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3 DIREITOS DA NATUREZA NO MARCO DO NOVO CONSTITUCIONALISMO

3.3 A Sustentabilidade na Constituição do Equador

3.4.1 O caso paradigmático do Rio Vilcabamba

O primeiro caso analisado se refere ao processo de n. 11121-2011-0010, caso de n. 00032-12-IS, sentença de n. 0 012-18-SIS-CC, que se iniciou no Terceiro Tribunal/Vara Civil da Província de Loja no Equador. Com fundamento no art. 88 e nos

demais artigos da Constituição do Equador, dois cidadãos estrangeiros que residiam no Equador, Richard Fredrick Wheeler e Eleanor Geer Huddle, ajuizaram, em 2010, a Accion

de Protección Constitucional a favor da Natureza, mais especificamente a favor do Rio

Vilcabamba, figurando no polo ativo como representantes do rio Vilcabamba em face do Governo Provincial de Loja (GPL), representado pelo Prefeito (EQUADOR, 2011).

Os antecedentes da ação se iniciaram em 2008, quando a empresa pública Vial Sur do Governo Provincial de Loja (GPL), província localizada no sul do Equador, começou uma obra de ampliação da estrada entre Vilcabamba e Quinara. A obra de ampliação foi iniciada sem os estudos ambientais prévios, dentre eles o estudo de impacto ambiental, e sem as licenças ambientais obrigatórias (SUÁREZ, 2013, p.5).

Além da ausência das licenças necessárias para a implementação da obra, houve desde o seu início o despejo irregular de pedras e de materiais decorrentes das escavações para a abertura da estrada ao longo do rio, causando diversos danos ao ecossistema e aos ciclos ecológicos. Diante do assoreamento do rio e a constante degradação com o início do período de chuvas, houve inundações que atingiram a propriedade das comunidades que estavam no seu entorno, inclusive a das pessoas que ajuizaram a ação (SUÁREZ, 2013, p.5; EQUADOR, 2011, p. 1).

Desse modo, constavam na ação três pedidos principais: i) que o Governo parasse imediatamente de jogar os entulhos decorrentes da obra no rio; ii) que o Governo retirasse o que havia sido depositado; e iii) que o rio fosse restaurado. Além dos pedidos, havia o requerimento de cumprimento do Plano de Remediação e Reabilitação das áreas afetadas do rio Vilcabamba e das propriedades das comunidades ao entorno que haviam sido afetadas, feito pelo Ministério do Ambiente (SUÁREZ, 2013, p. 6).

A ação tramitou inicialmente na Terceira Vara Cível da Província de Loja. Contudo, em dezembro de 2010 a ação foi julgada como improcedente na primeira instância, sob o argumento de ilegitimidade, pois o Procurador Síndico do Governo Provincial não havia sido demandado e citado (EQUADOR, 2011). Assim, foi apresentado recurso de apelação para a Corte Provincial de Justiça de Loja e, por sorteio, a competência foi estabelecida para a Câmara Criminal do Tribunal Provincial de Justiça de Loja. Em março de 2011, o recurso foi conhecido, provido e a sentença de primeira instância foi reformada para declarar a violação dos direitos da Natureza e as medidas para reparação do dano causado (EQUADOR, 2011).

Quanto aos fundamentos da decisão, vamos apresentar aqueles que se referem ao reconhecimento dos direitos da Natureza e sua violação. No quinto fundamento, é exposta

a importância da Natureza e reconhecida a Ação de Proteção Constitucional como a única via idônea e eficaz para remediar ou pôr fim de maneira imediata ao dano ambiental, diante de um processo notório e evidente de degradação. E, diante do dano ambiental, é reafirmado o dever dos tribunais constitucionais de promover a imediata defesa e a efetiva tutela judicial dos direitos da Natureza, efetuando o que for necessário para evitar a continuidade da contaminação ou a sua remediação. Também faz referências à aplicação da tutela da justiça diante da certeza e diante da probabilidade do dano ambiental (EQUADOR, 2011). Assim, a decisão judicial, na sua sétima seção, ressaltou a Natureza enquanto sujeito de direitos conforme a Constituição:

Nossa Constituição da República, sem precedentes na história da humanidade, reconhece a Natureza como sujeito de direitos. O art.71 manifesta que a “Natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e realiza a vida, tem direito que se respeite integralmente sua existência, manutenção e regeneração dos ciclos vitais, estruturas, funções e processos evolutivos” (EQUADOR, 2011, p. 3,

tradução nossa).70

A decisão também faz referência expressa ao princípio da solidariedade intergeracional e, principalmente, no oitavo ponto cita trecho do texto publicado por Alberto Acosta, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte do Equador, no qual são apresentadas premissas fundamentais para a “democracia da Terra”, dentre elas: a) harmonia entre os direitos humanos – individuais e coletivos – e os outros seres da Natureza; b) direito de existência dos ecossistemas; c) valor próprio à diversidade de vida que se encontra na Natureza; d) os ecossistemas têm valores próprios independentes da sua utilidade para o humano; e) importância de estabelecer um sistema legal no qual os ecossistemas e as comunidades naturais tenham assegurado o direito de existir e prosperar. Logo, essas premissas fundamentais são importantes para repensar a visão utilitarista, a mercantilização e as suas consequências (EQUADOR, 2011 apud ACOSTA, 2008, p. 3).

Além disso, consta na decisão referência ao Brasil e outros países quanto à inversão do ônus da prova em matéria de justiça ambiental. No dispositivo final da decisão também é exposta a necessidade de respeito à existência, manutenção e regeneração dos ciclos e processos evolutivos (EQUADOR, 2011, p. 5). Ademais,

70 “SÉPTIMO: Nuestra Constitución de la República, sin precedente en la historia de la humanidad,

reconoce a la naturaleza como sujeto de derechos. El Art. 71 manifiesta que la “Naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se le respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos” (EQUADOR, 2011).

também foi determinado que o Governo Provincial de Loja, após o prazo de cinco dias, iniciasse o cumprimento de todas as recomendações feitas pelo Ministério do Meio Ambiente e fossem prestadas as informações sobre o seu cumprimento de forma regular, sob pena de suspensão da obra. Isto ainda que houvesse um pedido de desculpas públicas pelo GPL por ter iniciado a construção da estrada sem o devido licenciamento ambiental (EQUADOR, 2011, p. 6).

Apesar de a Corte ter reconhecido a ocorrência de violação dos direitos da Natureza, houve dificuldades para a implementação e cumprimento da decisão (SUÁREZ, 2013, p.10). Desse modo, em 2012, Richard Fredrick Wheeler e Eleanor Geer Huddle, por meio do seu advogado, apresentaram Acción de Incumplimiento de

Sentencias y Dictámenes Constitucionales e requereram à Corte Constitucional

Equatoriana que fosse declarado o descumprimento da sentença proferida em 2011. Além disso, também foi requerido que os danos causados à Natureza pelo Governo Provincial fossem reparados de forma integral (EQUADOR, 2018).

A Corte Constitucional reafirmou a sua competência para o julgamento das ações de descumprimentos de decisões e ditames constitucionais, conforme previsto nos artigos 436 da Constituição e na Lei Orgânica de Garantias Jurisdicionais e de Controle de Constitucionalidade e, ainda, ressaltou essa ação para efetivar a garantia jurisdicional de proteção e reparação dos direitos constitucionais (EQUADOR, 2018).

Outro ponto relevante da decisão se refere à reafirmação da legitimidade ativa dos requerentes, conforme o art. 439 da Constituição e o art. 164, 1, Lei Orgânica de Garantia Jurisdicionais e de Controle de Constitucionalidade, nos quais é estabelecido que as ações constitucionais podem ser apresentadas por qualquer cidadã ou cidadão de forma individual ou coletiva. Ou seja, nesse ponto haveria importante modificação quanto ao sistema de legitimidade para representação processual para o ajuizamento de ações constitucionais. A própria decisão ressalta que essa ação é um mecanismo de assegurar os direitos constitucionais e representaria um avanço na teoria das garantias dos direitos constitucionais (EQUADOR, 2018).

Desse modo, a Corte, com o objetivo de analisar o cumprimento ou não da sentença, delimitou o problema jurídico na seguinte questão: a sentença emitida em 30 de março de 2011 pela Câmara Criminal do Tribunal Provincial de Justiça de Loja na ação de proteção tem sido cumprida integralmente? (EQUADOR, 2018, p. 6).

A decisão descreveu todos os pontos que haviam sido determinados na sentença e as informações do governo e do Ministério de Meio Ambiente quanto ao cumprimento.

Assim, em março de 2018, a ação foi julgada improcedente e a Corte Constitucional considerou que houve o cumprimento integral da sentença (EQUADOR, 2018). O caso apresentado acima é considerado emblemático, uma vez que foi o primeiro caso da América Latina em que houve o ajuizamento e julgamento procedente de uma ação em que foram requeridos os direitos constitucionais da natureza.

Nota-se que o reconhecimento foi dado pelo tribunal e que a Corte Constitucional do Equador, apesar de ter julgado a ação de descumprimento como improcedente, reafirmou a ação de proteção constitucional para os direitos da Natureza. Ademais, também é emblemático por retratar os desafios e reflexões de uma nova perspectiva.

Figura 3 - Rio Vilcabamba Efeitos da disposição irregular de sedimentos e

pedras

Fonte: Rights of Nature (2017).

Assim, a Figura 3 acima demonstra como o canal do rio diminui pela metade e, consequentemente, aumentou a turbidez e velocidade da água.