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O Ciberespaço como novo espaço de comunicação e cultura

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS São Paulo (páginas 101-106)

III. O ciberespaço: nova fronteira religiosa desinstitucionalizada

1. O Ciberespaço como novo espaço de comunicação e cultura

O acesso à informação por meio da rede mundial de computadores é um fenômeno relativamente recente67, que representa novas possibilidades de

democratização e disponibilização de grande quantidade de informação que se presta a diversos usos. Assim, a difusão das novas tecnologias permite às pessoas estar "conectadas", isto é, terem a possibilidade de abrir com facilidade, de forma direta e até gratuitamente, canais de comunicação capazes de superar muitas barreiras de tempo e de geografia68. Com a expansão desta nova mídia, as

interrogações e indagações por ela suscitadas põem em relevo temáticas extremamente importantes para a compreensão da sociedade contemporânea no paradigma da pós-modernidade. O acelerado desenvolvimento da tecnologia e das mídias digitais nas últimas décadas, assim como a crescente democratização do acesso a esses recursos, tem feito surgir novas possibilidades de interação social e de realização de práticas dos mais diversos tipos, especialmente por meio da utilização do chamado ciberespaço69 como nova forma de comunicação. De acordo

com Lèvy (Cf. 1999:185) o ciberespaço é um espaço de comunicação em que não é necessária a presença física do homem para constituí-la como fonte de relacionamento, dando ênfase ao ato da imaginação, necessária para a criação de uma imagem anônima, que comungará com os demais. Porém, "é preciso ser visto

67 Para exemplificar, basta lembrar que só nos últimos 10 anos o número de computadores conectado à

internet cresceu mais de dez vezes no mundo. O número de pessoas com acesso à rede estimado hoje é quase 2 milhões (FRAGOSO, RECUERO & AMARAL, 2011: 55).

68 Se em outrora era necessário abrir uma conexão (enviar uma carta, telefonar, enviar um fax...) que

depois se fechava hoje a extensão das redes de transmissão digital faz com que uma pessoa se veja virtualmente sempre em conexão aberta com qualquer outra e com todo o conjunto da rede. Isso significa que se está constituindo um espaço invisível de conhecimentos, de saberes, de potencialidades de pensamento (SPADORO, 2012: 153).

69 O termo ciberespaço foi inventado em 1984 por William Gibson. A definição clássica Pierre Lèvy,

afirma que é um conjunto de sistemas eletrônicos de comunicação medida em que canalizam informações provenientes de fontes digitais ou vias de serem digitalizados (LÈVY, 1999: 91).

para existir no ciberespaço. É preciso construir-se parte dessa sociedade em rede, apropriando-se do ciberespaço e constituindo um eu ali" (RECUERO, 2009: 27).

Não há um consenso quanto ao sentido que se dá para o ciberespaço, mas a maioria dos autores concorda que, no sentido amplo, se refere a um sistema de comunicação eletrônica global que reúnem humanos e computadores em uma relação simbiótica. "Trata-se de um espaço informacional, no qual os dados são configurados de tal modo que o usuário pode acessar, movimentar e trocar informação com um incontável número de outros usuários" (SANTAELLA, 2004: 45). O uso das tecnologias da informação e comunicação, que cada vez mais estão presentes no nosso quotidiano, vem ampliando as potencialidades permitindo a criação de novas relações, novos conhecimentos, novas maneiras de aprender e de ensinar (NETO, 2010: 2). É o espaço virtual para a comunicação, disposto por meio da tecnologia. O ciberespaço hoje pode ser acessado pelo celular, pelos pagers, na comunicação entre rádio-amadores e por outro tipo de serviços.

O ciberespaço segundo LÈVY (1999:17) consistiria numa "infra-estrutura da comunicação digital" a qual abriga todo o conteúdo que circula pela rede e permite modos diferentes "de usar as infra-estruturas existentes e de explorar seus recursos por meio de uma inventividade distribuída e incessante que é indissociavelmente social e técnica" (LÈVY 1999:193). O conceito sucinto e claro do ciberespaço para o autor é o seguinte:

É o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo (LÈVY, 1999: 17).

Como afirma Lèvy, o ciberespaço é "o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores", a partir daí, seria possível identificar o ciberespaço como sendo esse novo meio e concluir que é ao mesmo tempo o conjunto das possibilidades abertas e das forças aí efetuadas. Também para Lèvy (1999: 32), entretanto, existe uma diferença fundamental a ser considerada. "As tecnologias digitais surgiram, não só como a infraestrutura do ciberespaço, um novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também como novo mercado de informação e do conhecimento". Assim, o

ciberespaço pode ser visto como parte dessas tecnologias digitais, ou como a infraestrutura de comunicação que o sustenta, sobre as quais se montam diversos ambientes, como a Web, os fóruns, os chats, e o correio eletrônico, para ficar apenas com os exemplos mais comuns e disseminados. Com o desenvolvimento das comunicações computadorizadas em rede, se popularizaram os termos virtual e virtualidade. Popularmente, chama-se virtual tudo aquilo que diz respeito às comunicações via ciberespaço. (Cf. LÈVY, 2003:15-16). Neste sentido, o ciberespaço pode ser considerado um grande repositório de informações, sendo também responsável pelas mudanças que estão a ocorrer nas formas como as pessoas se comunicam, se relacionam e, sobretudo, na forma como constroem o conhecimento ao longo da vida. Em suma, o ciberespaço é o ambiente e é também uma das infraestruturas.

Existem três tipos de comunicação por computador70 (CMC): e-mail, news e

chat. O primeiro tipo constitui a modalidade de correio eletrônico, sistema utilizado para remeter mensagens textuais entre usuários do ciberespaço. News são listas de discussão temáticas, onde os assinantes do serviço remetem mensagens a um banco de dados que se encarrega de remetê-las para os outros usuários cadastrados. Esses dois tipos de serviços são assíncronos, isto é, existem significativos espaços de tempo separando a emissão e recepção de mensagens. Nesses casos, o usuário escolhe quando quer ler e responder as mensagens. O terceiro tipo de CMC é o chat. Esse tipo de serviço transmite diretamente as mensagens escritas a todos os participantes do grupo conectados naquele momento. (PRIMO, 1997: 6).

Para continuar nossa reflexão, diremos que o termo virtual é conhecido popularmente referindo-se ao ciberespaço, porém, seguindo a raiz da palavra, virtual vem do latim virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado à concretização efetiva ou formal. Por exemplo, a árvore está virtualmente presente na semente. A virtualização pode ser definida como um movimento inverso da atualização ou do ato em si. Consiste na passagem

70 Os primeiros computadores surgiram na Inglaterra e nos Estados Unidos em 1945. Por muitos anos

reservados aos militares para cálculos científicos, seu uso civil se desenvolveu durantes os anos 60. Eram grandes máquinas de calcular, frágeis, isoladas em salas refrigeradas, que eram alimentadas pelos cientistas por meio de cartões perfurados (LÈVY, 1999:31).

do atual ao virtual. A virtualização não é desrealização, mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado. É um dos princípios vetores da criação da realidade (LÈVY, 2003: 17- 18). Da digitalização à navegação, passando pela memória pela programação, pelo software, a realidade virtual, a multimídia, a interatividade, o correio eletrônico entre outras tecnologias fazem parte do paradigma da cultura pós-moderna. Em resumo, entende-se o virtual como real e rejeita-se identificar o virtual como falso:

O virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual, que é definido como um ato que não estava predefinido em parte alguma e que modifica por sua vez a configuração dinâmica na qual ele adquire uma significação. O virtual por sua vez é como um complexo problemático, o nó de tendências ou de força que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto, uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: atualização (LÈVY, 2003: 16-17).

O virtual não substitui o real, porém é capaz de criar diferentes laços e relações entre os indivíduos. O exemplo mais comum é se apaixonar por um amigo(a) virtual, realidade que emerge do virtual para o real, neste sentido podemos dizer que o virtual referir-se-ia a uma categoria tão verdadeira como a real. Logo, não é uma contraposição do real, mas um deslocamento, uma mutação de identidade. O ciberespaço não é desconectado da realidade, pelo contrário, trata-se de um espaço intermediário que faz parte da cultura contemporânea. No ciberespaço todos somos atores, autores e agentes de interação. De acordo com LÈVY (1999: 47) o "virtual é aquilo que existe em potência e não em ato". Se o virtual é potência, então o atual e o real são dois momentos da realidade. "Virtual é toda entidade desterritorizada capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais, sem contudo estar a mesma, presa a um lugar ou tempo em particular" (LÈVY, 1999: 47).

O virtual é tratado como aberto, cujas atualizações assumem várias formas. O mundo virtual é considerado como conjunto de códigos digitais é um potencial de imagens, enquanto uma determinada cena, durante uma imersão no mundo virtual, atualiza esse potencial em um contexto particular de uso (LÈVY, 1999: 49). É dessa forma que o virtual se torna algo aberto, existindo sem estar presente e suas atualizações assumindo inúmeras formas. A informação digital ganha à forma

determinada pela interação com o usuário, muitas vezes, de forma única e inédita (AGUIAR, 2010: 97).

Cabe destacar o pensamento de Baudrillard (1997), o qual receia que o espaço virtual transforme, e até aniquile as representações que temos do mundo, do político, do real e do social:

Hoje, não pensamos o virtual; somos pensados pelo virtual. Essa transparência inapreensível, que nos separa definitivamente do real, nos é tão ininteligível quanto pode ser para a mosca o vidro contra o qual se bate sem compreender o que a separa do mundo exterior. Ela não pode nem sequer imaginar o que põe fim ao seu espaço (BAUDRILLARD, 1997: 71).

Ao surgir o mundo virtual, surge também o conceito de cibercultura, que tem o sentido de "um conjunto de técnicas, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço" (LÈVY, 1999: 17). Como tal, reflete-se a "universalidade sem totalidade", algo novo se comparado aos tempos da oralidade primária e da escrita. É universal, pois promove a interconexão generalizada, mas comporta a diversidade de sentidos, dissolvendo a totalidade. Em outras palavras: a interconexão mundial de computadores forma a grande rede, mas cada nó desta é fonte de heterogeneidade e diversidade de assuntos, abordagens e discussões, em permanente renovação. Para Pierre LÈVY (1999:29) o crescimento do ciberespaço não determina automaticamente o crescimento da inteligência coletiva, apenas fornece a esta um ambiente propício. Por não ser estável pode estar presente em qualquer lugar a qualquer hora. Sendo essa a segunda característica do virtual: tempo e espaço são substituídos, respectivamente, por interconexão e sincronização. Rheingold (1996), por sua vez, lembra que o espaço virtual abriga um grande número de profissionais, que lidam diretamente com o conhecimento, o que faz delas um instrumento prático potencial.

Quando surge a necessidade de informação específica, de uma opinião especializada ou da localização de um recurso, as comunidades virtuais funcionam como uma autêntica enciclopédia viva. Elas podem auxiliar os respectivos membros a lidarem com a sobrecarga de informação. (RHEINGOLD, 1996: 82)

O espaço virtual estaria funcionando, como verdadeiro filtro humano inteligente. O resultado imediato é o surgimento da cibercultura, que deve ser

considerada "como ‘movimento social’ liderado pela juventude metropolitana escolarizada e guiado pelas palavras de ordem: interconexão, criação de comunidades virtuais e inteligência coletiva" (LÈVY, 1999:123). O ciberespaço é

um campo extremamente propício à divulgação de ideias e encontro entre indivíduos.

O termo Cibercultura tem vários sentidos. Podemos entendê-la como a forma sociocultural que advém de uma relação de trocas intra e inter-social, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônicas que surgiram nos últimos anos. Cibercultura não é apenas uma cultura pilotada pela tecnologia, embora esteja fortemente marcada pelas tecnologias digitais. Ela marca fortemente nossa sociedades através do ciberespaço, dos cartões inteligentes, do voto eletrônico, do imposto de renda via rede, das inscrições via ciberespaço, da capela virtual. Tudo isto mostra que a Cibercultura está presente na vida cotidiana de cada indivíduo, levando ao surgimento de novas formas de sociabilidade e criando novas relações inusitadas entre as tecnologias de informação e comunicação (LEMOS, 2002). Afinal, é suficiente um clique para poder navegar e conhecer lugares, assuntos e pessoas que não poderiam ser vistos ou conhecidos se não estivessem disponíveis via instrumentos da Cibercultura: o computador, a internet, os celulares, apenas para citar alguns dos muitos meios eletrônicos de comunicação social. Porém, seguindo o pensamento de Lèvy (1999), a comunicação virtual não é uma sequência de comunicação tradicional, mas um novo paradigma de linguagem para uma nova telepresença na qual a interatividade e interconexão criam novos universos de linguagem, de mensagem e de modos de interagir nos novos espaços virtuais.

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS São Paulo (páginas 101-106)

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