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4 – O caráter analítico da razão jurídica e a questão da subjetividade pensada

O Direito é essencialmente obra da razão, da maneira como se exerce a razão e se compreende, por conseguinte da natureza humana, decorrem as diferentes configurações e fundamentações do Direito ao longo da história. Ou seja, o status atual da racionalidade moderna e a imagem do homem que a ela corresponde irão, pois, determinar o novo significado do Direito, e consequentemente um novo significado para a subjetividade jurídica.

A tradição jurídica, diferentemente da tradição filosófica, não absorveu tão bem as reflexões hegelianas acerca da unidade de pensamento entre Direito e Ética. A aplicação do

60 método hipotético-dedutivo da ciência moderna ao campo do Direito levou, em primeiro lugar, ao desmantelamento da razão prática enquanto objeto de estudo jurídico.

Assim, para fundamentar a convivência dos seres humanos em um Estado de Direito, será necessário formular uma hipótese em consonância com o caráter analítico da razão moderna, o modelo explicativo a ser elaborado atribui ao indivíduo uma prioridade tanto lógica quanto ontológica sobre a vida social. Vários autores, conforme já ilustrado anteriormente, partem dos indivíduos empíricos, que, na sua particularidade biopsicológica, se apresentam como as partículas elementares do todo social.

Nesta situação original, o “estado de natureza”, a interação entre os indivíduos é explicada mediante a noção de causalidade mecânica, ou seja, como resultante do impulso para a satisfação das necessidades vitais. Naturalmente os indivíduos são todos iguais na sua liberdade, entendida como poder ou “direito” de procurar a realização de todos os seus desejos. O predicado da liberdade — como liberdade “natural” — é atribuído ao indivíduo “antes e independentemente de seu envolvimento nas relações sociais, ou antes da abertura dessa liberdade estritamente individual a um horizonte efetivo de universalidade”.154

E assim, a questão da gênese da sociedade, tarefa primordial das teorias políticas, será propor uma solução convincente ao problema da associação dos indivíduos, que assegure, ao mesmo tempo, a satisfação de suas necessidades vitais. Trata-se de recompor o todo a partir dos indivíduos como átomos sociais, mediante um movimento de agregação, entendido não teologicamente, mas mecanicamente, a partir da força social elementar, que é o egoísmo individual.155

Por essa ordem de pensamento, a gênese da subjetividade jurídica tem seu fundamento exclusivo no interesse particular, assim o indivíduo renuncia parte de sua liberdade original em função de seu próprio interesse, mais favorecido pela limitação da liberdade de todos, na convivência social, do que pela situação de isolamento ou conflito própria do “estado de natureza”. O fato da existência social do indivíduo, como condição histórica da sua sobrevivência, verifica a validez da hipótese de um estado original do qual a sociedade seria a um tempo a negação e a continuação desse conflito de interesses.

154 LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura. São Paulo: Loyola, 1988, p. 168. 155 De fato, tais filosofias não apartaram totalmente a metafísica teológica de suas fundamentações, no entanto, o homem (em sua universalidade) será investigado com o foco em suas características antropológicas, intrínsecas e não teológicas, que serviram de fundação ontológica à sua igualdade universal. Destaca-se, a título de exemplo dos elementos antropológicos universalizantes do homem, a natureza humana como appetitus societatis, em GROTIUS; a natural e, portanto, legítima busca da autopreservação (a vida), num cenário de guerra de todos contra todos e insegurança intensa, em HOBBES; a vida e a propriedade, como pedra fundamental do direito natural, aparecendo a igualdade como sua condição, em LOCKE. (SALGADO, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em

61 Logo, uma comunidade jurídica seria assim fruto de escambo de interesses, a racionalidade das normas que dela derivam não é a própria da razão prática, que as funda na ideia de bem ou justiça. Corresponde antes à função técnica e instrumental da razão, que busca os meios mais eficazes para alcançar determinado fim, no caso, a satisfação das necessidades de cada indivíduo.

Nesse sentido,

[...] a gênese analítica da sociedade tem o seu segundo momento justamente quando o indivíduo, na impossibilidade de atender sozinho às suas necessidades ou de garantir a sua sobrevivência, é forçado a submeter-se à necessidade extrínseca do pacto de associação e ao constrangimento do pacto de submissão na vida social e política.156 Assim a universalidade do Direito é hipotética. Segundo Lima Vaz, o fundamento do Direito permanece oculto e requer uma explicação a título de hipótese inicial não verificada empiricamente e que deve ser confirmada dedutivamente pelas suas consequências.157

Daí, podemos formular aqui a tríplice diferença entre uma proposta vinculada ao positivismo perpetrado pela razão analítica, e outro formulado a partir da razão crítica quanto à situação do pensamento ético-jurídico moderno:

A razão moderna fundamenta o Direito por um modelo:

a) explicativo enquanto lógica que atribui ao indivíduo uma prioridade sobre a vida social; (o que denominamos como razão vertical, nesta tese)

b) determina, enquanto ontologia jurídica, o ser humano como um predicado, sendo apenas objeto de tutela de direitos; (o que revela o caráter de subjetivação do direito e da ideia de pessoa)

c) e enquanto fenômeno o Direito é posto como situação original, a partir do “estado de natureza”, que lança a interação entre os indivíduos justificada mediante uma noção de causalidade mecânica, ou seja, como resultante do impulso para a satisfação das necessidades vitais. (o que revela o Direito apenas quanto à sua função de mediação de arbítrios)

Já o proposto pela nossa pesquisa e alicerçado na tradição hermenêutica filosófica pretende fundamentar o Direito por um modelo:

a) compreensivo enquanto lógica dialética158 que atribui à razão prática a tarefa de dar

unidade ao Direito e Ética, pensando o indivíduo e comunidade jurídica sem uma ordem necessária de prevalência; (o que denominamos de razão horizontal)

156 LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura. cit., p. 163. 157 LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, cit., p. 146.

158 Logo, “o sentido é, por assim dizer, atravessado pela intenção e referência do locutor [...] mas a dialética de sentido e referência é tão original que pode tomar-se como uma diretriz independente. Só esta dialética diz alguma coisa acerca da relação entre a linguagem e a condição ontológica de ser-no-mundo. A linguagem não é um mundo próprio. Nem sequer é um mundo. Mas, porque estamos no mundo, porque somos afetados por situações e porque

62 b) estrutura de abertura, enquanto ontologia, diante do caráter próprio da existência humana, enquanto possibilidade de sentido na e pela linguagem enquanto mediação universal para a realização da existência jurídica;159

c) e por último o Direito enquanto fenômeno interpretativo, portanto, hermenêutico, e não apenas um saber de ordem técnico-formalista marcado pelo aspecto autorreferencial da ciência moderna.

Esse é o exemplo clássico da crise atual do Direito Positivo em relação à teoria dos contratos. Quando da defesa da minha dissertação de mestrado, o texto naquela ocasião sofreu severas críticas por deixar a “questão própria” do Direito de lado. Ou seja, ao que parece tratar sobre filosofia do direito sem falar ou fazer conexão com a dogmática jurídica, assemelha-se para alguns tarefa inócua. Voltando à questão da crise nos contratos, há uma grande preocupação do direito privado na reformulação da teoria das obrigações (clássica) que se pautava fortemente no aspecto do respeito à autonomia privada, e no vínculo estipulado pelo pacto de vontades, estipulando assim obrigações entre credor e devedor.

Contudo, nem mais as teorias privatistas estão norteadas pelo individualismo utilitarista pensado pelo racionalismo mecânico. No mundo contemporâneo, a autonomia privada faz com que o contrato ingresse em outros meios, como é o caso do Direito de Família, do Direito das Coisas e do Direito do Consumidor. Olhando para o futuro, todo contrato gera obrigação para, ao menos, uma das partes contratantes. Entretanto, nem todo contrato rege-se, apenas, pelo direito das obrigações. Tem ganhado força a contratualização sócio-política, para que exista uma sociedade mais consensual do que autoritária ou conflituosa. Em suma, a construção do contrato serve não só para as partes envolvidas, mas também para toda a sociedade. Daí, hodiernamente temos teorias que defendem fortemente a ideia de função social do contrato, superando assim, a utilização dos contratos como mero instrumento para a realização da autonomia privada.160

nos orientamos mediante a compreensão em tais situações, temos algo a dizer, temos experiência para trazer à linguagem.” (RICOUER, Paul. Teoria da interpretação. Tradução Artur Morão. Rio de Janeiro. Edições 70, nº de depósito legal:18296/87, 1976, p. 32.)

159 “O texto fala de um mundo possível e de um modo possível de alguém nele se orientar. As dimensões deste mundo são propriamente abertas e descortinadas pelo texto.” (RICOUER, Paul. Teoria da interpretação. Tradução Artur Morão. Rio de Janeiro. Edições 70, nº de depósito legal:18296/87, 1976, p. 99.)

160 “No Estado moderno, não é mais possível admitir que existam apenas, de um lado, regras de proteção a direitos individuais econômicos e, de outro, apenas normas-objetivo, fins e objetivos do processo econômico. As primeiras, como por exemplo o direito de propriedade, típicas do Estado liberal, são insuficientes para atender às necessidades de natureza coletiva, típicas da sociedade atual. As últimas, dependendo fortemente de compatibilização e mediação de interesses às vezes até ideologicamente opostos (como ocorre, por exemplo, com os princípios da livre iniciativa e da justiça social) carecem frequentemente de efetividade, sobretudo quando se trata de aplicá-los a agentes privados (visto que sua utilidade no direito público é indiscutível). Urge, então, reconhecer normas que incorporem valores, meta-individuais e sociais, exatamente para que não sejam mera extensão dos direitos individuais. Para tanto é imperioso admitir sua proveniência plurívoca, do Estado e das próprias relações

63 Sem liberdade não há autonomia privada, mas autonomia privada não é uma “carta branca” para exercício da subjetividade individualizante às extremas, pensada nos moldes clássicos do liberalismo, nem é parâmetro de igualdade formal. Até mesmo os contratos no Direito perpassam pela necessidade de reformulação teórica para uma conformação abrangente que possibilite a unidade entre realizar-se em comunidade jurídica, e não apenas no âmbito de realização privada unipessoal.

Logo, o Direito não é espaço garantidor do postulado clássico de autonomia absoluta na práxis, da pretensão subjetiva do indivíduo de realizar unicamente a si mesmo no Estado, tal liberdade, tal individualismo indica um programa que absolutiza o uso da liberdade, ao mesmo tempo em que proclama seu ceticismo com respeito às razões e aos fins de ser livre.

O atual estágio da teoria das obrigações no Direito Positivo levou o instituto do contrato a um estágio de crise que teve como principais consequências a falta de confiança nos contratos pela sociedade; a necessidade de reformular a teoria contratual; a necessidade de uma precaução às lesões de direitos cometidas no âmbito da sociedade civil, diante das disparidades existentes no mercado de consumo de bens e serviços, ou seja, situações alheias ao lócus privilegiado da dogmática jurídica.

Logo, o resultado epistemológico do direito privado se mostrou cada vez mais distante da sociedade, e enquanto campo de especulação científica ou dogmática preocupou-se pouco com a necessidade de realizar o bem-estar social. Há pouca análise histórica e social para o desenvolvimento dos conceitos, ou quando assim realizadas, são feitas tomando uma posição “objetivista”, numa mecanização histórica para justificação de seus institutos.161

Nestas condições, torna-se insustentável a pretensão de compatibilizar a busca da satisfação, que move os indivíduos, com os fins comuns do todo social. Por um lado, a liberdade está a serviço da satisfação das necessidades, ao ser entendida como libertação dos limites, sobretudo daqueles traçados pela norma jurídica, que abre ao indivíduo o campo infinito do desejo, na dialética essencialmente inconclusa da necessidade e da sua satisfação. O espaço de atuação de liberdade política é criado por um pacto de associação que limita ou constrange o

interindividuais e sociais, historicamente consideradas. E aqui está o caráter precipuamente institucional destas normas.” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista dos Tribunais, Ano, v. 93, 2004, p. 6-7)

161 Tal visão mecanicista do Estado não merece prosperar no pensamento de Hegel, pois, os Estados formam um todo orgânico, e, inicialmente, é a família que mantêm esta organicidade, pois é através dessa que o conteúdo universal pode ser transmitido sob a forma de moralidade, e, assim, construir bases sólidas para que as individualidades se identifiquem com o todo. (HEGEL, G.W.F, Filosofia da História, cit., p. 47.)

64 arbítrio natural, submetendo-o a regras de exercício, que, entretanto, deixam intacto seu egoísmo natural.162

A sociedade surge assim, ao mesmo tempo, como remédio às carências do indivíduo e como dominação sobre ele, enquanto aliena algo de sua liberdade na submissão a uma lei e a um poder exterior. O confronto entre lei e indivíduo ou entre poder e indivíduo passa a ser subjacente à construção da própria sociedade. Uma vez que o contrato social é formulado como garantia dos interesses e das necessidades do indivíduo, o Direito é conceptualizado fundamentalmente como convenção garantidora desses interesses e da satisfação dessas necessidades.

Essa concepção do Direito, longe de oferecer uma fundamentação consistente da ordem jurídica, “reabre o caminho [...] para o reaparecimento do estado de natureza em pleno coração da vida social, com o conflito de interesses na sociedade civil precariamente conjurado pelo convencionalismo jurídico”. 163 Rompe-se a linha de pensamento que vai da Ética ao Direito,

uma vez que as normas que regem a conduta dos indivíduos são constituídas pelo próprio pacto social. Logo, a própria subjetividade jurídica é concebida como “dada” como “garantida” pelo Estado, que também é o elemento de dominação total das possibilidades existencial-jurídicas do indivíduo por um tratado técnico, em uma relação técnica.

[...] com os indivíduos será uma relação técnica, da qual fica excluída, em princípio, qualquer dimensão ética; e a relação dos indivíduos com a sociedade e o Estado será, por sua vez, a relação da parte, que se submete ou que resiste à sua integração num todo considerado estranho e frequentemente hostil.164

Por meio dessa postura, a fundamentação da ordem jurídica na concepção moderna do direito positivo tem, portanto, o caráter de uma universalidade hipotética que resulta de dois fatores determinantes: por um lado, o desenvolvimento de uma racionalidade instrumental e antimetafísica, de cunho empirista e nominalista, que adota os procedimentos da ciência físico- matemática, e, por outro, a pressuposição, correspondente, de uma antropologia individualista, que concebe o homem como ser de necessidades e a vida social como o campo da satisfação das mesmas.

Tal impostação antimetafísica de tais teorias, com a absorção na imanência do sujeito individual do fundamento dos valores éticos e da ordem jurídica, constitui a fonte da crise avassaladora do Estado contemporâneo em todos seus aspectos (político, jurídico, social e econômico). No horizonte histórico de formação do Direito Positivo (por meio do positivismo) percebemos uma edificação do seu fundamento à semelhança do citado anteriormente, por ser

162 LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, cit., p. 165. 163 LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, cit., p. 166. 164 LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, cit., p. 175.

65 ele o método próprio da ciência jurídica, bem como estar autofundamentado em uma ordem jurídica, cujo objeto de excelência é a própria lei positiva.

O juízo ético é assim extirpado do plano de conhecimento do Direito, ou quando ele é considerado, se torna protagonista e responsável por estabelecer o que é de direito da forma mais adequada possível, em uma atitude hercúlea, o que beira à “mitologização” do órgão judicante.165

No plano de conhecimento positivista, juízos éticos manifestam-se na ordem do subjetivismo, considerando-os mera expressão de sentimentos, ou seja, opiniões pessoais absolutamente inverificáveis; no plano do comportamento, como individualismo, desvinculado de qualquer ordem socialmente aceita de normas, valores e fins. Direito e Ética se tornam a partir de então, pólos distantes e praticamente inconciliáveis no plano epistemológico.

Claramente nos tempos mais recentes podemos citar alguns pensadores que através de uma intenção profundamente humanista na promoção da justiça social e no respeito à vida e à integridade da pessoa, buscaram criticar o modelo jurídico, mas, que no fundo, ainda se mostraram incapazes de resolver o problema que afrontam em suas teses. Em particular, nas tentativas de John Rawls, Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas.

Apesar do enorme esforço despendido por Rawls em sua obra já clássica, “A Theory of

Justice”, para restaurar a noção de justiça, central no pensamento ético-político e jurídico, a

persistência do esquema contratualista torna discutível o fundamento de seu pensamento.166

165 Em nossa pesquisa, como já salientado, não estamos construindo uma teoria da decisão, tão menos uma espécie de juiz Hércules tal como Dworkin intentou em seu projeto filosófico-teórico. O juiz Hércules de Dworkin instala- se na teoria do direito para demonstrar que a discricionariedade é antidemocrática e que, ao extirpar qualquer traço pessoal do juiz e colocar ênfase na sua responsabilidade política, intentou superar o esquema de subjetivação das decisões judiciais. “Podemos, portanto, examinar de que modo um juiz filósofo poderia desenvolver, nos casos apropriados, teorias sobre aquilo que a intenção legislativa e os princípios jurídicos requererem. Descobriremos que ele formula essas teorias da mesma maneira que um árbitro filosófico construiria as características de um jogo. Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules.” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 165). Na hermenêutica filosófica conciliada à realidade jurídica, o círculo hermenêutico “atravessa” a compreensão antes que o sujeito pense que se assenhora da interpretação e dos sentidos. Por isso, a resposta correta que sempre pode e deve ser encontrada não reside no juiz/intérprete enquanto sujeito do “esquema sujeito-objeto”, mas sim, no juiz/intérprete da relação de compreensão baseada na intersubjetividade face à sua situação no mundo que desde já está lançada em uma estrutura da linguagem por meio da alteridade e tradição. Assim, o ponto fulcral não é quem dá a resposta correta, mas como esta se dá.

166 Nas palavras magistrais de Newton de Oliveira Lima: “Rawls indica que o fundamento da política é a capacidade de uma sociedade juridicamente organizada de construir-se a partir de uma contratualidade originária, onde os indivíduos podem se constituir em termos de uma relação recíproca de capacidade de erigir direitos, de projetar sua liberdade como marco da fundação originária de uma sociedade. Prioritário ao edifício social encontra- se o fundamento na liberdade individual, que se constitui em fonte de projeção pré-política. Nesse sentido, Rawls mantém-se na tradição kantiana, onde a liberdade individual é anterior ao pacto político. Na verdade, o sujeito coloca no horizonte externo de seu querer a possibilidade da política e refaz sua individualidade como projeção de uma abertura normativa para o outro. (DE OLIVEIRA LIMA, Newton; DANTAS, Carlos; A justiça política em

66 A obra de Apel, que se inspira na pragmática da linguagem de Peirce, para estabelecer as bases da Ética mediante uma transformação da Lógica transcendental de Kant num a priori da linguagem, acaba também por mostrar-se insatisfatória. Dizemos isto pois, a razão fundamental da insuficiência desta transcendentalização da linguagem está na subordinação do pólo referencial da linguagem à sua estrutura e ao seu uso, consagrando definitivamente a primazia da representação sobre o ser, a partir de uma comunidade argumentativa, a partir de um acordo mútuo e intersubjetivo quanto ao sentido.167

Já o programa habermasiano postula como fundamento dos valores morais, a validez normativa do consenso na comunidade universal de comunicação, enquanto resultante da livre discussão, conduzida segundo as regras de uma argumentação racional, e dotado de uma normatividade própria. Ao nosso ver, tal pensamento peca, sobretudo, pela inconsistência de sua concepção de verdade, ao situar o seu critério no interior do consenso fático do discurso,