE,

acabam pensando que o modelo de espiritualidade que elas propunham constituía um necessário complemento da observância da Lei corânica: quem adere a uma delas é convidado a percorrer um itinerário ideal que o leva do respeito às normas da shari’a à descoberta do profundo sentido da verdade que a fé islâmica aponta a cada ser humano.173