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2 DEBATE TEÓRICO E CONCEITUAL

2.2 REDES DE INOVAÇÃO

2.2.2 O campo científico e a interação universidade-empresa

Essa seção tem por objetivo discutir a negociação que ocorre dentro das instituições, enfatizando uma dimensão fundamental da ação empreendedora: resistência e conflito institucional (MARTES, 2010; WEBER, 2006; SCHUMPETER, 1997).

Se a universidade é protagonista no modelo da hélice tríplice e se incuba as

startups de preferência spinoffs (PATTNAIK e PANDEY, 2014), torna-se relevante

para a pesquisa em questão compreender os mecanismos de acesso ao conhecimento que são negociados no cotidiano da instituição. Ser uma empresa do parque não garante ter passaporte livre contra as barreiras institucionais nas relações de poder ou até ideológicos dentro dos grupos de pesquisa, dos laboratórios: como produzir e testar um novo conhecimento e certificá-lo sem o consentimento da ciência?

A inovação pode ser um ponto de partida por meio do qual a sociedade busca novos processos econômicos viáveis. E, no modelo da hélice tríplice, a universidade ocupa a posição de protagonista. O papel da ciência e sua relação com as outras estruturas sociais ajuda compreender como funciona a troca e a relação entre todos os atores da relação universidade-universidade e principalmente universidade-empresa na inovação. Pensar os caminhos que levam à hélice tríplice inclui pensar em um novo paradigma dentro dos laboratórios e grupos de pesquisa: “a eliminação das linhas divisórias entre ciência e negócios” (ETZKOWITZ, 2005;

2013 p.10).

A rede sociotécnica é um instrumento de análise vocacionado para compreender o processo de construção de uma inovação e não o modo de produção da ciência. A inovação já começa na diferença do próprio objeto de pesquisa. Portanto, a diferença entre produzir ciência e produzir inovação pode-se dar através da teoria do ator-rede (OLIVEIRA; 2008). Nesse sentido, as autoras Conde e Araujo-Jorge (2003) reforçam que:

Às tradicionais redes formais e informais entre cientistas individuais ou entre laboratórios se superpuseram novas redes de inovação mais formalizadas que permitem a divisão de trabalho entre cientistas em contextos institucionais bastante distintos, conectam a universidade à indústria e a engenheiros de tecnologia industrial por meio de diversos tipos de acordos de cooperação. (CONDE e ARAUJO-JORGE, 2003, p 733)

A palavra “ciência”, segundo Merton (2013), é uma palavra enganosamente inconclusiva, que se refere a uma variedade de itens distintos, embora inter- relacionados entre si: um conjunto de métodos característicos por meio dos quais o conhecimento é certificado, um estoque de conhecimento acumulado que se origina da aplicação desses métodos, um conjunto de valores e costumes culturais que governam atividades denominadas científica, ou qualquer combinação das três anteriores. Para o autor, a ciência se desenvolve em variadas estruturas sociais, mas qual delas oferece um contexto institucional criar uma inovação?

Há três séculos, os filósofos naturais foram levados a justificar a ciência como um meio para alcançar os fins culturalmente válidos da utilidade econômica (MERTON, 2013). A atividade da ciência não tinha em si um valor evidente. Transformado de meios a fim, o cientista passou a ver a si mesmo como independente da sociedade e a considerar a ciência como um empreendimento que se valida a si mesmo, mas não faz parte dela.

Com o conceito de campo9

Bourdieu (2004) definiu o universo da ciência como um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas, num espaço relativamente autônomo, dotado de leis próprias. Uma das grandes questões que surgiram a propósito dos campos em Bourdieu (ou dos subcampos) científicos é acerca do grau de autonomia que eles usufruem (2004).

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O campo é um espaço particular constituído de agentes ocupando posições específicas dependentes do volume e da estrutura do capital eficiente dentro do campo considerado através de um sistema de posições que podem ser alteradas e contestadas (BOURDIEU, 2004)

Bourdieu afirma que o campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações etc., que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que o envolve, pois as pressões externas só se exercem por intermédio do campo (2004), em relação a campos específicos. O capital científico é uma espécie particular de capital simbólico.

Em relação às pressões ou às demandas externas, a capacidade de refratar é uma das manifestações mais visíveis do campo. Assim, quanto mais autônomo for um campo, maior será o seu poder de refração e mais as imposições externas serão transfiguradas a ponto de se tornarem irreconhecíveis, retraduzidas. Todo campo é também um campo de lutas e um campo de forças para conservar ou transformar esse campo de forças, o campo científico (Bourdieu, 2004).

Bourdieu trabalha com a forma particular do illusio no campo científico. Esse interesse particular de illusio no campo científico quer dizer um interesse que com relação às formas de interesse corrente na existência cotidiana, e em particular no campo econômico, aparece como desinteressada (2004). Portanto, segundo Bourdieu, os agentes têm sempre dupla face, interessadas e desinteressadas.

Com a insuficiência de apoio financeiro de fontes de financiamento tradicionais para empreender atividades de pesquisa, as universidades e centros de pesquisa têm percebido no setor produtivo uma nova fonte potencial de recursos financeiros, aproximando-se da a indústria e, muitas vezes, alterando tópicos de pesquisa mais próximos dos interesses e necessidades industriais (OSLO, 2005; PAUWELS et al., 2016).

A aproximação do setor produtivo com o científico-tecnológico tem possibilitado o surgimento de uma nova carreira para os pesquisadores e estudantes, os acadêmico-empresários (OSLO, 2005). Um empreendedorismo voltado para a área comercial da pesquisa, com base em sua expertise e recursos científicos e melhorando sua posição no mercado e, muitas vezes, a ampliação do mercado de trabalho para os estudantes e recém-graduados.