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O Caso de Operadores Lineares a Coeficientes Constantes

37.4 Equa¸ c˜ oes Diferenciais Distribucionais, Solu¸ c˜ oes Fundamentais e Fun¸ c˜ oes de Green

37.4.1 Solu¸c˜ oes Fundamentais

37.4.1.2 O Caso de Operadores Lineares a Coeficientes Constantes

De grande importˆancia para o estudo de muitas das equa¸c˜oes diferenciais encontradas na F´ısica ´e a situa¸c˜ao na qual o operador diferencialLconsiderado (agindo em fun¸c˜oes suficientemente diferenci´aveis emRn) tem coeficientes constantes, ou seja, tem-se

L = XN

k=1

akDαk = XN

k=1

ak

|αk|

∂xα1k1· · ·∂xαnkn

e (37.263)

LT = XN

k=1

(−1)|αk|akDαk = XN

k=1

(−1)|αk|ak

|αk|

∂xα1k1· · ·∂xαnkn

;, (37.264)

comak, k= 1, . . . , N, sendo constantes. Nesse caso vˆe-se claramente queL=LT se e somente se|αk| for par para todo k= 1, . . . , N.

Seja F0∈D(Rn) uma distribui¸c˜ao tal que

LF0 = δ0. (37.265)

Se uma talF0 existir podemos definir uma solu¸c˜ao fundamentalF deLpor F(ϕ⊗ψ) := (2π)n/2F0 ϕ∗(Rψ)

. (37.266)

paraϕ, ψ∈D(Rn), onde (Rφ)(x) :=φ(−x),φ∈D(Rn). De fato, teremos

(L⊗1)F

(ϕ⊗ψ) = F (LTϕ)⊗ψ

= (2π)n/2F0 (LTϕ)∗(Rψ)

= (2π)n/2F0

LT ϕ∗(Rψ)

= (2π)n/2(LF0) ϕ∗(Rψ)

= (2π)n/2δ0 ϕ∗(Rψ)

= Z

Rn

ϕ(−y)ψ(−y)dny

= Z

Rn

ϕ(y)ψ(y)dny = δ(ϕ⊗ψ),

estabelecendo que (L⊗1)F =δ, como quer´ıamos. Acima, na terceira igualdade, usamos o fato que, se os coeficientes de Lforem constantes, valer´a

(2π)n/2 (LTϕ)∗Rψ (x) =

Z

Rn

(LTϕ)(x−y)ψ(−y)dny = LT Z

Rn

ϕ(x−y)ψ(−y)dny = (2π)n/2

LT ϕ∗(Rψ) (x). E interessante expressarmos a distribui¸c˜´ aoF definida em (37.266) usando a nota¸c˜ao de fun¸c˜oes generalizadas. Deno-temosF0(φ) porR

RnF0(x)φ(x)dnx. Teremos por (37.266)

F(ϕ⊗ψ) := (2π)n/2F0 ϕ∗(Rψ)

= Z

Rn

F0(x) ϕ∗(Rψ) (x)dnx

= Z

Rn

Z

Rn

F0(x)ϕ(x−y)ψ(−y)dnx

dny = Z

Rn

Z

Rn

F0(x−y)ϕ(x)ψ(y)dnxdny , mostrando queF(x, y) =F0(x−y).

As considera¸c˜oes acima mostram-nos tamb´em que dada uma distribui¸c˜aoF0∈D(Rn) satisfazendo (37.265) e dada h∈D(Rn), a distribui¸c˜aoU dada por

U(ϕ) = (2π)n/2F0 ϕ∗(Rh)

, ϕ∈D(Rn), (37.267)

satisfar´a

LU = Th. (37.268)

Em termos de fun¸c˜oes generalizadas (37.267) fica U(ϕ) =

Z

Rn

u(x)ϕ(x)dx , com u(x) :=

Z

Rn

F0(x−y)h(y)dny . (37.269) Assim, uma distribui¸c˜ao F0 ∈D(Rn) satisfazendo (37.265) fornece diretamente uma solu¸c˜ao distribucional `a equa¸c˜ao n˜ao-homogˆenea (37.252)–(37.253).

Por essas raz˜oes, dado um operador L com coeficientes constantes, uma distribui¸c˜ao F0 ∈ D(Rn) satisfazendo (37.265) ´e tamb´em dita ser umasolu¸c˜ao fundamentalassociada ao operadorL. Na maioria dos livros-texto, a no¸c˜ao de solu¸c˜ao fundamental para operadores diferenciais com coeficientes constantes ´e apresentada atrav´es de (37.265). Nossa defini¸c˜ao (37.254) ´e mais geral e engloba a no¸c˜ao de solu¸c˜ao fundamental para operadores diferenciais com coeficientes n˜ao necessariamente constantes.

• O exemplo do operador Laplaciano em R3

Um exemplo importante se d´a no caso do operador Laplaciano emR3: ∆ = ∂x22 1+∂x22

2+∂x22

3, para o qual vale ∆T = ∆, como facilmente se constata pela defini¸c˜ao (37.16), p´agina 1871 (vide (37.264)).

Parax, y∈R3 da formax= (x1, x2, x3) ey= (y1, y2, y3), sejakx−yk:=p

(x1−y1)2+ (x2−y2)2+ (x3−y3)2. A fun¸c˜ao

F(x, y) := − 1 4π

1

kx−yk (37.270)

definida parax6=y, satisfaz (verifique!)

x

− 1 4π

1 kx−yk

= 0, x6=y . Al´em disso, vale

Z

R3

− 1 4π

1

kx−yk ∆xϕ(x)

d3x = ϕ(y)

para todaϕ∈D(Rn), como demonstramos com mais generalidade no Teorema 43.1, p´agina 2387, do Cap´ıtulo 43. Note que a rela¸c˜ao acima permite escrever

x

1 kx−yk

= −4πδ(x−y),

uma rela¸c˜ao muito empregada, por exemplo, na Eletrost´atica.

A distribui¸c˜aoF definida emD(R6) associada `a fun¸c˜aoF acima ´e hF, ζi = − 1

4π Z

R3

Z

R3

1

kx−ykζ(x, y)d3x d3y , ζ∈D(R6).

A integral acima ´e definida no sentido de valor principal. Note o leitor que a singularidade de F(x, y) em x = y ´e integr´avel emR3, ou seja, a fun¸c˜ao kx1yk ´e localmente integr´avel emR3. Para mais detalhes a respeito da defini¸c˜ao de integrais envolvendo a fun¸c˜ao kx1yk, vide Cap´ıtulo 43, p´agina 2384.

Vemos que a “fun¸c˜ao generalizada” definida pela fun¸c˜ao F(x, y) dada em (37.270) ´e uma solu¸c˜ao fundamental do operador Laplaciano em R3. Uma outra solu¸c˜ao fundamental pode ser obtida somando `a fun¸c˜ao F(x, y) uma outra fun¸c˜aoH(x, y), definida para todosx, y∈R3, que seja uma fun¸c˜ao harmˆonica, ou seja, que satisfa¸ca ∆xH(x, y) = 0 para todosx, y∈R3. Com esse exemplo, percebemos que solu¸c˜oes fundamentais de operadores diferenciais lineares n˜ao s˜ao necessariamente ´unicas.

Observemos, antes de prosseguirmos, que nem todo operador linear tem por solu¸c˜ao fundamental uma fun¸c˜ao, como no exemplo do Laplaciano, acima. Em muitos casos a solu¸c˜ao fundamental ´e uma leg´ıtima distribui¸c˜ao. Tal ocorre especialmente no caso de operadores hiperb´olicos, como o operador de onda ∆−c12∂t22, onde a solu¸c˜ao fundamental em 3 + 1 dimens˜oes envolve uma distribui¸c˜ao de Dirac. Vide Se¸c˜ao 42.11.3.1, p´agina 2352.

• Solu¸c˜oes fundamentais e transformadas de Fourier

Como j´a discutimos, se possuirmos de uma distribui¸c˜ao F0 ∈ D(Rn) satisfazendo (37.265) ent˜ao uma solu¸c˜ao distribucional de (37.268) ´e fornecida por (37.267). ´E importante, portanto, dispormos de meios de obter uma tal distribui¸c˜ao F0 de modo mais expl´ıcito em casos particulares e, no que segue, discutiremos um m´etodo empregado ami´ude em F´ısica e que faz uso da transformada de Fourier.

SeL´e um operador diferencial com coeficientes constantes, temos para todof ∈S(Rn) que LTF1[f] = F1[PLf],

ondePL´e um polinˆomio denominadopolinˆomio caracter´ıstico associado ao operadorL. SeLeLT s˜ao da forma (37.263) e (37.264), respectivamente, ent˜ao

PL(p) :=

XN

k=1

(−i)|αk|akpαk, p∈Rn.

E. 37.57 Exerc´ıcio importante. Verifique! 6

Vamos supor que para cada φ∈S(Rn) tenhamos tamb´em ϕ := F1

1 PLF[φ]

∈ S(Rn). Como LF0

(f) =δ0(f) para todaf ∈S(Rn), valer´a tamb´em δ0(ϕ) = LF0

(ϕ) = F0(LTϕ) = F0

LTF1

1 PLF[φ]

= F0 F1 F[φ]

= F0(φ). Logo, conclu´ımos que a distribui¸c˜aoF0dada por

F0(φ) := δ0

F1

1 PLF[φ]

, φ∈S(Rn), (37.271)

seria uma solu¸c˜ao fundamental associada aL. Naturalmente, n˜ao ´e evidente que o lado direito de (37.271) defina uma distribui¸c˜ao, pois o polinˆomio caracter´ısticoPL pode ter zeros que atrapalhem esse prop´osito. Como veremos adiante, por´em, (37.271) pode ser usada em muitos exemplos de interesse em F´ısica. De modo geral um resultado fundamental devido a H¨ormander44, do qual n˜ao trataremos aqui, garante ser sempre poss´ıvel dar sentido `a express˜ao (37.271).

44Lars Valter H¨ormander (1931–2012).

E ´´ util reapresentar (37.271) de uma forma mais conveniente a certos prop´ositos. Fazendo uso da nota¸c˜ao de empare-lhamento para distribui¸c˜oes, temos

F0(φ) =

Como comentamos, a distribui¸c˜ao do lado direito pode ter de ser definida em termos de valores principais ou de partes finitas, devido ao fato dePL poder eventualmente ter zeros sobre o eixo real.

Com (37.273) vemos que a fun¸c˜ao generalizadaF0(x) associada `a solu¸c˜ao fundamental F0 ´e formalmente dada por F0(x) = 1

Com isso, a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao n˜ao-homogˆeneaLu=hfornecida em (37.269) ´e tamb´em dada formalmente por u(x) = 1

Para certos operadoresL´e poss´ıvel dar sentido matem´atico a (37.274) e (37.275), como veremos nos exemplos tratados adiante, assim como na Se¸c˜ao 37.4.1.3 e, informalmente, na Se¸c˜ao 42.11, p´agina 2344. Nesses casos felizes as express˜oes (37.274) e (37.275) s˜ao muito ´uteis para a obten¸c˜ao de solu¸c˜oes expl´ıcitas de equa¸c˜oes diferenciais lineares a coeficientes constantes e n˜ao-homogˆeneas, o que inclui muitos exemplos de interesse f´ısico, como os tratados nas se¸c˜oes supracitadas.

Antes de analisarmos exemplos do uso de (37.271) precisamos fazer algumas coloca¸c˜oes sobre aquela solu¸c˜ao.

• Coment´arios sobre a solu¸c˜ao (37.271) ou (37.273)

Em primeiro lugar, cabe notar que (37.271) ou (37.273) n˜ao definem univocamente uma solu¸c˜ao fundamental associada a L, pois sempre podemos acrescentar ao lado direito uma distribui¸c˜ao V que seja solu¸c˜ao da equa¸c˜ao homogˆenea

L⊗1 V = 0.

Um segundo coment´ario, tamb´em pertinente `a unicidade da solu¸c˜ao (37.271), ou (37.273), e que particularmente concerne casos em queL´e um operador hiperb´olico (como o operador de onda, ou d’Alembertiano), ´e o seguinte. Como j´a comentamos, certos cuidados devem ser tomados para que se dˆe sentido ao lado direito de (37.271) ou de (37.273) enquanto uma distribui¸c˜ao. Em certos casos a express˜aoF1h

1 PL

F[φ]i

tem de ser definida em termos de valores principais (ou partes finitas), o que pode conduzir a certas ambiguidades e `a diversas solu¸c˜oes distintas da equa¸c˜ao (37.254). ´E de se notar aqui que se houver duas solu¸c˜oes distintas,F eGde (37.254) combina¸c˜oes lineares do tipo λF + (1−λ)G fornecem tamb´em solu¸c˜oes mais gerais. Assim, essas ambiguidades, se surgirem (e, de fato, surgem em equa¸c˜oes de onda n˜ao-homogˆeneas, quando L´e hiperb´olico, levando `as chamadas fun¸c˜oes de Green retardadas e avan¸cadas), podem ser bem vindas.

• Um exemplo ilustrativo

Consideremos a equa¸c˜ao diferencial linear n˜ao-homogˆenea e a coeficientes constantes45

45A equa¸c˜ao (37.276), como toda EDO, ´e hiperb´olica, e o operadoridtd ω0´e hiperb´olico, fatos mencionados j´a na primeira linha de [191].

Podemos agora prosseguir usando os resultados sobre transformadas de Fourier de distribui¸c˜oes. Por (37.239), temos F0(φ) = 1

2π D

FVPω0, φE (37.239)

= ∓iD

Teω0(H±1/2), φE

= ∓i Z

−∞

e0t H(±t)−1/2

φ(t)dt , comH sendo a fun¸c˜ao de Heaviside (37.173). Reconhecemos queF0 ´e a distribui¸c˜ao regular associada `a fun¸c˜ao

F0(t) = ∓ie0t H(±t)−1/2

. (37.277)

Devemos aqui fazer notar quev(t) =e0t´e uma solu¸c˜ao da equa¸c˜ao homogˆenea idtd−ω0

v(t) = 0. Assim, reconhecemos que podemos reduzir (37.277) ao par de solu¸c˜oes

F±(t) = ∓ie0tH(±t), (37.278)

como solu¸c˜oes fundamentais associadas aL. As correspondentes solu¸c˜oes particulares de (37.276) s˜ao u+(t) =

Z

−∞

F+(t−t)h(t)dt = −i Z t

−∞

e0(tt)h(t)dt, (37.279)

u(t) = Z

−∞

F(t−t)h(t)dt = +i Z

t

e0(tt)h(t)dt . (37.280) A solu¸c˜aou+´e dita ser umasolu¸c˜ao retardada, poisu+ depende de valores de h(t) parat < t. J´a a solu¸c˜aou´e dita ser uma solu¸c˜ao avan¸cada, poisu depende de valores deh(t) parat > t.

As solu¸c˜oes avan¸cada e retardada satisfazem a mesma equa¸c˜ao n˜ao-homogˆenea idtd −ω0

u±(t) = h(t). Assim, a diferen¸cau+−udeve ser uma solu¸c˜ao da equa¸c˜ao homogˆenea idtd −ω0

v(t) = 0. De fato, vemos de (37.279)–(37.280) que

u+(t)−u(t) =

−i√

2πF1[h](ω0) e0t

´e solu¸c˜ao da equa¸c˜ao homogˆenea, devido ao fatore0t(o fator−i√

2πF1[h](ω0) ´e uma mera constante multiplicativa, pois independe det).

Vemos explicitamente nesse caso simples, portanto, que a diferen¸ca entre a solu¸c˜ao retardada e a avan¸cada ´e uma solu¸c˜ao da equa¸c˜ao homogˆenea.

E interessante comparar o problema que acabamos de tratar com outro similar, o da equa¸c˜´ ao

id dt−ω

u(t) = h(t), (37.281)

onde agoraω∈C, constante com parte imagin´aria n˜ao-nula, e onde, como antes, h∈S(R), uma fun¸c˜ao dada. Vamos escreverω0+iω1, comω01reais eω16= 0.

TemosL=idtd −ω ePL(p) =p−ω,p∈R. Aqui, (37.273) fica, para a fun¸c˜ao generalizadaF0, F0(t) = 1

√2πF 1

PL

(t) = 1 2π

Z

−∞

eipt

p−ω dp (37.126)= isgn ω1

H −sgn ω1 t

et,

onde sgn ´e a fun¸c˜ao sinal. Para cadaω1 h´a, portanto, apenas uma solu¸c˜ao, ao contr´ario do que vimos acima quantoω era real (e ω1 era nula). A solu¸c˜ao aqui ´e ou retardada (quando ω1 <0) ou avan¸cada (quando ω1 >0). Ao fazermos formalmente |ω1| → 0 recuperamos as solu¸c˜oes fundamentais (37.278) dependendo do sinal de ω1 quando o limite ´e tomado.

* * *

Os coment´arios dos exemplos acima sobre solu¸c˜oes retardadas e avan¸cadas s˜ao relevantes, pois os mesmos fenˆomenos s˜ao observados em outras equa¸c˜oes hiperb´olicas, como a equa¸c˜ao de ondas for¸cadas2u=h, que estudaremos oportuna-mente.