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O computador como reflexão teórica no contexto da sociedade e na

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CAPÍTULO II Os usos do computador na Educação Escolar: Balanço e análise da

2.2.3 O computador como reflexão teórica no contexto da sociedade e na

Nesta categoria foram agrupados os textos que propõem uma reflexão mais teórica dos temas em educação, sociedade e tecnologia. Aqui se encontram trabalhos que se dedicam a analisar a reconfiguração do campo educacional frente ao uso do computador e as demandas para a formação de professores. O conhecimento é discutido a partir da ‘rede’ de informações que a Internet proporciona, resultando, conforme os estudos, na construção individual e coletiva do conhecimento e na alfabetização científica e tecnológica dos indivíduos.

Com relação à alfabetização científica, é relevante sua associação ao processo de aquisição de estruturas conceituais no ensino profissionalizante, entendendo seu conceito como associado ao saber funcional, tendo em vista que o saber do técnico é prioritariamente,

voltado para a resolução de problemas concretos (LACERDA, 1997, p. 92).

Assim, faz-se necessário entender a complexidade de seu conceito como de conhecimentos gerais relacionados à natureza que fornece ao indivíduo princípios fundamentais para participar da sociedade, para compreender os fenômenos científicos e para utilizar os meios tecnológicos existentes. Esse processo de alfabetizar cientificamente os indivíduos significa instrumentalizá-lo “com conhecimentos científicos válidos e significativos

tanto do ponto de vista social quanto do ponto de vista individual, sem os quais o próprio exercício da cidadania ficaria comprometido (Idem, p.99).

Para tanto, é exposto que o indivíduo deve mais que conhecer os meios tecnológicos, deve ser capaz de utilizá-lo de maneira crítica, conhecendo a ciência, que, por sua vez, é um caminho privilegiado e seguro para o acesso à realidade. Entretanto, esse saber proporcionado pela alfabetização científica e tecnológica justifica nos estudos o fenômeno de delimitação do conhecimento em áreas específicas, ou seja, os intelectuais passaram a escolher sua área de atuação e as áreas de saber tornaram-se cada vez mais delimitadas e técnicas.

Por esta vertente, Goergen (1998) fala sobre a ciência e a sociedade e seu vínculo com o ensino das ciências, afirmando que seu ensino é pouco desenvolvido, semelhante àquele usado há dois séculos, sendo que entre as diferentes áreas do saber, uma das que menos se

desenvolveram foi a arte de ensinar (p.64). Dessa forma, compreendendo que o saber se materializa no conhecimento e observado a partir de um paradigma sociocultural da modernidade, observa-se que o saber age como potenciador da emancipação dos indivíduos,

surge simultaneamente como uma poderosa forma de regulação social... tornou-se meio de domínio dessa mesma natureza e sociedade (STOER; MAGALHÃES, 2003, p. 1182).

Quanto às políticas de implantação de laboratórios de informática nas escolas e formação de professores para o uso de computadores, há estudos que dizem que as políticas públicas na área da educação devem ser coerentes e articuladas para garantir a sua implantação e, com isso, atender aos requisitos impostos pelos organismos internacionais (CASTRO, 2001; FONSECA, 1999 apud PRETTO, 2002).

Por esta via, como exposto no estudo realizado por Pretto (2002), as TIC no Brasil não devem seguir a lógica de mecanismos internacionais e, sim, serem utilizadas como instrumentos de transformação radical da educação brasileira, visando a construção mais justa de nosso País. E a escola surge nesse contexto a partir da prática do professorado. Como analisa Pretto:

Não podemos, portanto, nos contentar com propostas de introdução dessas tecnologias na escola como se elas fossem, por si sós, as transformações de todo esse processo que não dá conta das transformações do mundo contemporâneo...é desse novo contexto que emerge o papel de um novo professor, não mais repassador de informações, que se satisfaça com certificações aligeiradas..., mas que aja como liderança de múltiplos processos que valorizem o trabalho docente e a sua profissão, em ricos processos de desverticalização do sistema (2002, p.10).

Observa-se, ainda nos textos, que a construção de sentidos na cibercultura indica outra realidade que a tecnologia apresenta que é a violência na sociedade e nas mídias. Sobre

isso, se afirma que os sujeitos realizam suas próprias significações a partir de suas práticas com o uso da Internet.

Nesse sentido, a tecnicidade compreende a técnica não como instrumento, mas como um articulador entre o discurso e a técnica. Nota-se esta construção de sentidos, principalmente, em relação aos jovens que usam o Orkut, o MSN, blogs, fotologs, dentre outros, para se manifestarem. Existem várias comunidades no orkut que são construções simbólicas do pensamento de milhares de alunos que expressam sua indignação com a escola e professores em sua linguagem própria. Nesses espaços existem regras definidas de disciplina do uso das comunidades. Os autores dos trabalhos percebem que mesmo os alunos rejeitando sempre a disciplina em sala de aula, em outros espaços como o da virtualidade da Internet, em particular, o orkut, criam sua original disciplina de regulação de acesso e uso da página.

Coloca-se, acima de tudo, que a capacidade de comunicação dos alunos, quando utilizam a Internet, torna-se mais perceptível que nas relações alicerçadas em sala de aula, pois estes utilizam sites e programas de relacionamento na world wide web como forma de manifestar seus sentimentos, emoções, desejos, planos, fazer novas amizades, manter e renovar laços de amizade, encontrar “amores”, no plano virtual, representando seus mais íntimos desejos: tais funções imediatas do orkut e msn, por exemplo, demonstram com clareza o que esses “instrumentos” significam para eles.

Os estudos que relatam a utilização do msn afirmam que, na maioria das vezes, os alunos representam o que realmente gostariam de ser, seja no aspecto físico ou no psicológico21. São liberdades imaginadas e sentidas em um território sem demarcação - a internet. Freqüentemente, fazem parte da linguagem de alunos e professores, nomenclaturas como CDROM, “navegar na net”, email, bate-papo, dentre outros.

Os trabalhos indicam que o computador ligado à Internet possibilita uma nova relação das pessoas com o tempo e com o espaço. Ele proporciona uma revolução no processo de comunicação e nos meios/formas de relacionamento. O que antes levava um tempo bem maior para chegar ao seu destino - uma carta, por exemplo -,hoje se “move” em tempo real, através do email ou correio eletrônico. Eis então uma palavra-chave para sinonimizar a velocidade das informações: o “real”. Este, ao mesmo tempo em que caracteriza essa relação

21 Quanto à Psicologia, Psicologia da Educação e Psicanálise encontra-se os seguintes autores utilizados nos textos da pesquisa: Alda Judith Alves-Mazzotti; Marília Amorim; Martin Bauer; Sigmund Freud e Jacques Lacan.

espaço-tempo, é oposto ao denominado “virtual”, ou seja, o campo das relações no ciberespaço22.

Touraine (1994) explica sobre o sujeito humano que está inserido neste contexto do ciberespaço - a partir da racionalidade - no qual a sociedade moderna rompe com o sagrado, com a visão religiosa sobre todas as coisas, e cria uma interdependência da ação racional instrumental e de sua pessoalidade. Apresenta três pilares de sustentação do indivíduo, enquanto sujeito, indivíduo e ator, estabelecendo relações entre as dimensões do ser humano e percebendo os conflitos que existem. Parte do pressuposto que o indivíduo é a “unidade particular onde se misturam a vida e o pensamento, a experiência e a consciência”. O sujeito indica o “controle exercido sobre o vivido para que tenha um sentido pessoal, para que o indivíduo se transforme em ator” e o “ator não é aquele que age em conformidade com o lugar que ocupa na organização social, mas aquele que modifica o meio ambiente material e, sobretudo social no que está colocado...” (p.220).

Para tanto, essas dimensões do ser humano que Touraine apresenta pemitem que se compreenda melhor a relação conflitiva que cerca o cotidiano e que, muitas vezes, são transportadas pelo campo do virtual pelos jovens quando criam sua própria identidade e seu próprio meio de vida no ciberespaço. Desta forma, segundo ele, “levamos várias vidas e experimentamos de maneira tão forte este sentido de que este “Si-mesmo” é o contrário de nossa identidade que fugimos dele por meio de uma droga ou simplesmente suportando as exigências da vida cotidiana” (p.221).

A humanização da tecnologia e seu uso com ética, conhecimento e ação também é um aspecto apresentado no trabalho de Oliveira et al (2000), que apresenta a questão da humanização da tecnologia, bem assim a possibilidade de reconectar ética, conhecimento e ação, com ênfase nos propósitos da educação, ciência e tecnologia com vistas à realização da cidadania. Para o autor supracitado:

A definição da educação da cidadania tendo o homem como sujeito do processo é entendida como necessária para viver-se num mundo globalizado, pode ser sintetizada em alguns poucos atributos, todos inerentes à capacidade de desenvolver trabalhos em equipe, ou seja, de criar e comunicar, em processos de educação continuada e de aprender a aprender. Hoje, fala-se muito, por exemplo, do analfabeto tecnológico. O grande equívoco parece estar relacionado com o fato de se crer que um projeto de educação terá sucesso tendo instrumentos de base tecnológica como ponto de apoio para seu planejamento, elaboração e disseminação, e que a receita para o sucesso consiste em treinar pessoas para utilizar essas tecnologias. Embora seja um instrumento poderoso para ajudar na

22 Na maioria dos trabalhos, Pierre Lévy é utilizado para explicar as questões referentes ao ciberespaço, à cibercultura, ao virtual e ao real, dentre outros temas.

implementação de metodologias inovadoras e conseguir mudanças de escala no atendimento da clientela, a tecnologia não pode justificar-se por si só. Para isso, é necessário alfabetizar-se em vários instrumentos ortodoxos e heterodoxos, mas parece que atingir-se uma educação cidadã, muito mais importante do que a tecnologia é a prática de uma ética da cidadania (2000, p.331).

Desta forma, há, ainda, estudos que realizam uma análise da EAD a partir de uma visão mais filosófica e sociológica23. O uso do computador em processo de formação de professores e uso nas escolas em uma leitura neoliberal é apresentado, muitas vezes, na forma da EAD.

Em uma reflexão sobre o discurso neoliberal, Preti diz que tal discurso apresenta a escola pública como inserida em uma crise de oferecimento da mercadoria chamada conhecimento aos seus clientes – alunos. Ainda nesse discurso, uma solução apresentada é que a escola deve ser submetida a uma reforma administrativa para se tornar competitiva – eixo de condução da globalização conduzida pelo neoliberalismo – e estabelecer mecanismos de controle e avaliação dos serviços educacionais, submetendo-se à lógica do capital. Nesse sentido, Preti diz que, nessa visão neoliberal:

A EAD é chamada e instalada pelos próprios governos como a modalidade que melhor estaria em condições de cumprir esta tarefa de maneira rápida, atingindo um número expressivo de trabalhadores, e dentro de uma racionalidade econômica superior às modalidades presenciais (1998, p.6).

Assim, nesta categoria encontra-se a preocupação com a vinculação das TIC ao processo educacional, considerando-as como elementos de um modelo econômico e de um projeto cultural que instrumenta as classes populares (trabalhadora) para atender às demandas do mercado. Pode-se, a partir daí, deduzir que enquanto se pensar a escola submetida aos meios e fins do mercado de trabalho e à lógica do capital não será possível a formação autônoma do alunado, nem mesmo o uso coerente das TIC, em particular, do computador.

23 Como se observa nos trabalhos de Pretti (1998), Moran (2000), Picanço (2001), Belloni (2002), Almeida (2003) e Lima et al (2003).

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