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3. SIGNIFICAÇÕES DO AMBIENTAL

3.1 O CAMPO AMBIENTAL

O ambiental como campo fundamentado sobre uma pluralidade de visões de mundo e vertentes de pensamento, vem ao longo do tempo, ressignificando-se.

Desde o início da década de 1970, uma série de conferências intergovernamentais, reuniões internacionais, realizada em diversos países, resultam em acordos, tratados e pacotes de recomendações que versam sobre a relação problemática da sociedade com a natureza. A partir da decisão das Nações Unidas de promover uma série de conferências mundiais, parece estarmos diante da invenção do ambiental. Diante disso, é necessário alimentar discussões e criar recomendações sobre novas formas de lidar com o planeta. A problemática ambiental, segundo Reigota (2004) passou a ser analisada após a reunião do Clube de Roma em 1968 e da Conferência de Estocolmo em 1972.

A partir desse contexto, o que diz respeito a essa relação sociedade- natureza, fragmentada pela trajetória da modernidade ocidental, que gera discussões advindas do modelo de crescimento atrelado ao princípio da escassez, recebe a denominação de “ambiental”. Reconhe-se o ambiental como uma questão recorrente, abordada constantemente nos mais variados segmentos da sociedade contemporânea, algo que vem sendo dissolvido e construído permanentemente nas últimas décadas do século XX e início do XXI.

De um lado a natureza, recurso passível de escassez e deterioração, do outro a necessidade do consumo, que abarca muitas dimensões, e a sociedade como usuário predatório ou não desses recursos.

A construção do que se pode chamar de “campo ambiental9” (CARVALHO, 2002) perpassa pela produção de um discurso, de práticas, políticas públicas, movimentos sociais. Nele podemos distinguir categorias como conservacionismo, ecologismo e ambientalismo.

O termo conservacionismo é historicamente reconhecido nesse campo enquanto, o “[...] ecologismo e o ambientalismo são distinções cujas fronteiras contam com margens menos precisas, ora recobrindo-se, ora diferenciando- se.” (ID. IBID., p.16)

[...] o termo ecologismo é aplicado ao movimento ecológico propriamente dito, sendo associado a questionamentos e propostas de mudanças radicais quanto ao modelo de desenvolvimento e ao estilo de vida. Por outro lado, os termos ambientalismo e ambientalistas denominam um conjunto mais amplo de movimentos e atores que, na esfera de difusão do ecologismo, aderem a um ideário de preservação e gestão sustentável do meio ambiente, incluindo, portanto, uma variação ideológica que envolve ideários e propostas de mudanças menos radicais quanto ao modelo de desenvolvimento. (CARVALHO, 2002, p. 16)

É possível observar, assim como coloca Carvalho, uma imprecisão na utilização das categorias que constituem o chamado campo ambiental. Ora menciona-se à crise ecológica, ora se fala da questão ambiental, assim como, as expressões preservação, conservação e sustentabilidade parecem confundir-se meio à discussão dos atuais problemas e formas de lidar com o planeta.

Para Alexandre (2003, p.4) “as políticas de conservação de recursos ou uso sustentado dos recursos naturais renováveis têm sua origem no chamado

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Essa noção de campo (BOURDIEU, 2001), como um conjunto de relações em permanente tensão entre as posições sociais e o poder que cada uma detêm, traduz-se no ambiental através do espaço que se cria por essas relações e o conjunto de atores e práticas de diferentes âmbitos da sociedade que o legitimam como tal. Carvalho (2002, p.19) define a noção de campo ambiental como “[...] certo conjunto de relações sociais, sentidos e experiências que configuram um universo particular”.

conservacionismo ambiental”. Para o autor, o conservacionismo pretende conservar a natureza para o desenvolvimento enquanto o preservacionismo “[...] preservar a natureza do desenvolvimento”.

Já a sustentabilidade pretende um desenvolvimento que utilize os recursos de forma a garantir a sobrevivência das futuras gerações. Em uma passagem do livro didático em que se aborda o desenvolvimento sustentável, por exemplo, pode-se observar a utilização desses termos, “é preciso também

encontrar maneiras de intervir de forma menos intensa na natureza, a fim de que os ambientes naturais ainda existentes possam ser preservados e a nossa sobrevivência e das futuras gerações possam ser garantidas” (LD3, p.50).

A natureza, nessas categorias, aparece como o que deve ser conservado, preservado ou utilizado de maneira sustentável pelas sociedades. As significações de natureza parecem estar diretamente relacionadas à expressão ambiente. Assim como, ora se fala em preservar, conservar ou utilizar de maneira sustentável, ora se diz conservar a natureza, ora se diz preservar o meio ambiente. Estamos diante de construções conceituais historicamente instituídas que causam certas imprecisões no entendimento do que atualmente rotula-se como questão ambiental. Para Porto-Gonçalves (1995) a questão ambiental diz respeito aos modos como a sociedade pensa e se relaciona com a natureza.

Na própria passagem do livro didático acima citado, é possível distinguir o uso da expressão natureza como referência a um todo em relação aos ambientes naturais que se preservados podem garantir a sobrevivência não só da nossa como das futuras gerações.

Porto-Gonçalves em seu livro intitulado Os (Des) Caminhos do Meio Ambiente (2004), em nenhum momento utiliza a expressão meio ambiente no decorrer de sua reflexão, ao contrário, encaminha-nos a uma análise de como a sociedade moderna ocidental construiu histórica e culturalmente seu entendimento sobre natureza. Marca a década de 1960, como contexto em que dentre diversos movimentos que emergem de críticas ao modo de produção e de vida, está o movimento ecológico

talvez nenhum outro movimento social tenha levado tão a fundo essa idéia, na verdade essa prática, de questionamento das condições presentes de vida. Sob a chancela do

movimento ecológico, veremos o desenvolvimento de lutas em torno de questões as mais diversas: extinção de espécies, desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão demográfica, poluição do ar e da água, contaminação de alimentos, erosão dos solos, diminuição das terras agricultáveis pela construção de grandes barragens, ameaça nuclear, guerra bacteriológica, corrida armamentista, tecnologias que afirmam a construção do poder, entre outras. (Porto-Gonçalves, 2004, p. 12)

Já em um texto publicado recentemente10, o mesmo autor refere-se ao mesmo movimento da seguinte forma, “o ambientalismo é, talvez o único movimento dos que saíram nos anos 1960 a colocar em debate uma visão global do planeta, por meio de uma grande narrativa, trazendo ao debate a diversidade da vida e da cultura” (ID. 2007, p.25 – Grifos meu).

É do próprio movimento ecológico no contexto da década de 1960, que o ambiental teria sido inventado (CARVALHO, 2002). Nota-se que essas duas categorias, o ecológico e o ambiental, parecem mesmo não diferenciar-se. A difusão da ecologia na década de 1970, cujo momento de glória foi na França (ALPHANDÉRY; BITOUN; DUPONT, 1992) atribuiu aos ecologistas o título de “defensores do meio ambiente”.

De fato, tanto as significações de natureza, quanto as que dizem respeito à ecologia e ao ambiente atualmente divulgadas, ora recobrem-se, ora diferenciam-se. Isso devido à naturalização do conceito de meio ambiente, “[...], ou seja, pelo entendimento do meio ambiente como sendo a própria natureza (vista, nessa acepção, como o outro lado da cultura)” (BELINASO, 2007, p.184).

Nessa esfera convivem diferentes visões de mundo e práticas sociais que leem a realidade sob uma perspectiva ecológica ou ambiental. Assim “os políticos pretendem pensar “verde”, os cientistas, proteger a Terra, os industriais, vender produtos “limpos”, os consumidores, começar a mudar seus comportamentos, e os habitantes das cidades e dos campos, defender seus espaço de vida” (ALPHANDÉRY; BITOUN; DUPONT,1992).

10Porto-Gonçalves, C.W. Educação, meio ambiente e globalização. In. Perspectivas da educação ambiental na região Ibero-americana: conferências/ do V Congresso Ibero- americano de Educação Ambiental. – Rio de Janeiro: Associação Projeto Roda Viva, 2007.

A própria noção do significado meio ambiente é considerada por “[...] seu caráter difuso e variado” como uma “representação social” (REIGOTA, 2004). O mesmo autor define meio ambiente como “o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído” (ID.IBID, p.14).

Para Canali (2002), a expressão ambiental tem suas raízes no próprio conceito de ecologia, introduzido por Haeckel, biólogo alemão, em 1866. De acordo com o mesmo “em 1909, a palavra Umwelt (meio ambiente) foi utilizada pela primeira vez pelo biólogo e pioneiro da ecologia do Báltico, Jacob Von Uexküll [...]” (CANALI, 2002, p. 165).

Suertegaray (2004, p. 113) entende que “o termo ambiental, para além de todas as conceituações expressas, indica a compreensão do ser na relação com seu entorno”. Essa compreensão, no entanto, é passível de muitas leituras e indica uma relação do individuo ou do grupo com algo que está a sua volta, está conectado à relação da sociedade com a natureza em suas diversas dimensões.

Na leitura dos PCNs (temas transversais), a questão ambiental aparece como “[...] uma perspectiva de ver o mundo no qual se evidenciam as inter- relações e a interdependência dos diversos elementos na constituição da vida” (BRASIL, 1998, p. 173). E assim na medida em que a humanidade “[...] aumenta sua capacidade de intervir na natureza para satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos quanto aos usos do espaço e dos recursos” (ID.IBID, p. 173).

Maimom (1993) chama a atenção para os dois componentes presentes nos estudos sobre meio ambiente. O componente das ciências da natureza é segundo a autora “[...] o mais antigo e provêm da apreensão da natureza, da identificação e inventário do meio e do estudo dos ecossistemas” (ID. IBID. p. 46). Já a componente social data dos anos 1960, momento em que se iniciaram os debates sobre os resultados do crescimento econômico sobre o meio ambiente.

Para Souza (s/d, p.1) há uma insuficiência do ponto de vista epistemológico e metodológico em relação a esse debate na academia e que é

necessário, diante desse tema, uma distinção entre o discurso do método, do texto político, o discurso “competente”, do discurso “apenas inteligente e oportunista”. Para a autora, o debate sobre os conceitos de sustentabilidade e ambiental foram assumidos pela universidade apressadamente, “[...] importando-os das agências financiadoras internacionais, sem ter tornado público uma discussão teórica mais consistente”. É preciso aprofundar a compreensão “[...] da relação entre, e/ou a inevitabilidade dos muitos processos naturais e as múltiplas determinações dos processos sociais”. Nesse sentido, a autora levanta a hipótese de que o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável seriam falsos problemas acadêmicos e científicos.

Monteiro (2003)11 examina essa colocação e considera válida a questão ambiental na geografia, já que para o autor a validade de todos esses questionamentos teóricos está justamente na interação sociedade-natureza, o que para o mesmo é fundamental no pensamento geográfico.

Nesta perspectiva, sob ou um olhar geográfico ou não, pode-se destacar o ambiental como uma questão a ser problematizada pela ciência, como um problema concreto entre as relações espacialmente organizadas no planeta, como uma bandeira de movimentos sociais ou como um tema a ser abordado na esfera educacional, ou seja, um campo. Enquanto um campo aberto e em permanente construção/dissolução suscita diferentes debates e insere-se no cotidiano da sociedade de variadas maneiras.

Porém, é possível observar certas permanências e reducionismos na abordagem do ambiental. Ainda hoje esse debate aparece significativamente vinculado aos tais “problemas ambientais” em escala global e as prescrições do ambientalmente correto na conduta com o planeta, verificando-se certa ausência de uma maior problematização e compreensão entre os fatores que compõem o ambiente, suas causas, conseqüências e espacialização.

11 Em sua publicação intitulada “A Questão Ambiental na Geografia do Brasil: a propósito da “validade”,

“espacialização” e “pesquisa universitária”, Carlos Augusto de F. Monteiro nos traz algumas reflexões sobre as contribuições da Geografia às pesquisas ambientais enquanto e ao mesmo tempo examina a “validade” desta temática na Geografia. Em conclusão, entre outras coloca: “A “falsidade” da Questão Ambiental e sua invalidade como objeto das preocupações geográficas parecem decorrer de cultores de uma geografia Humana, proclamada enfaticamente como Ciência Social”. Para aqueles a quem a geografia – indiscutivelmente antropocêntrica – concerne as relações Homem-Natureza na criação dos lugares na Terra, resta lembrar que a atual Questão Ambiental, partindo de sua visão “ecologista” carrega as tintas no aspecto sanitário e, embora não omitindo, empalidece a coloração no que diz respeito ao aspecto (indissociável) do econômico. (Grifos do autor) (Monteiro,2003:43).