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O Caps em Fortaleza e a Política Nacional de Práticas Integrativas e

O município de Fortaleza através da Resolução nº 2 do Conselho Municipal de Saúde de 08 de fevereiro de 2000 aprova a criação de 06 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) na estrutura da Secretaria Municipal de Saúde. Neste mesmo ano o Prefeito Municipal

Dr. Juracir Magalhães criou o concurso público para o provimento de pessoal nas unidades Caps na cidade de Fortaleza.

No ano de 2001 essas equipes concursadas são convocadas e tem início o funcionamento dos três primeiros Caps para o atendimento de toda a cidade de Fortaleza, que vale ressaltar, nessa época contava com uma média de 2.000.000 milhões de habitantes, segundo o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012). Ou seja, esses serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico já nasceram com limitações em sem campo de atuação por conta da grande extensão territorial e populacional que precisavam abranger.

A portaria/SNAS de nº 224 de 29 de janeiro de 1992 do Governo Federal, estabelece que num determinado território, o Caps deverá contar com uma equipe multiprofissional formada por médico psiquiatra, psicólogo, assistente social, enfermeira, auxiliar de enfermagem e terapeuta ocupacional. E deve realizar três níveis de atendimento: os cuidados intensivos para as pessoas que precisam ser acompanhada diariamente e encontram-se em grave sofrimento psíquico que dificulta sua vida afetiva, familiar ou social; os cuidados semi-intensivos, quando o sofrimento e a desestruturação psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de relacionamento; e os cuidados não-intensivos, quando a pessoa não precisa de suporte da equipe e consegue seguir sua rotina diária, podendo ficar sendo atendido até três dias no mês.

No Caps o atendimento é específico para pessoas com sofrimento psíquico grave (psicoses e neuroses) em regime ambulatorial, com terapias individuais e grupais numa perspectiva de tratamento e acompanhamento da crise, evitando-se a internação em hospital psiquiátrico. Em casos especiais que requerem uma atenção mais intensiva, orienta-se a internação em hospital geral ou no Caps 24 horas que realiza atendimento de internação provisória e monitorada.

As instituições Caps tem como objetivo a promoção da inserção social dos usuários, fortalecendo seus vínculos familiares e re-estabelecendo laços comunitários dos mesmos com seu território e sua comunidade. Uma vez inserida no atendimento, a pessoa é acolhida, cuidada, ouvida e é construído com ela um plano terapêutico específico com atividades de seu maior interesse que visam atender as suas necessidades, composto por prescrições médicas, grupos terapêuticos, grupos de arte-terapia e grupos laborativos com oficinas geradora de trabalho e renda (marcenaria, cerâmica, bijuterias, brechó, artesanato em geral), e oficinas de alfabetização, o que possibilita exercitar a escrita e a leitura, concebidas

como uma condição importante na (re)construção da cidadania, oferecendo atividades de suporte social, grupos de leitura e debate, que estimulam a alteridade e a autonomia.

A família e a comunidade são fundamentais para o tratamento no Caps e a para o processo de re-estabelecimento e reinserção dos pacientes, que nesses períodos de tratamento, ficam muito instáveis, inseguros e muitas vezes violentos, requerendo um conjunto articulado de sujeitos sociais que possam auxiliá-los nesse processo.

Por isso o Caps traz uma perspectiva psicossocial que possa trabalhar na busca dessa autonomia, da cidadania e da alteridade desse outro que encontra-se em sofrimento psíquico. O serviço é basicamente um instrumento mediador entre o usuário e a família, entre a usuário e a comunidade, entre a família e a comunidade, numa ação que aponta para a humanização do atendimento psíquico e a desestigmação das pessoas em sofrimento psíquico.

Essa proposta de desinstitucionalização da loucura a partir de uma rede de atenção a saúde mental que advém com a Reforma Psiquiátrica no Brasil, do qual os Caps são um dos componentes, exige que esses serviços possam abordar as manifestações de sofrimento mental oportunizando a realização de ações e reflexões acerca dessa construção social da subjetividade e das relações que a permeiam, com atividades de formação e educação nos diversos grupos terapêuticos.

De fato o grande desafio nesses serviços está pautado em não render-se à lógica dominante capitalista de pensar a loucura como uma doença mental e o paciente como um inútil, um ser social, cultural, político e economicamente incapaz, tolhido em sua fala, censurado em seus gestos, entorpecido em seus sentidos e condenado ao silêncio. O Caps, ao contrário, se propõe a realizar intervenções que re-inventem a forma de lidar com o sofrimento mental – não como doença – mas como formas diferenciadas de viver, de ser e estar no mundo.

Em Fortaleza, no Estado do Ceará, as três primeiras unidades Caps começam a funcionar em 2001 em bairros diferentes da cidade. O Caps Iracema foi instalado no bairro de messejana e possui uma equipe multiprofissional formada por médico psiquiatra, psicólogo, assistente social, enfermeira, auxiliar de enfermagem e terapeuta ocupacional.

No início das atividades da unidade a equipe recebeu uma formação em saúde mental focada na lógica anti-manicomial e na abordagem humanizada, a partir de terapias onde a escuta individual e coletiva compunham a base do atendimento, ao mesmo tempo em que foi enfatizada a importância da participação da família e da comunidade através da articulação do território e da mobilização dos organismos comunitários.

Em 2007 a Rede de Saúde Mental de Fortaleza incorporou em seu trabalho institucional, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), criada pelas Portarias Ministeriais nº 971 em 03 de maio de 2006 e nº 1.600 de 17 de julho de 2006 (BRASIL, 2006) que versa sobre a valorização da medicina tradicional e das terapias medicamentosas fitoterápicas, espirituais e não medicamentos.

Essa Política é o resultado do acúmulo de discussões e reflexões realizadas pelos movimentos sociais de educação popular e saúde, movimentos de saúde comunitária e profissionais de saúde que não adotam o paradigma bio-médico como modelo primordial na saúde, e que vinha realizando vários debates no interior das Conferências de Saúde para que fossem reconhecidas suas práticas de tratamento baseadas em método não-medicamentosos, como os da medicina tradicional chinesa-acupuntura, da homeopatia, medicina antroposófica, da Fitoterapia e do termalismo-crenoterapia.

Os conhecimentos e práticas ancestrais africanas estão contempladas nessa Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), como conhecimentos milenares no uso medicinal dos animais, dos minerais e das plantas. Nas sociedades tradicionais africanas, esse uso vem acompanhado de encantamentos ou palavras mágicas que são pronunciadas para despertar o princípio ativo das mesmas, conforme constatou Pierre Verger (2009, p. 6):

Se para a medicina ocidental o conhecimento do nome científico das plantas usadas e suas características farmacológicas é o principal, em sociedades tradicionais o conhecimento dos ofò, encantações transmitidas oralmente, é o que é essencial. Neles encontramos a definição da ação esperada de cada uma das plantas que entram na receita.

Esses conhecimentos e práticas ancestrais africanas das sociedades tradicionais em África foram trazidos pelos escravizados para o Brasil, sendo preservados e re- significados pelas Religiões de Matriz Africana como o Candomblé, constituindo-se em fonte essencial do tratamento em saúde dessas comunidades e utilizados em seus rituais sagrados.

O Caps Iracema como partícipe da Rede de Atenção em Saúde Mental da Prefeitura de Fortaleza, incorporou essas práticas terapêuticas ancestrais africanas, como tratamento complementar ao tratamento bio-médico, psicofármaco e psicoterapêutico.

4. TERREIRO: LUGAR DE CONHECIMENTOS ANCESTRAIS AFRICANOS EM SAÚDE

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